João: Olá Laurent, antes de mais, muito obrigado por esta oportunidade. Gostaria de começar por te perguntar qual é a tua ligação com a Sherco?
Laurent: Olá! Eu sou o responsável pelo projeto da moto de rali da Sherco. Neste momento, sou o engenheiro chefe, concebo e construo a moto de rali, e sou também responsável pela logística dos ralis.
João: Pela organização da logística?
Laurent: Sim, e neste rali, como o Jordan (Curvalle), que é o “racing manager” da Sherco, tem de estar no Campeonato do Mundo de Enduro e não pode estar aqui, eu actuo também como “manager” da equipa. Normalmente, é o Jordan, mas para este rali só temos duas motos, porque o Rui (Gonçalves) está lesionado, a recuperar de um acidente no Dakar, e por isso, para duas motas, é suficiente.
João: Eu ia perguntar, começaste com… Era a tua própria equipa? A Crocodile Team, penso eu?
Laurent: Sim. No início, quando começámos a fazer este projeto, eu e a Sherco éramos apenas uma parceria. Um amigo meu, o Nicolas Schex, e eu propusemos ao Marc Tessier, o Diretor Executivo da Sherco, que nos deixasse fazer uma moto de rali para eles. Assim, começámos com esta associação. O Marc aceitou e trabalhámos assim até 2014, com a Croco Adventure.
Éramos os representantes da Sherco nos ralis. Mas, para trabalhar, não tínhamos dinheiro suficiente para estar no topo. Então alugávamos algumas motos e com o dinheiro pagávamos a pilotos profissionais, mas no fim, para estar na frente, não era possível continuar assim. A equipa tinha de ser de fábrica, porque a competitividade era cada vez maior e era demasiado difícil ser apenas uma parceria. Assim, em 2014, o Marc Tessier pediu-me para me juntar à Sherco e para ser o chefe de projeto da moto de rali. Começámos com a fábrica, como uma verdadeira equipa de fábrica, em 2014.
João: Acabei de te ver a fazer um trabalho na suspensão da mota do Lorenzo, a substituir os retentores de óleo. Não és apenas um engenheiro com “papel e caneta”.
Laurent: O problema é que, quando se é uma equipa pequena, há muitos trabalhos. Eu não faço o… Como é que lhe chamam? O desenvolvimento da suspensão. Faço apenas a manutenção. Se estiver a “babar” por exemplo, eu posso fazer isso. Mas não sou um profissional de suspensões, podem ter a certeza disso.
O Marc Hassing, da MAC Suspension que é uma marca muito próxima da fábrica, faz todo o desenvolvimento da suspensão para a equipa de fábrica de ralis há 14 anos. Desenvolvemos muito com ele, é uma marca histórica com a Sherco nos ralis.
Mas quando se é o líder de um projeto, tem de se estar em cima de tudo. É claro que trabalhamos com especialistas para cada coisa, mas temos de ser o maestro desta orquestra.
João: Por isso, é bom saber um pouco de tudo para o poder organizar melhor.
Laurent: Sim, é verdade. Não como um especialista claro, para isso temos os mecânicos, que cuidam da mota todos os dias, e também alguns técnicos especializados para o motor e para a suspensão. Mas para uma corrida pequena como esta, de apenas uma semana, não é assim. Somos apenas uma pequena equipa.
João: Hoje, para este rali, estão cá basicamente três pessoas…
Laurent: Sim, exatamente, mais os pilotos.
João: Mas ainda assim no Dakar, são talvez 10 pessoas?
Laurent: Sim, no Dakar somos 10. Se compararmos com os grandes… 42 pessoas para a KTM, penso que a Honda tem cerca de 40 ou assim. Não temos assim tanta gente, é um grande desafio, mas estamos prontos para isso. Como é que se diz? Não temos medo disto!
João: E isto é como umas pequenas férias? Este rali em Portugal comparado com o Dakar?
Laurent: Dir-vos-ei isso no final da prova. (risos) Porque ainda só estamos no primeiro dia. Para já, está tudo bem, e agora está bom tempo, mas ontem… Ontem, estávamos a pensar que isto não ia resultar. Tinha algum receio de que se parecesse mais com um MXGP cheio de lama do que com um rali. Isto aqui é muito diferente do deserto!
Mas falando da equipa, claro que somos uma equipa pequena mas não nos preocupamos com isso. Acho que temos uma mota que pode estar na frente. Claro que precisamos de muitas coisas. Estar na frente é muito difícil porque são precisos bons pilotos e nós temos bons pilotos. Mas quando se luta com equipas como a KTM ou a Honda, elas têm sete bons pilotos…
João: Então… Eles têm peças sobresselentes para tudo, para as motas e para os pilotos. (risos)
Laurent: Não gosto de falar assim das pessoas, das pessoas de reserva, mas, no fim de contas, é verdade. Como se recordam, no último Dakar, partimos um motor na segunda especial com o Santolino. Era um dos nossos melhores pilotos. E depois disso só tivemos mais um piloto de topo, o Rui.
