Nota Introdutória:
Como indicado na semana passada, vamos ficar-nos pelo Japão durante mais algum tempo e nas motos de meio litro. A semana passada a eleita foi a KLE 500 e desta vez vamos dedicar-nos a uma espécie de “patinho feio das 500”, apesar das suas muitas qualidades que fizeram dela a primeira moto “grande” de muita gente, além de utilizada por muitas escolas de condução, dada a sua robustez e simplicidade e também muito (ab)usada por estafetas.
Em pleno século XXI é bastante banal de se encontrar um pouco por todo o país. Os preços baixos de aquisição de um exemplar, facilmente mais em conta que muitas 50 cc, fazem com que seja bastante interessante para quem procura uma moto que seja fácil de conduzir, económica, na aquisição e manutenção e que não seja propensa a dar demasiadas chatices, desde que seja minimamente cuidada.
Aproveito para contar mais uma história deste modelo na primeira pessoa. Nunca tive nenhuma, mas tinha um colega que era detentor de uma. Vinha de uma 50 cc e convencera os pais a dar o salto para uma flamejante Suzuki GS 500 vermelha! Depois de muita insistência lá acederam, mas não correu muito bem…
Um dia caí na asneira de ir “à pendura” com ele e tivemos um percalço: ele vinha bastante depressa e num cruzamento estava um veículo à nossa frente e não conseguiu parar a tempo! Acabámos por ir embater na traseira da carrinha, ainda que já a baixa velocidade e sem grandes consequências, tirando alguns arranhões, a jante empenada e o guarda-lamas da carrinha em mau estado!
O que ocorreu, fruto essencialmente de excesso de confiança nas suas capacidades de condução e dos travões apenas suficientes (um dos pontos fracos da moto), não o demoveu de andar de moto no futuro, nem a mim, mas recordo que os pais nunca mais lhe financiaram a compra de uma moto! Mesmo hoje, quando nos encontramos, ainda nos rimos disso! Percalços da vida de um motard…
Os motores com uma arquitetura de mais que um cilindro paralelo na Suzuki, com refrigeração a ar, já vinha da década de 70 e mesmo na década de 80 continuavam a ser bastante populares. Construção simples, leves e com uma performance que, sem ser de exceção, não comprometia os seus donos e dava a possibilidade a qualquer um, mesmo sem grandes conhecimentos de mecânica, poder fazer a manutenção com relativa facilidade.
Aliás, esta moto parece que “convida” mesmo a sermos nós a cuidar da sua manutenção pois está praticamente tudo “à mão de semear”! Quer mudar as velas? Muito simples! Óleo e filtro? Brincadeira de crianças? Filtro de ar? Nada complicado! Tubagens, radiador e respetiva ventoinha? O que é isso?
A única parte que pode ser algo mais trabalhosa é mesmo a verificação da folga das válvulas (2 por cilindro) e dupla árvore de cames. Aqui pode já dar mais trabalho e o sistema é através de pastilhas pelo que pode ser preferível deixar a alguém mais expert que o faça (e com ferramenta adequada), mas não é um procedimento realmente complicado. A parte “chata” é que a marca o recomenda a cada 6.000 km’s! Pode ser exagerado, mas depende muito também da condução de cada um!
Já agora, na mesma altura, é fundamental também fazer a verificação/sincronização dos carburadores, os conhecidos Slingshot que a marca fazia questão de destacar em alguns anos, através de uns autocolantes nas laterais, próximo dos piscas traseiros. Uma incorreta afinação dos mesmos é a garantia de um mau funcionamento do motor e algo relativamente comum!
N.º 19: Suzuki GS 500
Iniciou a sua comercialização ainda na década de 80, mais concretamente em 1989, recuperando o “espírito” da GS 500 da 1980, embora esta fosse tetracilíndrica. A GS chegou ao mercado sem demasiadas ambições, sendo uma verdadeira utilitária (commuter), mas acabou por se tornar num best-seller, de tal modo que a sua comercialização se prolongou por este milénio, com pouquíssimas alterações desde o início, dando razão à máxima: se a fórmula é vencedora… não vale a pena mexer muito!
O exemplar que aqui se apresenta (muito obrigado Pedro, pela disponibilidade e simpatia) corresponde a uma das decorações de 1994 e 95: o púrpura metalizado claro (1TU), sendo uma cor relativamente pouco comum, sobretudo se comparada com os diferentes padrões que existiram de vermelho, azul, preto ou mesmo amarelo.
De qualquer modo, o que mais chama a atenção neste exemplar é o ótimo estado geral! Um verdadeiro regalo para os sentidos, apesar dos autocolantes que lhe puseram de gosto questionável. Mais incrível ainda quando sabemos que esta GS era feita para ser “baratinha” e a qualidade dos materiais, caso da pintura ou acabamentos, não era propriamente excecional, nem perto disso, sendo que não é uma moto que envelheça particularmente bem em termos estéticos!
