Nota Introdutória:
Como previsto, a semana passada a nossa atenção recaiu sobre uma moto criada com um objetivo de ser algo completamente diferente, a incrível Vmax! Quanto à loucura da velocidade e da potência a Suzuki, em 1999, decidiu que era chega a altura de mostrar que havia uma nova predadora no topo da pirâmide: a inacreditável Suzuki GSX 1300R, carinhosamente conhecida por Hayabusa ou mesmo pelo seu diminutivo Busa!
O final do milénio passado foi nitidamente de alguns excessos, também no que às motos diz respeito! Não era apenas o receio, mais ou menos disparatado, de que o mundo podia acabar no ano 2000, mas aqueles anos foram férteis no mundo das duas rodas, basta pensar que a paixão pela velocidade estava no auge e a certeza de serem atingidos os 300 km/h era uma forma de comemorar o Armageddon ou simplesmente o fim do mundo!
Em surdina, a Suzuki preparava algo especial para fazer face ao que primeiro a Kawasaki tinha apresentado em 1990 e depois a Honda respondera em 1996. Tinha que ser algo mesmo peculiar e superlativo em performance! O projeto foi mantido em segredo durante muito tempo e apanhou meio mundo de surpresa porque o “Falcão Peregrino” veio mesmo para mudar o paradigma das hiperdesportivas, mas com algumas cedências ao conforto.
Foi tudo pensado ao mais ínfimo pormenor, testado em túnel de vento e aproveitadas as tecnologias que a informática estava a trazer ao nível do desenho e modelização, já para não falar na experiência da marca na competição. Valia tudo para surpreender o mercado, nem que fosse uma imagem chocante, para mostrar que o novo modelo vinha mesmo para ficar no topo. Era a “Ultimate Sport”! A derradeira desportiva, se quisermos traduzir.
O próprio designer chefe do modelo Yoshiura san afirmou mais ou menos o seguinte: “O conceito subjacente à primeira Hayabusa era criar um impacto verdadeiramente dominador, com uma aerodinâmica de nível superior e, ao mesmo tempo, ser a moto desportiva mais potente de todas. Desenhei a moto para chamar a atenção, usando um design único. Tinha que ser a derradeira moto legal para circular em estrada e com a mais elevada performance entre todas as motos produzidas em série”.
Esta afirmação resume praticamente tudo. Mesmo alguém que não saiba quem a proferiu ou a que moto se refere, percebe rapidamente que estamos a falar da Hayabusa. Está lá tudo! Imagino que quando K. Takata lançou o convite a uma série de personalidades e jornalistas para a testarem no Circuito da Catalunya de 1 a 6 de fevereiro de 1999 sabia perfeitamente o que estava a fazer, mas não sabia, provavelmente, o efeito que a moto iria ter nos que a testaram e no mundo das duas rodas daí para a frente… que nunca mais foi igual!
Ainda por cima, durante os dias da apresentação, os vários jornalistas de todo o mundo que vieram à apresentação foram convidados para a conduzir em estrada e ficaram siderados! A moto, apesar de todo o seu porte e potencial, era facilmente conduzida em estrada! Tinha potência de sobra, binário em catadupa, mas oferecia um nível de conforto muito razoável, boa proteção aerodinâmica e mesmo o passageiro/a não era negligenciado/a!
A internet estava longe do que é hoje, mas rapidamente o mundo soube que acabava de chegar um moto peculiar ao mercado! Marcada pela estética arrojada, com uma frente imponente e aerodinâmica, uma traseira esculpida e umas cores fortes e impactantes, com destaque obviamente para o castanho-claro e prateado, mais até que o preto e vermelho ou o preto/cinza, as outras duas cores de lançamento.
A reação do mercado foi a esperada: listas de espera em muitos países! Hamamatsu estava com dificuldades em dar resposta às encomendas que chegavam dos vários mercados e nem sequer se pode dizer que fosse uma moto com preço fora da concorrência direta! Para se ter uma ideia, custava em Portugal nesse ano cerca de 2.248 contos, mas consta que valia cada Escudo! Por comparação, a Honda XX custava 2250 contos e a ZZ-R 1100 custava 2057 contos!
N.º 39: Suzuki GSX 1300R Hayabusa
Consta que a velocidade de ponta neste modelo ultrapassava os 300 km/h, chegando a uns incríveis 312 km/h! Esta velocidade mais parecia a de uma moto de GP! Mesmo a quarter mille, que já falámos aquando da V-Max era para esta moto uma barbaridade e a rapidez com que a atingia, mesmo completamente stock: cerca de 10,3 segundos! A diferença até podia não ser grande face à moto da Yamaha, mas na Busa o melhor estava para vir porque a velocidade de ponta era e continua a ser algo assombroso!
Vamos agora focar-nos no espetacular exemplar do Jorge, a quem faço um agradecimento público pela simpatia e disponibilidade. Esta cor azul é já do modelo de 2000, mas foi ainda matriculada em 1999, algo muito comum ainda nos dias de hoje em que os MY (model year) do ano seguinte chegam ao mercado ainda no ano corrente. Nada de novo.
