Nota Introdutória:
Como previsto, a semana passada a nossa atenção recaiu sobre uma moto criada com um objetivo claro: ser a moto, de série, mais rápida do mundo, mas com uma razoável dose de conforto e capacidade de fazer turismo, algo como uma fusão de conceitos que gostamos de chamar de sport touring, a CBR 1100 XX! Esta semana subimos novamente de cilindrada e vamos dedicar-nos a um moto verdadeiramente única no conceito e no estilo. Podem chamar-lhe power cruiser, muscle bike ou qualquer outro nome! A V-Max é tudo isso e muito mais!
Convido-vos para mais uma viagem na nossa máquina do tempo e vamos atravessar o Atlântico, rumo às Terras do Tio Sam, ou seja, vamos para os Estados Unidos e para o início da década de 80.
Já sabemos que os americanos adoram motos de uma forma diferente dos europeus e que têm um especial carinho pela potência e pela brutalidade dos motores, mais até que pela velocidade de ponta ou capacidade de curvar. Adoram muscle cars, de preferência com enormes V8 ou mais, e são uns fanáticos por provas do tipo quarter mile.
Para alguém mais distraído, trata-se de uma prova de arranque com a duração de um quarto de milha, algo como 402,3 metros! O objetivo, nesta curta distância, é conseguir ser o mais rápido possível, numa lógica de dragster!
Estas competições arrastavam e continuam a atrair multidões nos EUA e mesmo nas duas rodas existem criações incríveis, cuja potência nos deixa boquiabertos! Geralmente são colocados dois veículos da mesma categoria “lado a lado” e ganha o primeiro a completar a distância, isto descrito de forma resumida.
Ora, essas competições também se faziam com motos, mas não existiam modelos verdadeiramente dedicados a esse tipo de utilização e foi a Yamaha que levou muito a sério a possibilidade de lançar uma moto, mesmo que destinada especificamente aos Estados Unidos e Canadá, capaz de fazer arranques brutais. Doses massivas de binário que deixam uma longa marca de borracha no asfalto, enquanto o condutor/a se desdobra em esforços para não ser despejado pela força bruta da moto!
Claro que seria, previsivelmente, uma moto de nicho, mas valia a pena tentar, até porque o motor para esse fim já existia. Era preciso fazer algo de diferente face à concorrência, uma moto marcante que permitisse rivalizar, por exemplo, com modelos icónicos da Honda como a sua GL que estava a ser difícil de combater.
Pegaram no motor da XVZ 1200 Venture e uma parte do trabalho já estava feito, mas faltava ainda muita coisa! Era um motor de 1200 cc (mais precisamente 1198), com uma arquitetura V4, a 72°, refrigeração líquida e 16 válvulas. Tinha cerca de 97 cv às 7000 rpm e um binário de 104 nm obtidos logo às 5.000 rpm.
Eram valores interessantes, sem dúvida, mas para se destacar mesmo teria que ser algo superior ou então o modelo arriscava-se a fracassar ou a ter um sucesso muito limitado e isso a Yamaha não queria, nem podia aceitar!
Sob direção de Akira Araki e com a colaboração designer inglês John Reed, começou a ser tudo preparado no centro de design da marca em Santa Monica, na Califórnia, sendo que a linha de inspiração, óbvia, eram os muscle cars das décadas de 60 em diante e que a Vmax tem no seu ADN até estético. Basta olhar para as entradas laterais de ar, junto do falso depósito de combustível.
Araki e a sua equipa chegaram a fazer testes com um motor turbo, mas os resultados não foram os desejados e optaram pelo que se veio a chamar o sistema de admissão de gasolina V-Boost sobre o qual falaremos um pouco mais à frente nesta crónica, mas o resultado agradou e de que maneira!
O resultado final era um choque, no bom sentido! Uma estética inspirada, um gordo pneu na traseira, transmissão por veio e o melhor de tudo, o motor! Algo como 145 cv por volta das 9.000 rpm e um binário avassalador de 112 nm às 7500 rpm! Uma moto que apesar dos seus mais de 270 kg era capaz de percorrer, completamente stock, a quarter mile em menos de 11 segundos!
Nem imagino, quando chegou ao mercado americano em fins de 1984, início de 1985, o efeito que não deve ter tido! Não havia nada parecido ou comparável à venda! A novíssima VMax pulverizava tudo o que lhe surgia à frente, pelo menos no arranque, sendo considerado a moto do ano e a popular revista Cycle World de maio de 85 escreveu a seu respeito: “It’s still the best motorcycle overall of the big cruisers. Its engine is above reproach, and its chassis is the finest in the class. Only its seat and somewhat choppy ride keep it from being as comfortable as some others for general cruising.”