Este exemplar tem várias coisas a seu favor, mais ainda porque nunca foi alvo de qualquer restauro: ter sido sempre do mesmo dono, de há alguns anos a esta parte ter estado parada e marcar apenas uns incríveis 15.400 km’s reais, ou seja, foi percorrendo uns 500 ou 600 km’s por ano! Mesmo a amolgadela no depósito não é grave…
Por incrível que pareça (e bastante perigoso também, convenhamos) a moto ainda tem pelo menos o pneu dianteiro de origem! Para vos ser sincero, eu teria medo sequer de andar com uns pneus com esta idade, por melhores que possam parecer externamente! É um risco demasiado grande e o asfalto combina muito mal com a pele! Devem estar mais que ressequidos e a própria carcaça não deve inspirar confiança!
Aliás, aproveito para recomendar que, ao comprar uma moto usada, vejam sempre a data de fabrico dos pneus. Podem ser de uma marca de confiança, mas se no círculo que indicar a semana de fabrico e o ano estiver algo bastante antigo, tipo uma dezena de anos ou mais, não arrisquem! Ou não compram ou fazem a aquisição e vão efetuar a troca a seguir! É pela vossa segurança e a dos outros!
Sobre a GS 500, é uma moto que representa a simplicidade em pessoa e tem apenas o essencial: selim, motor, rodas, comandos e pouco mais! Nada de floreados! Faz lembrar uma moto de que vamos falar em breve. A única exceção, muito útil, costumava ser que vinha com descanso central e não apenas o habitual lateral. Uma mordomia que muito se agradece e se lamenta tanta moto não ter logo de série.
A posição de condução não é muito exigente (para os mais altos a moto facilmente se torna “pequena”) e os “avanços” ficam à mão de semear (mais tarde adotou um guiador convencional). O motor responde muito bem logo a partir das 5.000 rpm, mas lida mesmo bem é com os altos regimes, indo até às 10.000 rpm sem queixumes! De acordo com a indicação da marca, o valor máximo de binário é de cerca de 42 nm às 7.500 rpm e os cerca de 50 cv surgem por volta das 9.200 rpm! Veja-se este gráfico para se ter uma ideia mais clara das curvas da potência e binário.
A precisa caixa de 6 velocidades permite explorar devidamente o motor e é usada inúmeras vezes para que as rotações não caiam demasiado. Porém, há algo que não acompanha bem o resto do conjunto, são os travões que têm alguma dificuldade em parar todo o conjunto (cerca de 185 kg em ordem de marcha) e as suspensões, com destaque para a dianteira (regulável, em alguns anos), também não facilitam e exigem alguma atenção, sobretudo quando se adota um estilo de condução mais vivo e empenhado.
Os próprios pneus, montadas numas bonitas jantes brancas de 3 braços, facilmente se tornam escassos. À frente tem 110/70-17 e atrás 130/70-R17, sendo que o pneu traseiro é mesmo algo limitador de algumas aventuras mais radicais, que o motor permite. Aliás, adotando uma posição de condução que ofereça menos resistência ao vento (convém lembrar que estamos perante uma naked) é possível, obviamente em circuito, ver o ponteiro marcar uns otimistas 200 km/h!
De facto, a inexistência de proteção aerodinâmica (os manómetros e o grande farol ajudam, mas só um bocadinho) levava a que muita gente optasse por adquirir um qualquer sistema que tornasse a convivência com viagens maiores mais confortável, nem que fosse apenas uma pequena “bolha”.
A própria marca chegou a disponibilizar um kit específico para o efeito e até chegou a existir no mercado um conjunto de carenagens completo que lhe dava “ares” de moto grande, em especial nas versões mais recentes, sendo que a GS, com algumas alterações (no depósito, na posição de condução, nas restrições por causa das emissões) foi sendo produzida até 2010! Ou seja, mais de 20 anos de produção, ainda que nem sempre disponível em todos os mercados.
Outra das suas muitas virtudes tem a ver com o combustível. Por um lado, tinha um depósito com cerca de 17 litros de capacidade (nada mau e que, mais tarde, evoluiu para 20), por outro, com uma condução mais descontraída era fácil conseguir consumos a rondar os 5 litros ou até menos, o que lhe garante uma autonomia superior a 300 km, mas se abusarem do acelerador… já sabem o resto da história!
Na sua extensa vida há uma crítica que sempre lhe foi feita e nunca chegou a ser corrigida: tem 4 luzes avisadoras (pressão do óleo, neutral, mudança de direção e “máximos”), taquímetro (zona vermelha às 11.000rpm), conta km’s com um contador parcial, mas nunca veio com qualquer indicação relativa ao combustível. Nem mesmo uma mísera luz que se podia acender antes da reserva! É mesmo sentir o motor “desfalecer” e girar a torneirinha para a posição da reserva…
Para o passageiro, sem ser verdadeiramente desconfortável ou penalizadora, também não é das melhores escolhas: o banco, que podia ter um pouco mais de esponja e comprimento, é estreito e as pernas vão numa posição muito elevada por causa da colocação dos poisa-pés, sendo que a pega para as mãos está bem colocada e é larga o suficiente.
