Nota Introdutória:
Como previsto, ainda não vamos subir de cilindrada. Ficará para a próxima semana. Nesta crónica ainda nos vamos manter fiéis às 350, mas agora vamos para Hamatsu e apresentar aquela que era, à data, a principal adversária da XT 350 e herdeira de uma linhagem com uma história muito rica, mas já lá vamos.
Ainda um especial agradecimento pelos likes, comentários e partilhas que fizeram sobre a XT 350 e que mostram bem o carinho que ainda merece. É também o vosso entusiasmo e interesse que garante a continuidade deste projeto de divulgação, que se vai prolongar no tempo…
Voltando à eleita da semana, o acrónimo DR, que há quem defenda que corresponda a Dual Ride, outros que é antes Dirt Ride. Aliás, há até a hipótese Dakar Rally, pouco provável, já que a família DR nasceu ainda antes da primeira edição do Dakar. Logo, esta possibilidade é mesmo para descartar, mas é bonito saber que a DR evoca facilmente a mítica prova que, curiosamente, nunca chegou a vencer e deve ser um “espinho” na garganta da marca…
Tudo começou na segunda metade da década de 70, com a necessidade de dar resposta em particular à Yamaha que tinha lançado pouco antes a sua dual XT 500, de que vamos falar em breve. A Suzuki não podia perder o seu quinhão deste “segmento” que estava em franco desenvolvimento e garantia lucros e a promoção da imagem face à concorrência.
Assim, em 1978, lançou a sua DR em versão 370SP e 370S. Esta última era uma simpática dual, homologada para circular na via pública, apostando no motor a 4 tempos, mas sem grande capacidade de resposta face à mais poderosa XT 500. Como o sucesso não foi o previsto, a marca manteve este modelo no mercado apenas durante 2 anos e em 1980 lançou a DR 400S, já bastante mais evoluída, nomeadamente em termos de ciclística e do próprio motor.
A DR 400S foi, muito anos mais tarde, “relançada” na hoje muito comum e ainda apreciada enduro/trail DRZ 400, mas essa moto já ultrapassa o âmbito desta crónica pelo que nada mais diremos sobre ela, mas é também um trail/enduro muito querida na atualidade, apesar de algumas queixas recorrentes, nomeadamente ao nível do peso…
Vamo-nos agora focar na DR 500. Lançada em 1981 era já uma adversária perfeitamente à altura da XT 500 e se o peso estava longe das 2 tempos mais “crossistas”, nomeadamente das suas RM ou das populares Honda Elsinore (mais tarde CR), o facto é que tinha outras virtudes, nomeadamente para quem queria uma moto verdadeiramente dual.
Aproveitando a “febre” do mercado por estas motos, a Suzuki lançou também uma DR 125. Quanto à a sua DR 500, chegou já tarde para o que a concorrência oferecia e assim, em 1986, lança uma DR 600, completamente diferente das anteriores e esta mais “preparada” para as provas mais duras, incluindo o rali Dakar e capaz de fazer frente à Tenere 600 da Yamaha que estava a revolucionar o mercado.
A DR 600/650, também conhecida por Djebel (nome de uma cadeia montanhosa no Sul da Tunísia) ainda hoje se encontra com relativa facilidade no nosso país e era um verdadeiro colosso! Basta pensar que tinha o selim a uns exagerados 925 mm do chão e um enorme depósito capaz de albergar mais de 20 litros de gasolina! Ao menos a partir de 1991 começou a existir com motor de arranque!
Ainda não satisfeita com o resultado e ao ver como a concorrência subia novamente a fasquia (Yamaha e Honda lançam as suas bicilíndricas Africa Twin e XTZ SuperTenere e Cagiva vai pelo mesmo caminho com a Elefant) a Suzuki decide enveredar por uma direção diferente e lança, em 1987, a sua popular DR 750 Big! O nome diz tudo e ainda falaremos mais sobre ela nesta crónica.