Nascera um ícone. Uma moto eterna. Vamos agora centrar a nossa análise neste modelo. O vídeo abaixo conta um pouco da história do modelo original e serve para aguçar o apetite:
N.º 38: Yamaha V-Max 1200
A VMax era uma moto completamente insana, quase doentia! De exageros, de busca pela máxima potência e binário, mesmo que os outros componentes não acompanhassem o motor e que o V-Boost, cuja funcionamento começa em pleno ali por volta das 6.000 rpm, tornasse a moto muito perigosa, capaz de se virar ao condutor com uma facilidade espantosa!
O depósito com apenas 15 litros de capacidade não chegava para 200 km/h. A andar rápido não iria além dos 150, o sistema de travagem (2 discos dianteiros de 298 mm com pinça de pistão duplo e traseiro de 282 mm, também de pistão duplo) não chegava para as encomendas. As suspensões dianteiras de 40 mm Kayaba eram fracas e mesmo os 2 amortecedores traseiros, reguláveis e também Kayaba, tinham dificuldade em lidar com o potencial do motor.
També ao nível dos pneus a situação era algo delicada: à frente vinha equipada com um convencional 110/90-18 e atrás um minúsculo e gordo 150/90-15, a quem competia delicada tarefa de colocar no chão toda aquela potência no asfalto, de preferência sem atirar fora quem se atrevesse a provocar o seu caráter impetuoso. Ainda por cima, a sua velocidade de ponta, para quem conseguisse, era assombrosa! Algo como 235 km/h e sem nenhuma proteção aerodinâmica!
Tudo era hiperbólico naquela moto, mas o carinho e afeição que despertou nos seus donos explicou bem porque se manteve sem grandes alterações de fundo até 2007, ano em que acabou por deixar de ser produzida para dar origem a um novo modelo. Os seus donos/as perdoavam-lhe (quase) tudo!
A VMax era uma moto criada, produzida e destinada aos EUA e Canadá, mas havia outros mercados onde poderia singrar, nomeadamente na Europa e no Japão. Ambos suspiravam para receber o modelo de forma oficial e não apenas pelo mercado paralelo.
Foi só questão de tempo até a Yamaha decidir que fazia sentido exportar o modelo para outros mercados, mas tomou uma decisão algo controversa e discutível, pelo menos numa fase inicial: retirar o sistema V-Boost! O tal que entre as 6.000 e 8.000 rpm, por meio de 2 servofreios, simulava que em vez de 4 carburadores de 35 mm fossem 8, injetando muito mais ar e combustível para os cilindros, promovendo um aumento de potência incrível, como se fosse o efeito de um motor turbinado!
Assim, o modelo chegou à europa no final de 1986, mas algo diferente da versão musculada e que ficou conhecida como sendo a full-power. Chegou sem V-boost e o motor passou a debitar 102 cv às 8.000 rpm e um binário de cerca de 102 nm às 6.500 nm. Grande diferença, não é?
Aproveito para vos apresentar o bonito modelo do Teixeira a quem agradeço a simpatia, disponibilidade e conhecimento da mesma. Trata-se de um exemplar de 1987 e veio importado de França em 2004 sendo que, tal como a maioria das que se encontram, já foi alvo de algumas atualizações.
É o caso do miolo dos escapes que têm tendência a apodrecer e que aqui são bastante diferentes, mas há mais, caso das bonitas jantes que foram sendo alteradas ao longo da vida do modelo. Já foi alvo de restauro, nomeadamente pintura e cromados e está com um aspeto bestial, a que não é alheio o facto de ter apenas 56.000 km, o que é para este motor uma ninharia, mais ainda na versão “limitada”, como é o caso, que tenderá a sofrer menos exageros.
Aliás, distinguem-se facilmente mesmo sem rodar a ignição (em que se ouve nitidamente o servo freio a acionar o sistema). Basta olhar para o conta-rpm! Na versão civilizada a zona vermelha começa às 8.500 e na versão full-power é às 9.500! já o facto de ser possível “transformar” uma versão domesticada na mais agressiva é possível, mas implica saber o que se está a fazer e tem custos. Talvez seja preferível ir logo à procura de uma versão com V-boost, até porque encontram-se facilmente, nem que sejam vindas do outro lado do oceano.
A pergunta que importa colocar é simples: será que necessito mesmo de uma versão full-power para alguma coisa? Na minha parca experiência a versão europeia, para mim, chegou e sobrou! O binário é muito e aparece cedo. A andar a direito é uma seta, mas a curvar já não é bem assim e sente-se facilmente alguma instabilidade e é melhor acelerar de forma dócil à saída das curvas, sobretudo se o piso for escorregadio ou os pneus não forem de qualidade!
A posição de condução é agradável e o conforto do selim ajuda, mas convém ter a noção de que é uma moto bastante temperamental e que as suas idiossincrasias fazem parte do seu caráter e dão-lhe uma mística superior. Porém, apostar em melhorias, como uma preparação de suspensões, revisão do sistema de travagem, modificar a geometria do quadro ou aplicar um amortecedor de direção são mais-valias perfeitamente justificáveis e que podem legitimar cada Euro que custam.