Esta Busa está num estado francamente bom, para não dizer ótimo, a que não é alheio o facto de ter apenas marcados 34.815 km’s, o que é pouco mais que a rodagem, passe o exagero!
Olhando com mais detalhes para os manómetros analógicos salta logo à vista que a velocidade limite indicada é 340 e ainda tem mais uma barra a indicar… 350 km/h! Não está em causa atingir esse valor, que não atingia, pelo menos stock. Porém, não deixa de ser uma verdadeira “afronta” mostrar uma moto com uma velocidade que envergonhava até a esmagadora maioria dos supercarros, custando uma ínfima parte do preço! Era uma verdadeira predadora que, em velocidade de ponta, qual falcão peregrino, era imbatível a qualquer moto de série!
O enorme tetracilíndrico (1298 cc) com uma relação curso/diâmetro de 81×63 mm era e continua a ser assombroso nas suas especificações: cerca de 175 cv às 9800 rpm (zona proibida começa às 11.000) e um binário incrível de 138 nm logo às 7.000 rpm!
Porém, não basta ter um motor forte em todos os regimes e fiável. É crucial que a ciclística acompanhe! Estamos a referir-nos ao quadro, ao sistema de travagem às suspensões ou aos pneus, já para não falar na proteção aerodinâmica ou noutros pontos importantes como a iluminação ou a capacidade de dissipação do calor gerado.
A Hayabusa teve direito a quase tudo o que havia de melhor à época e mesmo assim para os padrões atuais não se pode dizer que seja mau, mas o motor continua a ser o que mais encanta e todos os seus periféricos contribuem para o resultado final, mesmo podendo estar um pouco aquém das capacidades da mecânica!
As suspensões eram ambas multireguláveis sendo as dianteiras já invertidas, os discos dianteiros eram uns enormes de 320 mm e com pinças de 6 pistões. Atrás tinha um disco de 240 e pinça com duplo pistão. Até os pneus eram especiais, tendo à frente um dianteiro de medida 120/70 ZR17e atrás um anafado 190/50 ZR17 que ficava com a árdua tarefa de colocar no asfalto tanta potência e binário!
O próprio trabalho feito para controlar o peso total, nomeadamente o uso abundante do alumínio no quadro e não só, deu os seus resultados e o peso global em ordem de marcha a rondar os 250 kg era outro feito, na mesma lógica da “anorética” Suzuki GSX-R 750 de que já falámos há muitas crónicas atrás. Menos peso significa melhor relação com a potência e o valor final era um assombro: cada cv apenas tinha que carregar cerca de 1,42 kg!
Nesta altura, até por causa das questões ambientais, os consumos começavam já a ter um papel cada vez mais importante e até aqui a Suzuki fez bem o trabalho de casa no sistema de Injeção Mikuni Denso! O depósito conseguia carregar 21 litros. Numa condução normal e usando o muito binário é possível conseguir consumos a rondar os 6 ou 7 litros! Já numa condução mais desportiva, os valores cheguem facilmente aos 2 dígitos, mas é algo que não está ao alcance do comum dos mortais, onde me incluo!
Nota positiva também para o magnífico som dos 2 escapes! Numa altura em que as restrições em termos de ruído já eram algumas, as duas ponteiras da Busa emanam um som poderoso! Mesmo quando estamos com a moto ao ralenti já se perceber que está ali algo a palpitar, mas quando se começa a acelerar e se chega aos médios regimes também o som (do motor, da admissão) e sobretudo dos escapes altera-se por completo e torna-se inebriante!
Depois há algo curioso que sucede também com automóveis de gamas mais altas: não nos apercebemos da velocidade! Nesta Busa irmos a 120 km/h quase parece que vamos a 70 ou 80 em muitas motos! Tudo é imperturbável, reina o conforto e nem nos apercebemos de nada! Só subindo um pouco mais a escala e usando todas as mudanças é que começamos a ter a noção do potencial da moto! É mesmo muito difícil andar devagar! Eu não podia ter uma moto destas! Os meus pontos da Carta de Condução estavam sempre em perigo!
Melhorar o que já é bom
Como sempre afirmei, as nossas crónicas terminam no final da década de 90, sendo que a Hayabusa esteve sem grandes alterações na primeira geração até 2007 e as que existirem, de certa forma, foram mais no sentido de lhe melhorar alguns detalhes e até, pasme-se, para lhe reduzir um pouco a performance, nomeadamente ao nível da velocidade de ponta!
De qualquer modo, a Busa continua a ser encontrada no nosso país à venda com relativa facilidade, mesmo os exemplares dos primeiros anos. Acresce que o preço de aquisição é francamente razoável e qualquer pessoa acaba por poder comprar, ao preço de uma moto utilitária, uma obra-prima da engenharia de Hamatsu, mas convém saber o que se compra e que uso se pretende dar à mesma! Não é de todo uma moto para iniciados e, por exemplo, para uso citadino há propostas mais interessantes.