Ainda sobre a DR, inicialmente estava para escrever que em todos os seus motores apenas existiam motorizações com ciclo a quatro tempos e iria cometer uma falha grave! Estava-me a esquecer da DR 50! Muito popular na vizinha Espanha, mas rara em Portugal, era uma verdadeira DR Big em miniatura, sendo ali produzida. Do que li não posso tecer grandes comentários, mas fica uma foto para a posterioridade.
Agora vamos, finalmente, focar-nos diretamente na moto homenageada neste número, a muito popular e ainda hoje apreciada Suzuki DR 350.
N.º 16: Suzuki DR 350
No número anterior dedicámo-nos à XT 350 e agora vamos à sua principal adversária, sendo que a DR 350 chegou mais tarde ao mercado (1990) e abandonou a produção antes do início do milénio (1999). Ou seja, 10 anos de comercialização, face aos 16 da sua rival, embora possam existir exemplares matriculados mais tarde.
Esse facto ajuda um pouco a perceber a menor popularidade da mesma, a que acresce o grande dinamismo da Yamaha em Portugal nessa altura (já como Yamaha Motor de Portugal) face à Suzuki, importada pela Veículos Casal. Além disso, o preço não ajudava. Por exemplo, em 1994 a XT custava 796 contos e a DR perto de 1000 contos! Além disso, a DR 350 tinha um diferencial de menos 100 contos face à DR 650!
Ao longo da sua vida a DR 350 foi sofrendo atualizações e ainda bem! Quando chegou ao mercado em 1990 era a irmã mais velha da DR 250 (quase desconhecida no nosso país) e rapidamente conquistou adeptos, sobretudo porque tinha várias virtudes face à concorrência, em especial a XT 350 ou as mais raras Honda XL 350 ou Aprilia ETX 350.
Vinha equipada com um motor monocilíndrico de 348 cc, com refrigeração mista ar e óleo (sistema SACS), uma excelente caixa de 6 velocidades e já trazia travão traseiro de disco e não de tambor, que era uma importante mais-valia. Além disso tinha suspensões com um curso longo, capazes de funcionar muito bem fora do asfalto, sendo que foi a primeira moto de enduro de muita gente!
A da frente podia ainda ser facilmente melhorada, mas aquela com que lidei de perto algum tempo tinha uma suspensão invertida de uma “parente afastada” Suzuki RM e as melhoras eram notórias, sendo apenas “trocar e andar”!
Nessa fase ainda só tinha o arranque por pedal (DR 350 e 350S) sendo que o elétrico chegou mais tarde em 1994 (DR 350 SE) e foi um avanço tremendo para o modelo, seja para quem fazia um uso mais asfáltico, seja para quem queria andar na terra e sabia que podia confiar num sistema de arranque mais fácil de acionar e ainda assim robusto e sem comprometer a performance da moto.
Por outro lado, a diferença de preço não era muito significativa: cerca de 60 contos, sendo que a versão com arranque elétrico, numa fase inicial, mantinha o arranque por pedal, uma espécie sistema de redundância, útil por exemplo para uma falha na bateria.
A que vos apresentamos nesta crónica (obrigado Cláudia pela amabilidade, simpatia e confiança) é um exemplar num estado ainda muito aceitável (está a precisar de alguns mimos), matriculada no ano de 1998, e tem apenas arranque elétrico.
A cor branca combina bem com o roxo e amarelo e os autocolantes “Dual Sport” acabam por fazer todo o sentido nesta moto que, dentro das suas limitações, acaba por cumprir na estrada e fora dela, embora aqui esteja com pneus mais vocacionados para o asfalto, por opção da sua proprietária, mas as jantes de 18 e 21 polegadas dão para os pneus que se desejar.
