Crónica: O Veterano
Aparentemente tenho uma espécie de bússola que me leva ao encontro de personagens extraordinárias. Dizem que as energias se compatibilizam quando os espectros são semelhantes, o que se traduz no mundo das duas rodas como qualquer coisa do género: “Este gajo é ainda mais maluco que eu”. Gosto disso!
POR: Pedro alpiarça
Nos mais recônditos corredores do mundo jornalístico nacional soavam rumores de que o pai de um deles era um pilotaço. Dito assim mesmo, pilotaço. Neste meio pequeno onde todos se conhecem, ganham protagonismo aqueles que passaram a barreira de loucos para génios na arte de dominar uma moto, e este artista tinha créditos firmados em várias áreas. Não só num passado distante dedicado ao Motocross, onde ainda hoje em dia encontro outros empedernidos heróis que correram com ele, como numa mais recente incursão no mundo dos circuitos, onde quis descobrir todo um mundo novo a convite do filho.
Obviamente que mais cedo ou mais tarde iria chegar o dia em que nos iríamos cruzar, e a expectativa por mim criada crescia todas vezes que ouvia o primogénito tecer-lhe rasgados elogios. E geralmente ouvia essas notas de sinfonia bajuladora nas alturas em que eu próprio abria as asas com vontade de ser águia, como se o petiz me quisesse avisar que existia ainda um condor por cima de nós. A expressão da maçã que nunca cai longe da árvore faz todo o sentido, e se o descendente já me causava calafrios no espelho (ou a seguir-lhe a roda), mal podia imaginar o quão alto voava o progenitor.
Chegado o dia e após o cerimonioso cumprimento, facilmente lhe reconhecia o sorriso fácil e a comedida forma de estar, a genética já nos tinha apresentado. Foi depois de uma sequência de asfalto rápido que me abordou com uma questão perturbadora:
“Aquilo que estavas a fazer, todo pendurado e cheio de esforço, eras tu a dar tudo?”

Atónito (sabendo que me seguia de perto), tive de esperar pelo esgar trocista para perceber o engodo. A partir daí aceitei o meu destino como criança neste carrossel a que chamamos vida e que tem um velho cigano chamado experiência a cobrar bilhetes. A partir daí, limitei-me a tentar perceber como é que se chega às seis dezenas de anos com a mesma paixão pela máquina que nos faz feliz. A vontade de querer deixar esse legado aos meus juniores inspira-se na relação que observo naqueles dois. Baseada em escárnio e desafio, polvilhada com respeito e admiração.
Nem vos vou falar da segunda vez que nos cruzámos, desta vez no fora de estrada…