Ainda que sendo um motor muito robusto e fiável, capaz de sofrer maus-tratos e aumentos de potência, são conhecidos vários casos de problemas: ao nível da bomba de gasolina e dos próprios carburadores, de ignição e parte elétrica ou mesmo da caixa e embraiagem. É o tipo de moto que, antes de comprar, importa fazer o trabalho de casa e, melhor ainda, levar alguém com conhecimentos do modelo, até porque muitas delas, além de alteradas esteticamente, foram alvo de muitos abusos!
Porque mudou tão pouco o modelo até 2007?
Os construtores japoneses são, por regra, bastante conservadores e preferem testar previamente os seus modelos de forma mais aprofundada e ao longo do ciclo de vida dos mesmos tentam não fazer grandes alterações, adotando antes modificações cirúrgicas e tentando sempre prolongar a vida do modelo até onde for possível, o que acaba por ser benéfico para a marca e até para o dono, mesmo que implique riscos acrescidos face à concorrência.
Por outro lado, ao ser de um “segmento” com pouca concorrência direta e menos dado a “modas” ajudou a que a marca conservasse a VMax desde 1985 até 2007 sem reais alterações. Uma longevidade que, se a memória não me falha, creio que não se encontra em praticamente mais nenhum modelo!
Isto reforça ainda outro facto: a VMax foi uma moto muito bem-nascida. Já com predicados bastante avançados para o seu tempo e só isso explica, por exemplo, que na geração em apreço não tenha ocorrido sequer uma alteração de cilindrada, o que é um feito ímpar!
Passe o exagero, pegar num modelo de 1986, 1996 e 2006 não é assim tão diferente e ao nível de sensações são muito parecidas em todas elas. Esse facto aumenta ainda mais a cotação do modelo e admiração dos seus donos/as que as conservam e sabem que está ali um valor seguro, mesmo com embirrantes caraterísticas, caso do complicado acesso ao minúsculo depósito de combustível, que fica situado entre o selim do condutor e o do passageiro ou o quadro que parece “abanar” se abusamos a curvar!
Ainda assim, a marca também não foi autista a ponto de ignorar as críticas que foi recebendo e não se limitou a alterações estéticas nas jantes a adicionar ou retirar os cromados e colocar imitações de carbono nos guarda-lamas… e foi mais longe e ainda bem, até por questões de natureza ambiental, seja por causa dos consumos, seja por causa do ruído dos escapes ou mesmo ao nível do sistema de travagem.
De qualquer modo, a principal modificação, se é que lhe podemos chamar assim, ocorreu em 1993 (modelo 3UF) em que adotou uma suspensão dianteira de 43 mm. De certa forma, mitigou umas das principais debilidades do modelo, mas sem a apagar por completo já que continuou a ser a mesma moto temperamental de sempre em que temos o vento a empurrar-nos e a potência do motor a querer completar o trabalho! Melhor mesmo amarrar os pulsos ao guiador da fera ou conduzir com mais moderação!
Ao longo dos anos, mesmo sendo já comercializada noutros mercados, incluindo no Japão, as vendas foram sendo menores, a que não é alheio o elevado preço. Por exemplo, em Portugal custava uns elevados 1798 contos em 1990 (em que o salário mínimo eram cerca de 40 contos), mas o seu número de adeptos foi-se mantendo e a produção apenas cessou em 2007, sendo que no ano seguinte surgiu o novo modelo, mas essa história não é para aqui chamada.
A maior parte das fontes de informação não são portuguesas, embora o modelo tenha fãs em Portugal e pelo menos um ativo grupo na rede social Facebook. Apresentam-se agora alguns pontos de pesquisa sobre o carismático modelo e que podem servir de ponto de partida para saber mais sobre a VMax.
Cavaloalado: Blog com história do modelo e muitos detalhes, em português;
Motosclassicas80: muita informação do modelo, incluindo o sistema V-Boost;
Oldbikebarn: informação sobre o modelo, sobretudo da geração inicial, mais icónica;
Hotcars.co: Lista de 10 aspetos que se amam no modelo;
Forumvmax: fórum com imensa informação sobre o modelo, em língua francesa;
Timetre.free: para quem pensar em adicionar o sistema Vboost a um motor que não tenha;
Vmoa.net: Vmax Owners Association. Muita informação;
Para o próximo número vamos escalar novamente de cilindrada! Será a penúltima moto desta saga de 40 crónicas! Depois da ZZ-R 1100 e da XX 1100 faltava uma moto ainda mais poderosa e rápida para fechar o século XX! Um falcão voador que chegou ao mercado exatamente em 1999 e ainda hoje voa bem alto e rápido! Não é difícil adivinhar a que moto me refiro! Até sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira