Crónica – O jogo: O jornalismo especializado dedicado ao mundo motorizado encontra muitas vezes o pináculo da sua existência em eventos específicos. Denominadas de “apresentações”, não são mais do que um primeiro contacto de um novo modelo, em que a marca faz questão de embandeirar em arco todas as suas virtudes. Regra geral (especialmente no meio motociclístico), são dias bem passados, porém, também bastante exigentes. Segue a descrição da minha última…
Crónica – O jogo
No centro norte da Europa, o dia prometia chuva durante a maior parte da manhã. Nada de mais, estes guerreiros de muitas batalhas sabem como sobreviver nas piores condições, e confiam na escolha de equipamento para encontrarem o conforto necessário que os ajude a concentrarem-se na máquina que lhes dá o propósito. Depois deste silogismo tão redondinho que descrevo, volto a lembrar-me da bátega de água que atravessámos, primeiro na auto-estrada (com as enormes nuvens de spray levantado pelos pneus dos carros e camiões), e depois na nacional, com estradas que vêm a sua fluidez interrompida pelos centros das vilas. A principal dificuldade? Estarmos aos comandos de uma naked que entrega dos valores mais altos de binário do mercado, que pede velocidade, atitude e compromisso para lhe percebermos a desportividade. Felizmente que o céu teve clemência, e na secção mais encadeada que escolheram para fazer as fotos e os vídeos (e onde se pede dedicação à arte de curvar), conseguimos puxar as rédeas ao animal.

Da parte da tarde esperava-nos uma daquelas icónicas viajantes, prometendo conforto com banda sonora (literalmente a sair das suas colunas), ao longo de muitos quilómetros. Era a antítese da realidade que tínhamos experienciado de manhã, porque até o sol vinha espreitar aquela caravana de luxo e requinte, deixando-nos inclusive “abrir as asas” num troço de auto-estrada sem limite de velocidade. Nunca me irei habituar ao facto de estar a pedir passagem a mais de 200 km/h, com legitimidade para tal. A principal dificuldade? Não serem assim tantos quilómetros (tipo cinco centenas deles, parando apenas para abastecer), porque uma moto desta tipologia pede umas quantas mudas de roupa nas malas e um destino longínquo como objectivo.
Crónica – O jogo
No dia seguinte o paradigma mudou brutalmente, e o modelo revivalista fazia da sua simplicidade um mote existencial, contagiando o grupo com a sua forma de estar descomplicada. Há poucas sensações melhores em cima de uma moto, do que a sensação de estarmos em perfeito controle sobre a máquina, sob a certeza de que as nossas capacidades não serão desafiadas pela mecânica. Os campos ficam mais verdes, as vilas mais pitorescas e percebemos que o decréscimo do ritmo nos ajuda a mergulhar os sentidos no meio envolvente. Um regresso ao básico. A principal dificuldade? O facto de quererem fazer truques de circo num circuito fora de estrada (e as capacidades ciclísticas para tal, são reais, entenda-se), procurando vender a imagem idealizada pelo departamento de marketing da marca. Nós tentamos fazer milagres, mas a linha entre o sucesso e o desastre fica demasiado tênue.
Há sempre histórias por contar, entre as habituais trocas multiculturais com os jornalistas de outros países, que nos fazem pensar o quanto somos diferentes a fazer “aparentemente” a mesma coisa. Há sortes e azares, há desafios pessoais a serem ultrapassados e sobretudo uma afinada capacidade de estudar uma peça de engenharia que usa sempre os mesmos princípios…com resultados bastante diferentes. Que se explique pois, esta paixão.