Na atualidade, sobretudo em mercados menos exigentes, continua a ser bastante apreciada e utilizada para tudo, incluindo para viajar! Dada a sua popularidade e a confiança que ainda hoje inspira, existe muita oferta de material para a tornar mais adequada para moto turismo, desde proteções, sistemas de bagagem ou forma de lhe melhorar a iluminação, que não é má de todo, com um farol gigante à frente, mas que em termos estéticos não é do agrado de todos!!
Concorrentes da GS 500
Vamos considerar que estamos em 1994. A GS 500, com 5 anos de mercado, continua a ter muito boa aceitação em Portugal e o preço de tabela de cerca de 865 contos dá uma boa ajuda, sendo francamente aliciante para uma moto que não deixa ninguém ficar mal, desde que se tenha a consciência das suas limitações.
Só para se ter uma noção mais enquadradora, nomeadamente para as gerações mais jovens, o salário mínimo nacional, à data, era de cerca de 50 contos, ou seja, uns 250€.
Porém, a concorrência está alerta e sabe que este segmento de motos “utilitárias” é importante e não pode ser menosprezado, além de que muito motociclistas têm nesta cilindrada a última etapa antes das motos grandes, sejam ou não desportivas.
A Yamaha tinha, à altura, uma adversária temível: a XJ 600, popularmente conhecida por Diversion. Com uma semi-carenagem que lhe dava mais conforto (também existiu uma versão naked) e um tetracilíndrico muito agradável, também refrigerado a ar, era um pouco mais potente (cerca de 61 cv), mas também mais pesada (quase 200 kg em ordem de marcha) e um preço mais elevado, cerca de 997 contos.
A Kawasaki tinha a sua família com o motor bicilíndrico 500, de refrigeração líquida, de que falámos a semana passada, mas só mais tarde, em 1996, lançou uma réplica verdadeira com a ER 500 e nunca chegou a fazer grande mossa nas vendas à GS 500.
Aquela que foi, provavelmente, a mais séria adversária da GS 500 chegou ao mercado em 94. A Honda CB 500! Equipada com um excelente bicilíndrico paralelo, com refrigeração líquida, capaz de debitar uns interessantes 58 cv às 9500 rpm. Pesava quase o mesmo e só o preço não ajudava, custando 949 contos, ou seja, mais 80 contos, o que era algum dinheiro, a caminhar para mais quase 2 salários mínimos.
A Honda, ao contrário da Suzuki, foi sabendo ouvir os clientes e evoluiu bastante o modelo, com o passar dos anos. Na primeira versão vinha com dois amortecedores traseiros e disco de tambor. Ambos os sistemas foram depois abandonados, passando para um monoamortecedor e um disco de travão atrás e a moto foi ficando cada vez melhor, ao contrário da GS 500 que foi ficando parada no tempo e continuou a apostar no preço mais baixo como principal argumento de venda.
Já antes de 1994, a Honda tinha outra adversária temível da GS 500, que era a sua NTV 650, com um bicilíndrico em V, com refrigeração líquida, transmissão por veio e uma cilindrada um pouco superior. Tinha alguns handicaps importantes: peso (mais quase 20 kg que a GS), Imposto de Selo mais caro e o preço de aquisição superior. Em 1993 custava mais cerca de 70 contos. Além disso, a estética estava longe ser consensual.
Com a chegada da CB 500 a NTV 650 quase “desapareceu” do mercado e mudou a sua filosofia, sendo que em 1998 foi “reencarnada” na NT 650V ou Deauville (região luxuosa da Normandia), agora com aspirações turísticas e completamente fora do âmbito de concorrente da GS 500.
Como vai sendo habitual, as principais fontes de informação são em outras línguas, tirando as eventuais revistas especializadas portuguesas, caso do número 26 da Revista Motociclismo, de junho de 1993, que a compara com a Diversion e NTV 650. A verdade é que a Suzuki GS 500 é uma moto marcante e que continua a ser usada por muita gente, ainda que sem grande destaque e é pena porque a sua simplicidade é também o seu maior trunfo.
SuzukiCycles: historial de todas as GS 500;
EspirituRacer: site espanhol com análise detalhada ao modelo;
GSTwin: excelente fórum, com imensa informação, obrigatório;
AMCN.com: site australiano com a história de toda a família GS da Suzuki;
ClubGS500: fórum espanhol, com muita informação sobre o modelo;
Motonline.com.br: site brasileiro com informação também sobre a GS 500.
Para o próximo número vamos terminar com esta cilindrada, mas ainda estaremos onde o sol nasce primeiro. A eleita chegou ao mercado ainda na década de 70 e foi uma verdadeira revolução à escala planetária! O nome Paris-Dakar diz-vos alguma coisa? Presumo que sim! Até sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira