A Honda Africa Twin 1100 (AT) é sobejamente conhecida por quase todos nós. Tem vários anos de mercado e as principais alterações recentes têm sido apenas estéticas e a verdade é que, para já, não necessita de mais.
Cientes deste facto, é natural que se coloque a questão: qual o sentido de fazer um teste mais detalhado a uma moto que já foi analisada até à exaustão por muita gente?
A explicação é simples: com o recente Portugal de Lés-a-Lés off-road (LaL) foi possível fazer um teste de longa duração, cerca de 2.000 km, que permitiu conjugar a condução asfáltica e a fora de estrada de forma harmoniosa e em menos de uma semana.
Escrito de outra forma, foi uma maratona extensa, exigente e que serviu para mostrar as reais capacidades da AT, bem como as suas poucas limitações, mas podem ficar já com uma certeza: é uma digna herdeira da Africana que surgiu nos idos anos 80 e que, curiosamente, vai ser a eleita para a nossa próxima crónica de motos que marcaram as décadas de 70, 80 e 90, a publicar já na próxima sexta-feira, pelo que não me vou detalhar a contar a história da mesma…
Africa Twin: um nome quase sagrado
Depois de no início deste século (2003) a Honda ter deixado de produzir a sua popular AT foi necessário esperar mais de uma dúzia de anos para que os nipónicos voltassem às luzes da ribalta com este icónico modelo! Em boa hora o fizeram!
Após alguma especulação e segredos mais ou menos mal guardados em 2016 a espera chegou ao fim e a Honda lançou a sua Africa Twin 1000 para alegria de muita gente por esse mundo fora. Mantinha muitos dos predicados de aventura e caráter dual da geração anterior, mas estava mais adaptada aos tempos modernos, incluindo alguma tecnologia e um motor completamente novo com 2 cilindros paralelos.
O sucesso foi imediato, mas o mercado pedia algo mais, em termos de tecnologia, de binário, de capacidade de viajar. A Honda fez-lhes a vontade e lançou a CRF 1100 (mais precisamente 1084 cc) em 2020, sendo que é sobre a geração atual que vamos trocar convosco algumas impressões sempre com a certeza de que a marca Africa Twin tem um valor incrível, podendo ser considerado como um verdadeiro ícone dentro e fora da marca!
Ainda por cima, a Honda, de forma genial, soube manter duas versões bastante distintas: a normal, que vamos analisar, com mais genes de off-road e outra mais orientada para viajar a que chamou Adventure Sports, caraterizada por um depósito maior, mais tecnologia e, inevitavelmente, um preço também superior!
Como se não bastasse, deu também a oportunidade aos seus clientes de escolherem uma caixa manual tradicional de 6 relações ou uma magnífica caixa do tipo DCT (dual clutch transmission). Dela a Honda tem a patente e as vendas rivalizam com a versão de caixa manual, apesar do incremento do preço e do peso, mas a nossa análise vai incidir sobre a versão de caixa manual por ter sido aquela com que convivemos no LaL e que, para o meu gosto pessoal, seria sempre a escolha óbvia, embora reconheça grandes virtudes na DCT.
Honda CRF 1100L Africa Twin: Grand Prix Red
Para a nossa participação no LaL a Honda facultou-nos uma AT com a decoração Grand Prix Red (implica um custo adicional) e cumpriu com os nossos pedidos adicionais, nomeadamente ter caixa manual (uso intensivamente a embraiagem fora de estrada), ser a versão normal (menos peso, volume, não necessitar de tanta tecnologia), vir equipada com topcase (neste caso de 42 litros) e trazer pneus de tacos, exigência óbvia para off-road.
A todos estes pedidos a marca acedeu e a moto ainda veio equipada com umas muito úteis proteções de radiador, que estão bastante expostos, além de nos garantir a troca de pneus pelos cardados em Mirandela, início do LaL e depois o inverso em Vila Real de Santo António, no final.
Sobre a moto em si, sei que muitos dos que nos vão ler conhecem a moto tão bem ou melhor que eu, mas se tivesse que resumir a moto numa palavra só chamava-lhe equilíbrio!
A AT cumpre em praticamente todo o lado (fiz caminhos bastante técnicos com ela, mas sem chegarem a ser verdadeiras trialeiras, que já era pedir demais). Em cidade é um regalo pela facilidade como se deixa levar, até no meio dos automóveis. Na autoestrada apenas estamos limitados pela reduzida proteção aerodinâmica do ecrã original, mas o selim tem um conforto aceitável e a posição de condução é ótima, ajudada por um cruise control simples e efetivo. Melhor é difícil.
