“Vencer é o resultado do equilíbrio de três elementos: moto, equipa e piloto. É necessário que estes três fatores estejam assegurados ao mesmo tempo para conseguirmos atingir os nossos objetivos”, explica Taichi Honda, Diretor de Operações da Equipa Offroad da Honda Racing Corporation.
Os comentários de Taichi Honda foram feitos durante o Rally Dakar deste ano, onde a equipa Monster Energy Honda venceu a categoria de motos pelo segundo ano consecutivo com uma CRF450 RALL.
Desde o regresso da Honda ao rally Dakar em 2013, o jovem engenheiro japonês, na altura com 37 anos, foi encarregue de fazer regressar o fabricante japonês ao degrau mais alto do pódio na prova. A Honda já tinha assegurado o seu lugar nos pergaminhos do Dakar depois de conseguir quatro vitórias consecutivas, entre 1986 e 1989, com a série de motos NXR especialmente fabricadas para a ocasião.
“Para se destacar numa prova tão extrema e exigente como é o Rally Dakar, é preciso experiência e conhecimento técnico que não podem ser comprados. É preciso ganhar na pista.”, explicou Honda-san em Jeddah. “A prova é só uma vez por ano, então só temos uma hipótese de fazer as coisas bem-feitas. Temporada após temporada, recolhemos dados de diferentes tipos de terreno e das situações de corrida mais imprevisíveis. Houve alguns anos em que os pilotos deram tudo o que tinham, mas por um motivo ou por outro, a moto não estava a 100% ou a equipa não rendeu tudo o que podia. Noutras edições, foi o contrário. Finalmente, no ano passado todo o conjunto, moto, equipa e piloto estiveram a 100% e por isso ganhamos. O objetivo para o Dakar de 2021 era repetir este feito, porque ganhar uma vez é ótimo, mas se vencermos duas vezes, aí é que realmente podemos dizer que temos um trio vencedor.
A moto
Numa prova que dura duas semanas, com terrenos e condições tão exigentes, é fundamental encontrar o melhor equilíbrio entre performance e durabilidade da moto. “Todos os dados recolhidos nas provas da América do Sul desde 2013 foram a base para ajustar a moto e dar o passo para a vitória”, disse Honda-san. Com o terceiro capítulo do Dakar na Arábia Saudita, as equipas e os pilotos descobriram um novo terreno e uma filosofia de corrida ligeiramente diferente.
A Honda venceu com Ricky Brabec em 2020 e usou os dados recolhidos na altura para desenvolver a sua moto. “Trabalhamos aspetos como a durabilidade, tendo em mente os diferentes tipos de terrenos e caminhos, mas também o facto de a corrida se ter tornado mais exigente em termos de consumos de combustível e, por isso desenvolvemos ainda mais os mapas de alimentação de combustível, de forma a conseguirmos uma utilização ainda mais eficiente”, continua Honda-san. “As suspensões foram atualizadas e trabalhámos também na durabilidade do próprio motor.”
A manutenção é um fator fundamental para a equipa e também para os pilotos, que além de pilotos e navegadores habilidosos, têm de ser bons mecânicos, capazes de trabalhar nas motos durante as etapas. “Ao longo dos anos, a CRF450 RALLY foi simplificada de forma a facilitar a manutenção. Quando entramos na prova de 2013 não sabíamos o que nos seria exigido, e por isso a moto era mais do que o precisávamos”, admite Honda-san. “Temporada após temporada, com a experiência, a moto foi ficando cada vez mais fácil de manter. Lembro-me bem daquelas noites na América do Sul em que terminávamos de trabalhar nas motos à meia-noite! ”
A equipa
Ter uma visão clara, uma estrutura eficiente, uma estratégia forte e partilhada entre todos os membros; estes foram os três pilares que elevaram a Honda, enquanto equipa, ao próximo nível: não apenas vencer uma vez com Ricky Brabec em 2020, mas repetir o sucesso com Kevin Benavides em 2021.
“Todos na equipa sabiam o que fazer, pois tinham um programa claro e uma agenda planeada de antecedência”, continua Honda-san.
A chegada de novos membros à equipa, como Ruben Faria, que entrou como chefe de equipa em 2020 e a reorganização da equipa com Hélder Rodrigues como estratega de prova, Johnny Campbell como assessor e estratega de pilotos, para além de uma estrutura clara onde cada piloto contava com mecânico e assistente pessoal, trouxe tranquilidade e conforto, numa prova que pode ter as condições mais imprevisíveis, extremas e duras para os veículos, para o corpo e para a mente dos pilotos.
