Há motos que já deixaram de ser produzidas e comercializadas, mas que conseguiram ser de tal forma marcantes e significativas que é uma pena já não estarem disponíveis na atualidade.
Há algum tempo apresentámos o caso da Suzuki DR 650 que parou no tempo há décadas, mas continua a ser comercializada em alguns mercados e apreciada pelo mundo inteiro, sobretudo pela sua simplicidade, fiabilidade e fácil manutenção.
Esta adjetivação assenta na perfeição à Honda XR 400, ela que foi uma verdadeira escola para muitos que com ela descobriram os encantos do off-road, numa moto que era, ao mesmo tempo, divertida, fácil e de uma fiabilidade a toda a prova, mesmo sem grandes cuidados.
Para uma utilização mais séria tinha limitações de origem ao nível de motor, suspensões, peso, mas o seu fun factor e a sua capacidade de gerar tração, tipo trator, fizeram dela uma moto única, ainda com o bónus de ser muito confortável (ainda hoje lhe chamam um sofá com duas rodas) e permitir muitas adaptações, como por exemplo a opção supermotard. Ou seja, uma versatilidade acima da média e que, provavelmente, nenhum das suas irmãs chegou a ter.
Veja também a eterna Suzuki DR 650
Um pouco de história
A família XR é um marco de extrema importância para o construtor nipónico. Abrangeu (em alguns casos ainda abrange) cilindradas tão diversas que vão desde as XR50, XR 80 (imortalizada no filme Terminator, por John Connor), XR 120, XR 125, XR 150L, XR 190L, XR 200, XR 250 / XR 250L, XR 350R, XR 400R e XR 400L, XR 500 e 500R, XR 600R e XR 650R e talvez esteja a escapar alguma. Poderíamos ainda considerar a XRV 650 que está na génese das Africa Twin, mas vamos ficar por aqui.
No mercado nacional muitas destas designações não têm aplicação porque nunca chegaram a ser comercializadas por cá, sendo que as mais comuns em Portugal (foram e são): a XR 125, XR 250, XR 400R, XR 600R e XR 650R. Além disso, o próprio motor foi usado, por exemplo, também no quad TRX 400 e na “mal-amada” NX 400 que ainda vamos vendo regularmente a circular, incluindo a utilização pela GNR.
A todas estava subjacente um conceito similar: diversão e dualidade, sempre com fiáveis motorizações a quatro tempos e reais capacidades fora de estrada, mas sem chegar a radicalismos, tornando-se assim motos mais acessíveis para o comum dos mortais, mas muito divertidas e fáceis de conduzir ou até de pilotar, mas nestes casos já com necessidade de alguns upgrades.
Especificidades da Honda XR 400R
Chegou ao mercado mundial em meados da década de 90 e a produção foi-se prolongando até 2008, embora tenha abandonado muitos mercados, incluindo Portugal, bem antes disso, numa altura em que a concorrência era mais focada no “enduro puro e duro” a sua “sucessora espiritual” CRF (R e X) estavam já fortemente implementadas.
Na sua génese está a irmã mais pequena XR 250 que já estava no mercado desde o início da década de 80. Estranho como a marca da águia dourada demorou tantos anos a lançar a versão de 400 cc, quando até já tinha lançado a XR 600R, esta mais radical.
Aliás, aquando do lançamento da XR 400R a Honda aproveitou para “renovar” a XR 250 tornando-as de aspeto muito similares, mas vamos focar-nos na eleita desta viagem no tempo.
A Honda XR 400, dos seus 397 cc, com quatro válvulas, câmara de combustão radial (RFVC) e uma única árvore de cames, obtinha valores de potência e binário que estavam longe de ser referenciais, mesmo à época: cerca de 35 cv às 7.000 rpm e um binário de 33 Nm às 5.500 rpm. Porém, uma moto não se “mede” apenas por esses valores e havia muitas virtudes a destacar, caso da ausência de radiadores. Ou seja, a refrigeração era a ar, sendo ajudada por um pequeno radiador de óleo.
A ausência da refrigeração líquida tem vantagens em termos do peso final, melhor acessibilidade e simplicidade mecânica, menos uma peça importante e frágil em termos de queda para reparar ou substituir, só para dar alguns exemplos. O reverso da medalha é ao nível de potência disponibilizada, nomeadamente em utilização mais severa ou num uso urbano intensivo.
Por outro lado, não tinha motor de arranque, nem chegou a ter, pelo menos nas versões comercializadas no nosso país. Uma vez mais, a ausência desse artefacto representa menos peso, menos peças móveis, uma bateria mais pequena, mas veio a tornar-se um handicap importante, embora a XR 400 seja deliciosamente fácil de colocar a trabalhar, desde que a carburação esteja bem afinada e haja sensibilidade para encontrar o Ponto Morto Superior (PMS).
Já mencionámos o peso várias vezes e não era uma grande virtude sua: 125 kg, com o depósito cheio (cerca de 9 litros), à época do seu lançamento, eram interessantes, mas poucos anos depois a concorrência começou a fazer melhor, veja-se o exemplo da KTM EXC 400 (RFS), já com motor de arranque, refrigeração líquida e um peso marginalmente inferior.
A posição de condução da XR era excelente, sentado ou de pé, o selim de um conforto acima da média, os travões quase incansáveis (disco de 256 mm à frente e 220 mm atrás) e apenas as suspensões, ainda que com muito curso, eram algo moles: dianteira Showa, convencional de 43 mm regulável, curso de 280 mm e a traseira Pro-link Showa também regulável, com curso de 300 mm, mostravam bem as suas aspirações, meio trail, meio enduro.
Os próprios comandos espartanos, apenas o essencial (faltava, por exemplo, um taquímetro), reforçavam isso mesmo, mas era e continua a ser uma moto verdadeiramente encantadora em que a capacidade de colocar a potência no chão (binário máximo muito cedo) continua a espantar-nos, nomeadamente em terrenos mais escorregadios e com pouca tração, a ponto de envergonhar muitas motos bem mais atuais neste cenário.
Porque saiu do mercado a XR 400?
Naturalmente que a resposta a esta questão cabe à marca, mas não é difícil apontar algumas pistas, o que não invalida que, se hoje voltasse ao mercado devidamente atualizada e a um preço competitivo, seria provavelmente um sucesso e iria canibalizar a sua sucessora espiritual Honda CRF 250/300 L, em que o L continua a significar Legal para referir o seu uso mais dual e estradista, mas sem renegar as suas capacidades de viajar por esse mundo fora.
No final do milénio passado estava a assistir-se a um triunfo global dos motores a 4 tempos também no off-road e a gama CR da Honda estava a cair a pique, apesar dos seus muitos atributos. A Yamaha lançava o seu revolucionário motor a quatro tempos na YZ 400 de motocross e depois WR no enduro e o mercado nunca mais foi o mesmo!
A Honda, talvez por opção, não atualizava a XR que ia definhando em termos de vendas. Só que fossem algumas alterações básicas, incluindo o muito desejado motor de arranque e uma caixa de seis velocidades, as coisas poderiam ter sido diferentes. Na mesma altura a Suzuki lançou a sua DRZ 400 com o “botão maravilha” e ainda hoje é bastante apreciada.
A herdeira da CR foi a CRF (em que o f representa Four, ou seja, motor a quatro tempos) e quando chegou ao mercado no início do milénio, primeiro na versão de motocross, foi um estrondo, mas uma fiabilidade algo caprichosa e a necessidade de uma manutenção muito exigente não foram, no início, um bom cartão de visita.
Aliás, parte da culpa era dos seus proprietários. Estavam muito mal-habituados com as suas Honda XR em que uma mudança mais ou menos espaçada do óleo e o filtro de ar limpo eram a certeza de muitas horas de diversão sem sobressaltos. Para os mais exigentes existiam (e existem kits que lhe aumentavam significativamente a performance, sem grandes quebras na fiabilidade), o que diz muito acerca da sua resistência e durabilidade.
No meio disto tudo, a XR 400R acabou por sair discretamente do mercado, sem pompa ou glória, tendo-se perdido uma das últimas verdadeiras dual-purpose, com um forte caráter de aventura, mas descomplicada e pronta para todas as aventuras, incluindo na competição, que o diga o campeão Paulo Marques!
XR 400R: presente e futuro
Na atualidade começa a ser mais complicado encontrar uma XR 400R em bom estado. Numa rápida pesquisa pelos sites nacionais do ramo são cada vez menos as que ainda se encontram num estado aceitável e a um preço simpático, sendo que o estado mecânico, apesar da elevada fiabilidade, acaba por ser sempre uma incógnita e um risco.
Aliás, no caso de se comprar uma, a recomendação é fazer sempre uma boa inspeção mecânica, nomeadamente à compressão, corrente de distribuição, válvulas, embraiagem, bomba de óleo, carburador, embraiagem…
Apesar disso, ainda existem umas quantas no mercado. Não são propriamente um unicórnio e o facto de não terem arranque elétrico faz com que não sejam tão apreciadas por potenciais compradores, incluindo do sexo feminino, tendo até uma utilização menos intensiva.
Não vale a pena escamotear o óbvio: a moto continua a ser tão fácil e divertida como sempre foi, mesmo não tendo as “mordomias” que encontramos na atual CRF 250/300L, caso do arranque elétrico, caixa de seis velocidades ou injeção. Porém, se para muitos de nós dar uma “kikada” usando o peso do corpo é fácil e até divertido, isso não sucede com todos e exige alguma atenção, por exemplo ao nível do calçado que se usa.
É o tipo de moto perfeita para uma utilização mais aventureira, sem complicações ou desafios demasiado exigentes! Muito divertida, dificilmente nos vai deixar ficar mal e vai continuar a garantir-nos muitos sorrisos de orelha a orelha, ou seja, é a moto em estado puro!