Depois de, na semana passada, termos apresentado Mad Max, é chegada a altura de voltarmos novamente a este século. O filme desta semana, o primeiro do mês de agosto, é verdadeiramente especial e, ainda por cima, é baseado nos diários de viagem de um dos nomes incontornáveis do século XX: Che Guevara. Mais que um filme, atrevo-me a escrever que pode ser uma viagem ao interior de cada um de nós.
Este filme, que por cá ficou conhecido por “Diários de Che Guevara”, chegou aos cinemas em 2004 e a verdade é que nunca chegou a ser um êxito retumbante de bilheteira, nem ganhou qualquer óscar da academia de Hollywood, embora tenha ganho dois BAFTA, um Goya e tenha feito parte das escolhas do Festival de Cinema de Cannes.
Diários de Che Guevara
O filme, soberbamente dirigido pelo realizador brasileiro Walter Salles, transporta-nos para o ano de 1952 e Ernesto Guevara (interpretado por Gael García Bernal) tem 23 anos e está quase a terminar o curso de Medicina, na Argentina, mais precisamente em Buenos Aires.
Juntamente com o seu amigo mais velho e colega Alberto Granado (papel de Rodrigo de la Serna) decidem fazer uma aventura louca que é um sonho comum: explorar a América Latina e logo de moto! A experiência de uma vida, algo com que também muitos de nós sonhamos, embora hoje seja menos complicado, pela tecnologia, pela fiabilidade das motos, mas o espírito é o mesmo!
Já nem digo fazer a Rota Panamerica, do Alaska à Terra do Fogo, mas uma viagem pela América Latina, na sequência destes 2 grandes aventureiros, é um sonho de muitos de nós e eu admito que sou um deles!
A eleita de viagem dos amigos é uma temperamental Norton 500, a mota de Alberto a que chamam “La Poderosa”. Já se imagina um pouco do que vem a seguir! A moto era e é icónica, mas a sua fiabilidade deixava algo a desejar, mais ainda numa viagem desta natureza em tudo é posta à prova, as falhas mecânicas são inevitáveis e a fiabilidade japonesa ainda vem longe.
Arrancam em Buenos Aires e vão até à Venezuela, passam pela Cordilheira dos Andes, visitam o Chile as ruínas de Machu Picchu, sendo que o seu objetivo último é chegar a Caracas, seja para o trigésimo aniversário de Alberto, seja para ajudar numa clínica de leprosos…
Toda a viagem é cheia de imprevistos, incluindo avarias da “Poderosa”, com o seu monocilíndrico, capaz de gerar pouco mais de 20 cv, sendo obrigados a viajar a pé, a cavalo, à boleia de camião e até de jangada (Mambo-Tango) pelo Rio Amazonas!
Mais do que a viagem em si, é a desgraça humana que mais os aflige, seja a vida dos miseráveis mineiros ou qualquer outro grupo de desfavorecidos, caso dos doentes, nomeadamente os leprosos que pretendem ajudar e, de alguma forma, nasce neles uma grande vontade de renovar um mundo pleno de injustiças e desigualdades. Deixa que o mundo te mude e depois poderás tu mudar o mundo!
Alberto opta por ficar na Venezuela e Che, na sua sede de conhecer o mundo, vai até aos Estados Unidos e regressa mais tarde para terminar o seu Curso de Medicina. Agora um homem diferente, sendo que são os seus ideais revolucionários, reforçados após conhecer Fidel Castro, que agora o guiam no combate às desigualdades, mesmo que para isso recorra a meios mais ou menos questionáveis.
Sem a vetusta Norton 500 Norton, Model 18 de 1939, que também chegou a existir em versão side-car, é bem provável que a aventura dos dois amigos nunca se tivesse realizado e que a América Latina fosse diferente do que é hoje. Nem sequer teríamos t-shirts estampadas com o rosto de Che, com ou sem a mensagem Hasta la victoria siempre. Patria o muerte.
Para a próxima semana teremos novo filme e também deste milénio, mais concretamente do ano a seguir. Também esta película tem por base uma história verdadeira, mas é muito mais um desafio e luta de superação com resultados surpreendentes, em que a idade conta menos do que se pode esperar e o ator principal tem aqui, na minha perspetiva, o seu melhor papel. Até quarta-feira.
Texto: Pedro Pereira