Por Pedro Alpiarça
“Só preciso que traves mais uma vez… Podia tê-lo feito há três curvas atrás mas quero surpreender-te com toda a minha loucura. Vou assumir o risco porque os meus limites são muito mais altos que os teus, afinal de contas já o fiz tantas vezes e nunca correu mal! Reza o ditado de que a diferença entre um louco e um génio é o sucesso, e a tua imagem no meu espelho tem o tamanho certo para medir o meu.
Vá lá, mostra-me que tens medo e agarra-te aos travões pá!!” Seja por picardia instigada pelo latente espírito competitivo, seja por puro
egocentrismo baseado numa necessidade de afirmação, a descrição desta manobra revela todo um mundo de ignorância pelo bem estar próprio e desprezo pela segurança dos intervenientes.
Na via pública o pecador navega num caos descontrolado confiando no astrolábio da sorte, acreditando que os Deuses o vão proteger. Tudo por um momento de glória comentada pelos amigos de imperial na mão. Não há pontos que levem a taças, e o tamanho do prémio é proporcional à taxa de bazófia do artista. Um tão pouco que pode custar tanto…
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Façam-se mais circuitos, ponham mais gente a vestir um fato de pista. E se a utopia for demasiado grande, que se aproveitem e potenciem os circuitos que temos e que se criem provas com motos iguais àquelas que vemos na estrada, com uma acessibilidade verdadeiramente real e não apenas ao alcance de alguns eleitos.
O piloto de rua vive na esperança de ser reconhecido pelos seus pares, e o zénite desse sonho tem um contexto muito específico, em que a bandeira de xadrez à vista o aproxima dos seus heróis. No lodo dos interesses afunda-se a vontade, bem sei, mas a esperança e a sogra são sempre as últimas a morrer.
Quem vos escreve estas linhas já não ultrapassa assim. Já foi tubarão que cheira o sangue a milhas, já foi idiota ao ponto de achar que era imortal. Hoje em dia (por culpa de uma vida que o vai ultrapassando por fora) refreia os ânimos com a perspetiva de uma vez por mês, poder vestir o fato de cabedal para castigar deslizadores sem dó nem piedade.
Os rivais são duros e as batalhas são absolutamente épicas. Mesmo que sejam em mini circuitos com mini motos, a escala de diversão é gigantesca. A personagem também não é assim tão grande…
