50 anos de carreira com muito para contar
Pouco tempo depois de se iniciar no teatro de revista, em Uma No Cravo, Outra Na Ditadura (Parque Mayer), da autoria de Ary dos Santos, César de Oliveira e Rogério Bracinha o jovem João partiu logo para o cinema e num período particularmente quente: os meados da década de 70 em que participa no filme Histórias Selvagens, de António Campos (1978).
João Lagarto é “apenas” um feirante e representa um papel de pequena monta neste drama que relata muito da dura vida no campo, mais precisamente em Montemor- o-Velho, de um casal de rendeiros – o ti B. e a ti L. Ideias como a velhice, a solidão, as agruras da vida no campo ou algumas lições de vida justificam perfeitamente ver o filme.
Daí para a frente à medida que amadurecia e cimentava o seu talento trabalhou com muitos realizadores, casos de Luis Rocha, Walter Salles Júnior, Ruy Guerra ou, Luis Galvão Teles, José de Sá Caetano, João Botelho e Manuel Mozos, sem nunca virar as costas ao teatro, sua grande paixão, a ponto de se tornar também encenador.
Já no pequeno ecrã Lagarto continua a encantar-nos ao longo destas décadas. Basta pensar na novela A Banqueira do Povo (1993), em que o papel de maior destaque é o de Eunice Munoz. Cabe-lhe a ela representar D.ª Branca (Dona Maria Benta da Silva), a banqueira do povo, num sistema que podemos descrever como Pirâmide Ponzi e que trouxe prejuízos a muita gente e ganhos a uns quantos.
Lagarto é Augusto da Silva Barros e é interessante que esta telenovela impulsionou a ambos os atores, ou seja, acabou por promover a carreira de ambos na televisão, mas voltemos a João Lagarto, eleito desta crónica.
Outro momento de destaque na carreira do ator ainda no milénio passado foi a participação na aclamada série realizada por Leonel Vieira, “Ballet Rose” (1997) ou Vidas Proibidas, baseada no escândalo sexual que ficou conhecido pelo mesmo nome, e que abalou a alta sociedade portuguesa no final do anterior regime, quando Lagarto era ainda um jovem.
Agora ele é o Ministro da Presidência e está diretamente envolvido na teia de exploração sexual em que a própria Polícia Judiciária tem algumas dificuldades em agir, tal a dimensão do escândalo e dos envolvidos. Um papel magistral, para um grande ator.
Sem nunca virar as costas ao teatro, muito pelo contrário como já vimos, foi também um dos obreiros da Escola de Circo – Chapitô e até professor de Professor de Atuação no IFICT (Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral) e no Curso de Teatro da Universidade de Évora.
Ainda dois momentos marcantes da vida de João foram um Globo de Ouro para “melhor ator de teatro 2006” com Começar a Acabar de Samuel Becket e ainda o Prémio da SPA para “melhor ator de cinema 2010”, com 4 de copas de Manuel Mozos.
Nos últimos anos as novelas consomem-lhe muito do tempo e da sua genialidade: Amar depois de amar (2019), Amar Demais (2019-2021) e Flor Sem Tempo (2023-2024) são apenas alguns exemplos.
Motards Moliére
Para quem não se recorda, Jean-Baptiste Poquelin (1622-1673) ou simplesmente Moliére, foi um dramaturgo, ator e também encenador francês, e um dos maiores mestres da comédia satírica. Usava as suas obras para satirizar e criticar os costumes da época e era um protegido do Rei Luís XIV. Uma das suas máximas que ficou e muito admiro é esta: “Deveríamos olhar demoradamente para nós próprios antes de pensarmos em julgar os outros”!
Não se consta que Moliére andasse de moto (não tinham sido sequer inventadas), mas Lagarto e o seu amigo Vítor Norte que também já passou por estas crónicas criaram este grupo numa clara alusão ao seu mestre e inspirador que, ainda hoje, representa um dos pontos altos da dramaturgia e todos conhecemos as “três pancadinhas de Moliére” que servem até hoje para avisar à plateia que o espetáculo vai começar.
Assim, os dois amigos e colegas de profissão fizeram uma espécie de “mini-grupo motard” com o objetivo de fazer passeios juntos, conhecer novas terras e pessoas, cada um em sua moto. Vítor Norte, na Yamaha Virago 535 (conhecida carinhosamente por Gina), e João com a sua Honda Deauville 700, cujo nome é um tributo a cidade francesa e estância balnear da Normandia!
Ao longo dos anos talvez não tenha sido possível irem juntos andar de motos tantas vezes como gostariam e de fazer esta ou aquela viagem tão especial, algo que acontece com quase todos nós, seja por questões de agenda, tempo, dinheiro ou qualquer outro motivo.
Ainda assim, fizeram, pelo menos, uma grande aventura: a 13.ª edição do Portugal-de-Lés, a tal que ligou, em 2011, Mogadouro a Castelo de Vide e depois ao Algarve (Lagoa).
Caso alguém queira (re)ver o vídeo da FMP conta tudo:
Reparem na foto que se apresenta de Lagarto ao lado de Ernesto Brochado, ele que é um dos grandes mentores e idealizadores do LaL e aqui tinha mesmo ares ainda de miúdo. Uma prova viva de que o tempo passa mesmo por todos nós.
Não sabemos se Lagarto vai continuar a andar de moto ou não, mas esperamos que tenha transmitido essa paixão ao filho Afonso Lagarto que herdou os genes do pai na representação e, já agora, que a partilhe também com o neto Noa, apesar deste ter apenas dois anos.
Quanto ao seu trabalho no teatro e na tv, cabe-lhe a ele decidir mais quanto tempo pretende continuar, embora tenha assumido há algum tempo numa entrevista à revista Sábado, sem filtros:
– Envelhecer chateia-me. Estou todo f*dido!
Para a semana temos nova crónica e voltamos novamente a alguém que liga as motos com o mundo do espetáculo e da representação, sendo também muito popular. Quem será?
Fonte da imagem de destaque: Facebook de João Lagarto e fotografia de Sónia Godinho.