Há por ali umas marcas de ferrugem, um ligeiro empeno no depósito (parece que um pinheiro veio fazer uma visita ao meio de um estradão), uma manete de travão a pedir para ser trocada, mas há dois pormenores que saltam à vista: a ponteira de escape Pulsar que lhe dá um cantar engraçado sem ser muito ruidoso e o conta km’s que marca apenas 16.000 km e que são reais, pois a dona tem a moto há uns bons 20 anos!
Ou seja, esta DR tem tido uma boa vida e uma utilização algo esporádica, embora haja por ali um ligeiro “cantar” do motor, perfeitamente audível mesmo com a rotação relativamente baixa. Numa lógica de “treinador de bancada” o meu palpite vai ou para árvore de cames (OHC) e para a hipotética necessidade de verificar a afinação das 4 válvulas.
Ainda sobre as cames, têm fama de ser o ponto mais fraco do motor, sobretudo numa utilização mais intensiva ou fora de estrada. Porém, nem tudo é mau (obrigado pela informação Humberto): havia possibilidade de trocar por umas da concorrência com um cruzamento mais agressivo e o resultado era óbvio: melhor performance do motor e por um preço relativamente baixo! Já agora, como é habitual, atenção ao nível de óleo e à falta de uma luz avisadora.
Para quem procura mesmo um ganho significativo, por exemplo para um enduro mais sério, ou para umas brincadeiras supermotard, o melhor mesmo é tentar uma solução como a da Wiseco com um pistão de 80 mm e depois fazer os restantes “ajustes”, nomeadamente ao nível da carburação. Ao que consta há ainda aumentos mais brutais (na casa de um aumento para 440 cc), mas o risco para o resto da mecânica pode tornar a alteração desaconselhável.
Os consumos são baixos, sobretudo se não abusarmos da rotação, mas não adianta grande coisa tentar ir além das 8000 rpm, o motor começa a ir já em esforço e a irritante vibração começa a ser demasiada! É uma motinha simpática, com um motor solícito e disponível desde baixas rotações e em que os cerca de 30 CV aparecem bem distribuídos ao longo da rotação.
Se a Cláudia tiver alguns cuidados com esta DR e fizer uma revisão mais profunda, não me admira que possa ter moto para os próximos 20 anos, embora a escassez de algumas peças mais específicas seja cada vez mais um problema incontornável, até porque as DR 350 que aparecem à venda, na sua maioria, estão já bastante alteradas.
Aproveito ainda para lançar um desafio: esta foto da DR 350 foi tirada junto a um mural feito em homenagem aos peregrinos que seguiam para Santiago de Compostela. Onde fica? A terra tem nome de Santo e é em plena Nacional 2 e no traçado original, nada de Variantes ou Vias Rápidas. Em 2021 o Lés-a-Lés passou por lá e próximo tem outra localidade com o nome do Apóstolo. Está lançado o repto. Só acrescento que a região tem paisagens lindíssimas e curvas deliciosas e uma praia fluvial próxima, ótima para estes dias de calor.
A DR BIG
Tinha que aproveitar esta crónica para um destaque à DR Big. A ideia, meio louca, foi construir o maior monocilíndrico de que tenho conhecimento numa moto e o resultado foi, em termos de vendas, talvez não o desejado, mas a moto tornou-se quase lendária e a produção terminou em definitivo apenas no virar do milénio, sendo que o seu número de apreciadores na atualidade é enorme!
Apresentada em 1987 a DR 750 S tinha de cilindrada 739 cc, uma só árvore de cames, 4 válvulas e refrigeração a ar e óleo, tecnologia que a marca conhecia e dominava muito bem. Debitava uns interessantes 50 cv por volta das 6600 rpm, mas mais interessante era o fantástico binário de quase 60 Nm, obtidos às 5500 rpm. Ganhou até a alcunha de “Expresso do Deserto” e o seu caraterístico “bico de pato” acima do guarda-lamas dianteiro tornou-se uma imagem de marca.