Temos de nos lembrar que, para nós e para todos, o principal objetivo é, claro, o Dakar, é a principal corrida do ano.
João: Este é o teu trabalho de sonho?
Laurent: Acho que é o meu trabalho de sonho, sim, porque já fiz muitos trabalhos na minha vida e sonhava com isto quando era muito novo. Passei muitos anos, cerca de 20 ou 25 anos, a fazer muitas outras coisas. E agora estou no rali, numa das equipas de topo. Não é um trabalho, é uma paixão!
João: É muito trabalho, mas é para isso que acordas, não é?
Laurent: Sim, é a parte da minha vida, penso eu, de que mais gosto.
João: Disseste que eras engenheiro, um engenheiro mecânico.
Laurent: Sim, engenheiro mecânico, mas quando comecei não era engenheiro. Passei em todos os exames há quatro anos. Porque eu fui assistente de bordo, sabes?
Claro que ando de mota desde pequeno, já fui piloto de motocross, andei de mota a vida toda.
João: Até que ponto chegaste no motocross?
Laurent: Só participei no campeonato francês e mais nada, já foi há muito tempo.
João: E o supercross, já experimentaste?
Laurent: Não, não, era apenas o início do supercross. Sou muito velho, sabes? Tentei fazer um pouco de supercross. Foi mesmo o início, mas não era para mim, é uma loucura.
João: Alguma vez andaste numa destas motas, as motas de rali?
Laurent: Sim, andei, no início, fiz algumas corridas com a mota de rali. Não esta, outra que não vou dizer a marca. (risos)
João: E hoje em dia ainda andas de moto?
Laurent: Não, parei. Parti demasiados ossos, por isso parei.
João: Fizeste tu próprio a corrida do Dakar?
Laurent: O Dakar não, fiz pequenos ralis, a maior parte das vezes em Marrocos. E no início, pilotei a primeira mota Sherco no rali da Tunísia, fui o piloto de testes.
João: E os vossos mecânicos? Há quanto tempo estão na equipa?
Laurent: O Stéphane está connosco há cinco anos. É mecânico há muitos, muitos anos. Foi mecânico de muitos dos melhores pilotos de enduro em França, esteve cerca de 25 anos no nível mais alto do campeonato do mundo de enduro. É uma pessoa muito talentosa e muito boa. Tem muita experiência. É o nosso mecânico-chefe e o mecânico do Santolino.
O Nicolas começou connosco há dois anos. Ele vem da École de la Performance, uma escola muito técnica especializada em competição. Trabalhou um pouco no enduro. Agora tem 23 anos, acho eu. Portanto, é muito jovem e está a melhorar de ano para ano. Trabalha na mota do Noah.
Para o Dakar, temos um mecânico para cada mota. E ainda o técnico da suspensão, o técnico do motor, o fisioterapeuta, o chefe de equipa, o Jordan, o nosso “media man” e eu.
João: Onde é que estão instalados? Em Nímes também?
Laurent: Sim, estamos instalados na fábrica, mas num edifício diferente. É bom porque se precisarmos de mudar alguma coisa, de fazer alguma coisa, está tudo muito perto, é muito fácil trabalhar assim.
Além disso a mota de rali é como um laboratório, sabes? Tudo o que tentamos encontrar ou experimentar para o motor passamos à equipa de I&D. Por isso, é muito importante estar sempre perto da fábrica.
João: E parte disso pode ser aplicado à mota de enduro? Porque são disciplinas muito diferentes, o enduro e o rali…
Laurent: Sim é verdade que são, mas sabes, também temos a 450 e a 500 e a maioria destas motas é utilizada em bajas e coisas do género. Por isso, o que encontramos na mota de rali é muito importante para colocar nessas motas. Porque o cliente que compra esta mota na maior parte das vezes não vai fazer um rali, mas é tipo de andamento acaba por ser bastante semelhante.
João: Quais são os planos para este ano com o rali?
Laurent: Este ano não vamos fazer todo o campeonato do mundo porque ainda temos muito trabalho. Há muito trabalho a fazer para o Dakar por causa do novo regulamento e outras coisas. E também, nesta altura, o mercado não está muito fácil de trabalhar. Por isso, vamos concentrar-nos no desenvolvimento e fazer algumas corridas para estarmos prontos para o Dakar.
João: Haverá uma nova mota para o próximo Dakar?
Laurent: Uma mota nova não, mas terá muitas mudanças devido aos novos regulamentos. Já estamos a planear os próximos dois anos. Vamos fazer o rali BP Portugal, depois disso vamos para a Geórgia fazer um rali pequeno mas muito bom, depois alguns treinos durante o mês de setembro em Marrocos. O rali de Marrocos, claro, e treino outra vez, para estarmos prontos para o Dakar 2025.
João: Laurent, muito obrigado mais uma vez!