Trazemos até si um veículo que foi marcante, principalmente por ter ajudado à mobilidade de muita gente e não apenas em França, seu país natal. As suas performances são modestas, mas conquistou um lugar na história das duas rodas e, mesmo na atualidade, continua a ter muitos adeptos que lhe reconhecem as suas virtudes, com especial destaque para a fiabilidade e economia.
POR: Pedro Pereira
FOTOS: Paulo Calisto
Se quisermos ser rigorosos, a marca nasceu em 1924, em Patin, França e já é centenária, mas vamos focar-nos nas Mobylette, as suas célebres criações que surgiram após a Segunda Guerra Mundial e que em Portugal vieram a ser conhecidos também como bicicletas com motor. Ou seja, uma espécie de “bicicletas com motor a pedais” e que, durante décadas, estavam dispensados de matrícula, algo que já não ocorre na atualidade, sendo hoje considerados como velocípedes com motor a combustão, de potência superior a 1,0 kW e capazes de uma velocidade máxima superior a 25 km/h.
Estas “bicicletas motorizadas”, numa altura em que a França estava de rastos e necessitava de se reerguer, tiveram um papel importantíssimo e ganharam uma fama enorme, inclusive noutros países, onde se inclui Portugal. Aliás, em países como Marrocos, continuam a ser ainda o único veículo para muita gente.
Tal como surgiu noutros países, veja-se o caso de Itália e da marca Vespa, era necessário ajudar a reerguer a economia. A mobilidade e autonomia para deslocações tinha um papel fundamental, incluindo junto do público feminino. A marca lançou a sua primeira Mobylette em 1949 e o sucesso foi imparável. A AV3 revelou-se acima das expetativas, com uma grande simplicidade, baixo custo de aquisição e reduzida manutenção. Daí para a frente foi sempre em crescendo e a sua sucessora, a AV31, depois a AV32 e seguintes versões vieram cimentar, ainda mais, a sua fama. Até ao seu encerramento foram produzidas cerca de 30 milhões de unidades!
Com uma constante busca de inovação e melhorias, sem nunca descurar a componente estética, a marca foi crescendo, mas o destino fatídico estava traçado. Em 1981 acabou por falir, sendo que a marca acabou por ser adquirida pela Yamaha que a relançou com o nome MBK, sendo comum a coexistência das duas designações durante vários anos, como é o caso desta AV 41.
De referir que no Brasil chegou a ser produzida na Zona Franca de Manaus, sob licença da marca francesa. A célebre Caloi foi um tremendo sucesso de vendas e as suas mobiletes, também conhecidas por “francesinhas” eram uma verdadeira febre entre as gerações mais jovens e ainda hoje são apreciadas, sendo que agora estão a voltar à produção, mas em modo elétrico.
Em Portugal existem ainda hoje muitos aficionados das Mobiletes em geral e da Motobecane em particular, como é o caso do Nuno Ramos, proprietário deste bonito exemplar e que também se dedica ao restauro das mesmas, nas horas vagas.
Naturalmente que no nosso mercado também tinha concorrência feroz, nomeadamente da nacional Casal Futurmatic (K177), da austríaca Puch Maxi, da japonesa Honda Amigo PF50 ou da também francesa Peugeot 103, sendo que o seu sucesso era ainda maior junto do público feminino.














O encanto das Mobilete
Vamos ser claros. Para a maior muitos de nós um olhar para um veículo destes não nos vai impressionar e não vai servir para atrair muitas atenções da maioria das pessoas, mas os seus encantos e o charme que encerra estão todos lá e facilmente desperta sorrisos e traz boas memórias.
Este exemplar em concreto, cuja data da primeira matrícula indicada no livrete é de 1988, mas a produção é certamente anterior está num estado razoável, embora longe de perfeito. Apenas sofreu algum trabalho de restauro em termos mecânicos, deixando a estética na fórmula original, com a patine que as suas muitas décadas de uso lhe garantiram.
O típico azul da Motobecane fica-lhe bem e continua com um brilho de fazer inveja. Os próprios autocolantes originais estão num estado aceitável e a indicação do distribuidor francês Athis Moby nas duas laterais só lhe realça o encanto. Mesmo os cromados dos guarda-lamas ainda conservam algum brilho e alguns pontos de ferrugem não lhe retiram a magia. Já tem “chapa amarela”, sendo que teve matrícula camarária durante muitos anos.
A questão da quilometragem acaba por ser perfeitamente irrelevante. Em termos práticos o odómetro, fornecido pela Huret, dá a volta a cada 9.999 km, ou seja, não temos forma de saber a quilometragem real, exceto se conheceremos detalhadamente o historial do veículo, o que se afigura complexo.