Além disso, é normal que as que existem no mercado, sobretudo as da primeira geração, já tenham sofrido algumas alterações. Uma das mais comuns é um ecrã dianteiro mais alto para melhorar o conforto em viagem para condutor/a e passageiro/a. Também se vê com alguma regularidade Busas com outras ponteiras de escape, mas o original continua a ser uma escolha segura e de bonito efeito visual. Já agora, a cobertura do selim do/a “pendura” continua a ser um item muito apreciado.
Claro que há alterações ao nível da injeção (ECU flash para modelos a partir de 2002), alteração na caixa do filtro de ar, escape completo (a restrição, se existir, não está nas ponteiras mas logo nos coletores), embraiagem mais robusta e leve, mas as melhorias mais interessantes e efetivas para o uso mais diário podem ser na ciclística!
Preparar/ajustar as suspensões para o nosso peso e estilo de condução pode ser sempre um bom investimento, tal como um bom amortecedor de direção, também o sistema de travagem pode ser melhorado e mesmo o sistema de iluminação pode merecer uma atenção, mas atenção ao que se está a fazer e aos riscos de o veículo não estar conforme a respetiva ficha de homologação. Por enquanto ainda não há IPO para motociclos, mas…
Para utilizações mais extremas há um mundo de alterações possíveis e nem todas são de caráter mecânico! Basta pensar, por exemplo, numas jantes mais leves em magnésio, mas o motor é onde é possível conseguir obter resultados mais incríveis, a ponto de ser possível duplicar a potência ou próximo disso!
Naturalmente que este tipo de modificações, aparte os custos, a complexidade tecnológica e mecânica envolvida ou os riscos para a fiabilidade não fazem sentido para uma utilização diária, para o utilizador que gosta e sabe andar depressa, mas há outros contextos de utilização.
Um caso concreto é para quem ter um dragstar e fazer provas de arranque (do género das quarter mile) ou deseje usar a moto em corridas ou track-days. Foi sobretudo a pensar nesses utilizadores que foram surgindo kits que permitem adicionar um turbo ao motor e passar a ter uma moto “turbinada”, como o exemplo da RPM de que se apresenta a foto. É apenas um “stage 1” e o resultado são cerca de 250 cv, mas segundo a informação do fabricante é possível chegar até valores próximos dos 400 cv!
Não faço a menor ideia de como fica um míssil destes com 250 cv, sem ajudas eletrónicas e muito menos como ficará com valores ainda superiores. É lógico que será uma moto que perde a “facilidade” de ser conduzida que muito a carateriza e serão necessárias muitas outras alterações ao nível da embraiagem, da caixa de velocidades, do sistema de refrigeração, do mapeamento da injeção para que a fiabilidade seja minimamente aceitável.
Este exemplo de uma com 291 cv dá para ter uma ideia, mas assumo que assusta um bocado. Se chegarem a ver o vídeo, a dada altura, por volta dos 3 minutos, o dono faz uma “quarter mile” e o resultado são 9,46 segundos e velocidade de ponta é já de uns estonteantes 257 km/h e a moto nem sequer tem braço oscilante mais longo para contrariar a tendência de “levantar de frente”!
Resumindo, a Hayabusa é uma moto bem-nascida, senhora de umas performances incríveis e relativamente dócil, desde que seja tratada de forma meiga e educada. Se assim for, somos recompensados com um comportamento de eleição em praticamente todas as situações.
Se adotarmos uma postura mais agressiva e cairmos na tentação de esmagar o acelerador, então é bom que se saiba o que estamos a fazer porque estamos por nossa própria conta e risco e esta moto não perdoa muitos erros, sobretudo se forem feitas a grande velocidade ou em percursos muito sinuosos, tipo uma estrada de montanha!
A maior parte das fontes de informação não são portuguesas, embora o modelo tenha fãs em Portugal e pelo menos um grupo na rede social Facebook. Apresentam-se agora alguns pontos de pesquisa sobre o carismático modelo e que podem servir de ponto de partida para saber mais sobre este Falcão de duas rodas.
Slideshare: Possibilidade de descarregar Manual da primeira geração (503 páginas);
Hayabusa.org: Fórum com muita informação para ajudar os proprietários/as do modelo;
Cycleworld: origem do modelo, com muita informação, incluindo imagens;
Suzukihayabusa.org: Mais um fórum dedicado ao modelo, nas suas diferentes gerações;
Hotcars.com: Análise à evolução do modelo, ao longo das suas gerações;
Clubehayabusa: grupo português da rede social Facebook.
Para o próximo número vamos terminar as crónicas! O final do ano está mesmo aí! Pelo meio vamos ter mais um Natal, mas a 40ª será mesmo a última, cumprindo assim o compromisso que fiz convosco. Finalmente, vamos abordar uma marca mítica e um modelo pelo qual sempre tive um carinho muito especial. Gosto de lhe chamar “o rapazinho badocha”, numa tradução muito pessoal. É fácil adivinhar a marca e o modelo. Até sexta-feira!
Feliz Natal
Texto: Pedro Pereira