Com rodas de 18 e 21 polegadas para uso em TT a quantidade e diversidade de pneus disponíveis é imensa, ajudada por jantes de raios. Mesmo no asfalto a roda dianteira, ainda que algo mais vaga a curvar que uma de 18 ou 19 não compromete e as suspensões, multireguláveis, fazem um trabalho de excelência, apesar da dianteira ter bastante curso, mas é inevitável numa moto com reais capacidades para sair do asfalto. Do meu lado não mexi na frente e atrás apenas alguns clicks para ficar com a recuperação mais ao meu gosto.
Nota mais para os travões que são mais que suficientes no asfalto ou fora dele! Progressivos, bem calibrados e muito resistentes na forma como aguentam todas as exigências que lhe pedimos! Que bom seria que muitas motos tivessem travões ao nível destes, até porque a moto pesa uns não muito simpáticos 230 kg em ordem de marcha e sentem-se bem, sobretudo em zonas mais técnicas!
A moto convida a andar de pé e consegue ser gratificante em todo o lado. Porém, no off-road é uma moto bastante física, que exige algum esforço nas mudanças de direção, até porque tem alguma inércia e o centro de gravidade está relativamente elevado, fruto da altura ao solo e do depósito de gasolina numa posição que podia ser um pouco mais baixa.
Do verdadeiro cocktail tecnológico que detém o melhor que se pode dizer é quase nem damos por ele, mas permite configurar imenso a moto ao nosso gosto pessoal em termos de resposta do motor, da entrega do binário do controlo de tração… no modo off-road até nos permite desligar o abs na roda traseira ou optar por uma opção em que continua ativo, mas menos interventivo.
Acaba por ser difícil fazer grandes críticas a esta moto, são mais pequenos detalhes que podiam estar melhor resolvidos, caso da pinha de comandos do lado esquerdo (se a memória não me trai são 14 botões) que exige habituação e, já agora, bem que podiam ser retroiluminados! Ajudava muito e certamente não encarecia o produto final! Vejam como faz a concorrência!
A minha principal crítica, para uma utilização off-road, acaba mesmo por ser a forma algo labiríntica como se acede ao filtro de ar e em duplicado já que são 2! Não é uma tarefa ciclópica, mas exige parafusos, molas, encaixes… tudo em dobro! Se, por acaso, a moto tiver proteções para queda (side bars) pode até ser necessário aliviar as mesmas. Preferia uma solução simples, como noutras marcas, do género de tirar o selim, uma tampa, 3 ou 4 parafusos e já está!
Notas finais sobre a AT
Antes do LaL já conhecia bem a moto, já tinha testado, mas com esta amplitude e uso fora de estrada tão exigente e intenso foi a primeira vez e assumo que não me importo de um dia repetir, sem medo ou falta de confiança!
Acresce que continua a ser uma moto com forte impacto visual e vi muita gente a apreciar esta peça de arte motociclística, mais ainda nesta decoração mais exuberante, mas também ouvir em Mirandela um comentário do género: – mal-empregada moto para o Lés-a-Lés! Vai sofrer muito e a pessoa que a conduzir também! Ri-me baixinho e agora posso afirmar que era puro equívoco de quem assim pensou!
Claro que uma relação de transmissão mais curta (tipo mais 2 ou 3 dentes na cremalheira) ajudava fora da estrada, mas comprometia depois no asfalto. O mesmo vale para a pressão dos pneus (têm câmara de ar) em que dá vontade de reduzir um pouco a pressão no off-road, mas o risco de um indesejável furo aumenta na mesma proporção e depois no asfalto convém repor.
A caixa de velocidades é uma delícia e a embraiagem, mesmo por cabo, nunca deu sinais de fadiga e manteve sempre um excelente feeling ao longo de todos os dias. Aliás, a moto não revelou o mais pequeno percalço nestes 2.000 km em que a conduzi e até os consumos se podem considerar aceitáveis!
Em AE, numa velocidade estabilizada pouco acima dos limites legais, sozinho e com topcase os consumos rondam os 5 litros o que é francamente bom. Já no off-road há algo curioso: nas duas primeiras etapas do LaL, mais técnicas e lentas, em que usamos as relações de caixa mais baixas, o consumo aumenta, tipo 20 ou 30%. Na etapa final, com caminhos mais abertos, tipo estradão, o consumo desce novamente para os tais cerca de 5 litros para cada 100 km, aproximadamente!
Tudo somado, o meu receio inicial sobre o porte da moto no off-road era perfeitamente infundado! Em todos os dias e todas as circunstâncias a AT mostrou, no asfalto ou fora dele, que podia contar com ela e a confiança é algo essencial.
Para mais detalhes sobre a participação no LaL e sobre a própria AT, recomendamos a leitura da edição de novembro da sua Revista Motos.
Texto: Pedro Pereira
Fotos: Pedro Pereira e Paulo Ministro