“Começámos a trabalhar na edição 2021 no dia seguinte ao da conquista da edição de 2020 por Ricky Brabec”, explica o diretor-geral da equipa, Ruben Faria
“Foi uma grande conquista para a Honda e para a equipa Monster Energy Honda, mas no fundo ficamos também muito tristes pela perda de Paulo Gonçalves. O Paulo fez parte da equipa, era um de nós, companheiro e amigo”, confessou Faria em Jeddah antes do início da prova. “Tínhamos apenas um objetivo em mente: vencer em 2021 para podermos ter uma dupla celebração, repetir o sucesso da Honda e do Paulo. Toda a equipa tinha esta mesma visão.”
A preparação da temporada de corrida de 2021 foi muito afetada pela pandemia que fechou o mundo. Diferente dos anos anteriores, as motos foram montadas e preparadas no Japão e depois enviadas para a oficina da equipa em Barcelona, onde os mecânicos trabalharam mais um mês antes de as motos e os veículos de assistência serem enviados do porto de Marselha para Jeddah no dia 3 de Dezembro.
Como medidas de mitigação devido à pandemia, a equipa decidiu adotar um protocolo rígido para ter a melhor probabilidade da prova correr de forma segura e tranquila. “Decidimos reduzir ao mínimo o quadro de funcionários, mas sem sacrificar a eficiência”, explica Faria. “Por exemplo, tivemos dois engenheiros do Japão em vez de seis ou sete como nas edições anteriores. A tripulação contou com 24 pessoas, incluindo os quatro pilotos: um mecânico dedicado por cada moto mais um mecânico-chefe, dois engenheiros, o técnico de suspensões, um ajudante por cada piloto e também o coordenador da logística, o responsável pelas peças sobressalentes, dois fisioterapeutas, os estrategas de prova e o assessor de imprensa. ”
A prova
Assim que o Rally começou, todos puderam entrar no ritmo de uma rotina diária bastante árdua. “O Rally Dakar é uma experiência única, que nos muda a vida, seja a dos pilotos ou a da equipa”, explica Johnny Campbell, o “Rei de Baja”, com participação como piloto em diverso Dakar (inclusive como piloto de fábrica da Honda em 2013, ano em que a marca voltou ao Dakar) e, agora, é estratega de prova da equipa Monster Energy Honda.
“Quando nos inscrevemos para participar no Rally Dakar, saímos da nossa zona de conforto para experimentar a vida e ter uma aventura incrível a nível humano e profissional”, continua Campbell. Johnny trabalha em estreita colaboração com todos os pilotos, especialmente com Ricky Brabec e Nacho Cornejo. “Na equipa, todos têm uma tarefa específica, mas esta move-se como uma unidade; no acampamento, lado a lado com os nossos companheiros. Dorme-se coberto de pó, em pequenas tendas sem ar-condicionado. As noites extremamente frias dão lugar a dias de calor asfixiante e andar de etapa em etapa é uma tarefa longa e árdua. ”
O despertador toca a meio da noite. “Acordamos uma hora e meia antes dos pilotos”, explica Eric Siraton, mecânico de Ricky Brabec. “Todos os dias são diferentes, mas considerando que o primeiro piloto sai entre as 4 e as 5 da manhã, normalmente acordamos por volta das 3 horas ou das 3 e meia. Assim que os pilotos saem e de acordo com a extensão da etapa, ou tomamos o pequeno-almoço ou entramos no carro para ir ter ao primeiro posto de assistência ou ao próximo acampamento para preparar as boxes. Em média, é uma viagem que dura cinco ou seis horas.”
Já no acampamento, os mecânicos comem e depois aguardam a chegada dos pilotos, o que costuma acontecer entre as 12:30 e as 15 horas. “Assim que os pilotos chegam, temos um briefing técnico e depois começamos a trabalhar nas motos”, continua Eric. “Se não houver nenhum problema específico, desmontamos apenas metade da moto, o que pode levar duas ou três horas. Se houver um problema, pode demorar bastante mais. ”
Como o roadbook é entregue apenas 20 minutos antes do início da etapa, após o briefing técnico, os pilotos podem descontrair e trabalhar com o fisioterapeuta. Miguel Angel Dominguez e Filippo Camaschella são os dois fisioterapeutas que trabalham uma hora e meia todos os dias com os pilotos para os ajudar a recuperar após um dia de prova – a mais longa foi a exaustiva etapa quatro em que percorreram 856kms aos comandos da CRF450 RALLY. Angel Dominguez já tem experiência na Fórmula 1 e Camaschella faz parte da equipa de motocross da HRC que venceu o Campeonato Mundial em 2019 e 2020 com Tim Gajser.
“Assim que os pilotos chegam, damos-lhe uma bebida especial para a reidratação, vão tomar duche, almoçam e depois fazemos uma sessão de 90 minutos de Terapia Tecar para regenerar as células e estimular a microcirculação”, diz Angel Dominguez. “Depois continuamos com a fisioterapia e a crioterapia. Eu trago sempre todas as máquinas comigo.”
“Trabalhamos o corpo todo”, diz Camaschella. “O nosso trabalho ajuda realmente a acelerar a recuperação e a prevenir lesões. Kevin Benavides, por exemplo, sofreu um corte profundo no nariz e lesionou os dois tornozelos num acidente. Depois da nossa sessão, sentiu-se muito melhor e foi capaz de começar no dia seguinte em condições muito melhores.”
É um teste de endurance como nenhum outro, o rally mais difícil do planeta e o nível de tolerância à dor dos pilotos é impressionante, ajudado pela constante fisioterapia.
“Vencer em equipa para uma dupla celebração”
O excelente trabalho da Honda, enquanto equipa, resultou na vitória de cada um dos quatro pilotos numa etapa, mantendo-se todos na disputa pela vitória geral até a décima etapa, num total de 12. Numa demonstração de quão implacável pode ser o Dakar, uma queda de Nacho Cornejo na etapa 10 resultou na sua desistência e um erro na etapa 11 foi o suficiente para colocar Joan Barreda fora da luta, já que falhou uma paragem para reabastecimento na especial de Al-Ula-Yanbu.
“Na Honda, vivíamos um momento muito especial tendo quatro pilotos como potenciais vencedores. Não recebemos nenhuma ordem da equipa. A nossa estratégia sempre foi livre”, explicou Kevin Benavides. “Eu sabia que a segunda semana ia ser ainda mais exigente. Ao olhar agora para trás, vejo que foi uma corrida maluca com reviravoltas constantes. Ganhei a nona etapa, mas o meu irmão caiu e eu estava muito preocupado com ele; depois tivemos a queda do Nacho quando estava na posição de líder da geral e o Joan teve que abandonar na etapa 11 quando faltava apenas um dia para chegarmos ao fim.
“A navegação foi o fator-chave para vencer o Dakar 2021. Este foi o rali mais difícil que já fiz, com uma luta constante e tantas mudanças na liderança” confessa Benavides, que triunfou e conquistou a sua primeira vitória no Dakar na Sexta-feira, 15 de Janeiro de 2021. “A pressão foi sempre muito alta. Mas toda esta incerteza ainda me motivou mais. Foi uma prova interessante, mas que exigiu que fossemos uma equipa unidade e completa para podermos triunfar.”
O caminho para a vitória
Houve um momento na etapa 12 em que Kevin Benavides achou que tinha perdido a corrida. “Estava à frente a abrir caminho, mas ao Km 14 cometi um erro e tive que dar meia-volta e tentar achar o caminho certo. Estava preocupado que isso me pudesse custar a vitória”, disse ele na linha de chegada. “Não se consegue fazer um Dakar perfeito. Cometi os meus erros e conheci a dor, mas o desejo de vencer foi mais forte. Percebi que tinha ganho apenas no último metro.”
Com o dedo a apontar para o céu e abraçado a toda a equipa, que se alinhou no final da última especial, Kevin Benavides dedicou a sua primeira vitória no Dakar a uma pessoa “que sempre esteve com ele: Paulo Goncalves.”
Assim, após 12 dias, mais de 4.500 quilómetros de prova e quase 50 horas em cima da moto, a equipa Monster Energy Honda chegou à tão almejada segunda vitória consecutiva, desta vez com Kevin Benavides e com o vencedor do Dakar de 2020 Ricky Brabec em segundo. Os dois pilotos ficaram separados por menos de cinco minutos.
“Para vencer o Dakar é preciso ser um piloto completo, mas também é necessário ter uma equipa completa e todos os nossos elementos desenvolveram ao longo dos anos as capacidades necessárias”, explica Faria, o diretor geral da equipa. Os pilotos sozinhos não conseguem vencer a prova off-road mais longa, cansativa e sem dúvida a mais aclamada em duas rodas; é preciso uma equipa.
A Honda trabalhou, sofreu e venceu como equipa. Cada um dos 24 membros da equipa perseguia um sonho individual e tinha um objetivo comum: levar a Honda novamente ao degrau mais alto do pódio no Dakar.