Além dos consumos ridículos, mesmo num motor de ciclo a dois tempos, o depósito de cerca de três litros dá para uns 150 km, merece inequívoco destaque o peso pluma. Para muitos de nós é fácil pegar nos seus 45 kg ao colo e poder, por exemplo, colocá-la dentro de casa ou na bagageira do carro!
Aliás, esta elevada facilidade de movimentação é também um dos seus pontos fracos: não existe chave ou tranca de ignição e mesmo o lugar para a prender com um cadeado/corrente pode ser pouco eficaz. Dito de outra forma, uma simpática viatura como esta pode ser facilmente desviada pelos amigos do alheio e sem deixar rasto!
Sensações de condução
Conhecem aquela sensação de irmos de moto mais devagar do que a velocidade real? Isso ocorre com motos muito confortáveis, bem insonorizadas, potentes, filtradas… em que dificilmente temos consciência da real velocidade, até surgir a necessidade de travar ou olharmos para o indicador de velocidade. Aqui a sensação é a oposta: o ponteiro vai a marcar uns otimistas 60 km ou 70 km/h (a velocidade real, teórica, é de 45 km/h) e parece que já vamos a 100 km/h ou lá perto! Uma sensação fantástica e que nos permite salvaguardar os pontos da nossa Carta de Condução, enquanto nos divertimos tremendamente pela sensação de insegurança, reforçada pela vibração, travões insuficientes e a suspensão dianteira que é pouco mais que simbólica, mas sempre melhor que a traseira… que não existe! Todo o veículo é espartano e centra-se no essencial, mas para muita gente era um verdadeiro delírio e representava uma forma de ser autónomo e ter um meio para deslocar-se de forma mais rápida e menos cansativa que a pé ou de bicicleta, mais ainda porque um automóvel era demasiado oneroso e a crise do petróleo na década de 70 tornou os combustíveis caríssimos.
Abrir a torneira da gasolina, enriquecer a mistura, se necessário, dar duas ou três pedaladas, ajudar com o descompressor e o motor acorda para a vida com um silvo típico de motor dois tempos de baixa cilindrada, quase como um ligeiro zumbido de abelha.
Desde que o relevo seja favorável ou mesmo plano, a forma como consegue deslocar o seu peso pluma e os meus cerca de 85 kg é divertida e rápida. O problema é se a orografia começar a jogar contra nós. Aí de pouco serve baixarmo-nos para reduzir o atrito ou esmagar o acelerador. Não há nada a fazer! Talvez “ganhar balanço” antes da subida possa mitigar a situação, mas as prestações acabam por se tornar paupérrimas e, dependendo do tráfego e da via, pode ser mesmo perigoso.
Ainda assim, não há motivos para alarmes, apenas importa ter cuidados extras e, já agora, evitar a condução noturna porque a iluminação é praticamente inexistente.
Notas finais
É importante adaptarmo-nos aos veículos que conduzimos e estas crónicas Recordar, sempre focadas em veículos do século passado, mostram isso mesmo, além de nos ajudarem a perceber como a evolução tem sido descomunal e não vai ficar por aqui, nomeadamente com a eletrificação.
Conduzir esta simpática Motobecane acaba por ser uma experiência sensorial mais divertida e gratificante do que podemos estar à espera. Aos seus comandos acabamos por conseguir fazer parte da paisagem que nos rodeia de uma forma mais próxima e intimista. Só por isso já vale a pena a experiência!
Pontuação:
Estética | 4 |
Prestações | 2,5 |
Comportamento | 3 |
Suspensões | 2 |
Travões | 3 |
Consumo | 4 |
Ficha técnica:
Motor | Monocilíndrico, refrigeração a ar |
Distribuição | Dois tempos, com mistura manual |
Cilindrada | 49,9 cc |
Potência | 1,85 Cv às 4700 rpm |
Binário | – |
Embraiagem | Centrífuga, do tipo automático |
Final | Corrente |
Caixa | Por variador |
Arranque | Por pedais, com auxílio de descompressor |
Quadro | Tubular em aço |
Suspensão dianteira | Garfo telescópico |
Suspensão traseira | Não tem |
Travão dianteiro | Tambor de 80 mm |
Travão traseiro | Tambor de 80 mm |
Pneu dianteiro | 2,00×17 |
Pneu traseiro | 2,00×17 |
Comprimento total | 1686 mm |
Largura total | 637 mm |
Altura total | 1175 mm |
Distância entre eixos | 1107 mm |
Altura do assento | 787 mm |
Peso | 45 Kg (ordem de marcha) |
Depósito | 3 litros |
Cores | Variáveis ao longo dos anos (este modelo tem a pintura original, azul) |
Importador | Motobecane |
Equipamento Usado:
Capacete: Shark
Casaco: RSW
Luvas: RSW
Calças: Alpinestars
Botas: TCX