Era realmente uma moto grande: alta, centro de gravidade lá em cima e até relativamente pesada (não menos de 200 kg), sendo que para a explorar não estava ao alcance de muitos, sobretudo os mais baixos, exceção feita talvez ao belga Gaston Rahier, que nos deixou precocemente em 2005. Com apenas 1,57 m ganhou o Dakar em 1984 e 1985 com a BMW R100GS e tentou depois repetir o feito com a DR Big, mas tal nunca aconteceu!
O vídeo é um puro documento histórico, muito bem feito e com muita riqueza de detalhes e que deve ser visto com calma até porque Rahier correu com várias marcas, mas há um momento obrigatório sobre o saudoso campeão Fernando Neves, uma das estrelas maiores do motocross nacional. A foto foi tirada em Águeda, no ano de 1981 e é aos 2,29 minutos do extenso vídeo.
Voltando à DR Big, Rahier conseguiu a vitória no Rally dos Faraós no ano de 1988 e acabou por ser o momento de maior glória de uma moto que ainda hoje dificilmente deixa alguém que goste de motos clássicas indiferente! Eu próprio assumo que gostava de ser dono de uma, sobretudo se tivesse mais 10 cm de altura e uma melhor forma física!
A marca ainda chegou a lançar uma versão mais radical em 1990 e já com dois carburadores: a DR Big 800 com um motor de 799 cc, mas o destino estava traçado! O mercado pedia motos com mais de um cilindro e mesmo na família DR a maior notoriedade foi sempre para as cilindradas mais intermédias, algo como entre a 350 e ainda hoje muito apreciada DR 650, mas o facto é que a lenda que ficou foi a Big e o seu caraterístico “bico de pato” é hoje adotado até por outras marcas, nomeadamente a marca da hélice.
Ainda sobre a DR Big, recordo-me de ter visto um motor a ser reparado e fiquei boquiaberto com o cilindro: era mesmo gigante! Quase que dava para enfiar a cabeça lá dentro, mas a maior surpresa foi quando me mostraram o pistão que equipava o modelo!
Não era grande! Era realmente uma enormidade, mais parecia um pistão de um camião! Para se ter um termo de comparação, um automóvel para ter 4 cilindros da mesma cilindrada teria de ter cerca de 3200 cc! Tinha uma relação curso/diâmetro 105.0 x 90.0 mm!!!
Mesmo na atualidade, que me recorde, a moto de maior cilindrada com um único cilindro é a usada pela família KTM (onde se inclui a Husqvarna e a GasGas) com 690 cc, ou seja, mais de 100 cc abaixo do que a Suzuki chegou a usar no século passado!
É um facto que a Triumph Rocket 3 tem uma relação de 101.6 mm × 94.3 mm, mas é um tricilíndrico, o que perfaz cerca de 2500 cc e um binário verdadeiramente avassalador de mais de 200 nm, mas são realidades completamente distintas!
Como vai sendo habitual, as principais fontes de informação são em outras línguas, tirando as eventuais revistas especializadas portuguesas que ainda possam existir:
SuzukiDR350: Fórum italiano sobre o modelo. Informação abundante;
TopSpeed: Muita informação sobre toda a família DR, com destaque para a Big;
ADVRider: Fórum com um tópico sobre o modelo com mais de 3300 páginas;
Louis.eu: Ponto de partida para conseguir muitas das peças necessárias;
Motorcyclenews: Análise muito detalhada ao modelo, incluindo testemunhos de donos;
Forosuzukimotos: fórum dos nossos vizinhos. Muita informação sobre a família DR.
Para o próximo número vamos subir de cilindrada. Chegamos, em definitivo, às médias cilindradas, as 500 cc. A primeira escolhida é uma das minhas motos favoritas! Não é a moto do século (passado, entenda-se), pois esse título pertence à sua mana maior, mas esta é a minha predileta e vão depois perceber porquê. Até sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira