Nota Introdutória:
Como previsto, a semana passada a nossa atenção recaiu sobre uma moto diferente e inesperada! A mal-amada, pelo menos durante vários anos, BMW K1. Uma moto plena de inovações, várias delas que vieram depois a tornar-se standard no mundo das motos, mas que o mercado não recebeu bem pelas razões que já enunciámos. A eleita desta semana surgiu no mercado pouco tempo depois e vinha com um objetivo claro e simples: ser a moto de produção em série mais rápida do mundo!
Lembro que entramos agora em definitivo na nossa última etapa. Motos com mais de 1000 cc, desportivas ou não, são já motos de elevada cubicagem, com valores assinaláveis de potência e/ou binário em que as performances e os custos andam de mãos dadas! Estamos quase no final e só ficam a faltar, depois desta, mais 4 crónicas!
Recordam-se de termos falado, na crónica anterior, do acordo de cavalheiros na Alemanha de tentar cumprir os 100 cv nos motociclos e de também os burocratas de Bruxelas terem planos de, na Europa Comunitária, virem a impor uma limitação de potência nas motos? Pois a verdade, nua e crua, é que a Kawasaki com o lançamento da sua espetacular ZZ-R 1100 esqueceu simplesmente esse acordo e trouxe para o mercado uma turística/desportiva incrível, digna herdeira da ZX-10 “Tomcat”.
Foi este modelo, comercializado apenas entre 1988 e 1990, que serviu de balão de ensaio para o que aí vinha! Era tetracilíndrica (997 cc), potente (cerca de 137 cv às 10.000 rpm), com elevado binário (105 nm às 9.000 rpm), rápida (próximo dos 270 km/h) e tinha um conforto francamente aceitável, sendo que apenas o peso algo elevado (mais de 250 kg em ordem de marcha) destoava.
Estava aqui uma bela herdeira da GPZ 900 que Tom Cruise usou em Top Gun e sobre a qual já falámos na crónica da ZX-R 750. O próprio apelido Tomcat não foi uma escolha inocente! É a designação comum daquele que é, provavelmente, o avião do tipo caça mais popular do mundo! O sempre especial F14 Tomcat!
Com tantos predicados e atributos não deixa de ser curioso porque uma marca japonesa, tendencialmente conservadora, manteve no mercado a ZX-10 apenas 3 anos! Talvez nem sequer tenha tido vendas suficientes para pagar o investimento no modelo! Seria interessante ouvir a explicação de Akashi, mas não peço tanto!
Na minha perspetiva há dois motivos essenciais para esse facto:
A fortíssima concorrência (Suzuki 1100 GSX-R 1988, BMW 1000 K1 1988, Honda CBR 1000F de 1987…) que não dava tréguas e obrigava a marca a ter que se reinventar para manter vendas e não ficar para trás num nicho de mercado muito interessante, não apenas pelas vendas, mas como montra publicitária.
O desejo de lançar uma moto verdadeiramente especial (relembro que noutros mercados, por exemplo nos EUA, o modelo é conhecido por ZX-11 Ninja), capaz de envergonhar toda a concorrência em termos de prestações e, ao mesmo tempo, garantir níveis de conforto aceitáveis e até algumas caraterísticas de moto turística, mas sempre com performance de eleição.
Relembro ainda que a marca usou a designação ZZ-R em pelo menos mais duas declinações:
A ZZ-R 600, produzida a partir de 1990, e conhecida por ser a primeira 600 a atingir a “barreira” dos 100 cv num motor de 600 cc, bastante popular no nosso país, mesmo na atualidade. Tem uma estética com nítidas semelhanças à sua irmã mais velha e já a mencionámos aquando da CBR 600.
A ZZ-R 250, que também chegou ao mercado em 1990 e era o Benjamim da família, sendo que os seus quase 40 cv, extraídos do pequeno bicilíndrico de 248 cc por volta das 12.000 rpm, lhe davam um encanto especial! Estive comprador de uma! Relativamente rara no nosso país, o dono teve um acidente com ela antes de fecharmos negócio!
Para que se tenha uma noção dos preços, tomando por referência 1990, a ZZ-R 250 custava 945 contos, a 600 implicava 1290 contos e a 1100 tinha um preço de 1849 contos. Ou seja, a marca tentava abarcar vários segmentos de motos de cariz turístico/desportivo com o mesmo nome de família.
N.º 36: Kawasaki ZZ-R 1100
A novíssima ZZ-R 1100 foi apresentada ao mundo no Salão de Paris de 1989 e causou uma forte impressão por várias razões, incluindo ter o epíteto de moto de série mais rápida do mundo e estar munida de um conta-km cuja escala terminava nos 320 km/h! Uma verdadeira barbaridade para há mais de 30 anos e um número que continua a impor muito respeito na atualidade, por razões mais que óbvias!
Basta pensar que o limite máximo em Portugal são uns discutíveis 120 km/h e que a ZZ-R 1100 atinge com inusitada facilidade o dobro (reais), sem grande perda de fôlego e mais não escrevo! Claro que estes valores são obtidos num aeródromo ou numa autobahn alemã!
A que vos apresento esta semana é um magnífico exemplar de 1991 e aproveito para fazer um agradecimento público ao Francisco por este belo exemplar, num estado francamente bom e com algumas pequenas modificações, mais ou menos visíveis, mas com efeitos no resultado final.
Nota de destaque para a baixíssima quilometragem (pouco mais de 33.000 km) o que para uma moto com mais de 30 anos faz dela um exemplar mais cobiçado, mesmo que a decoração seja bastante discreta. Aliás, a marca de forma muito inteligente foi variando as decorações, coexistindo umas exuberantes com outras mais sóbrias.
Se olharmos para os manómetros, lá estão marcados os 320 km/h (a velocidade real máxima andará na casa dos 280 km/h) e a zona proibida que apenas começa às 11.500 rpm. Também é visível um útil indicador da mudança engrenada e suporte de telemóvel, neste caso um Ram Mount. Modernices que fazem sentido e em nada afetam o estilo da moto.
Esta moto tem a sorte de ter um dono com profundos conhecimentos de mecânica, que lhe assegura uma manutenção cuidadosa e fez, por exemplo, uma alteração estética reversível, mas que altera bastante a estética: pintou o quadro de dupla trave perimetral em alumínio com tinta, tipo Plasti Dip e o resultado é soberbo, além de evitar algum desgaste/corrosão que o alumínio já vai manifestando com os seus mais de 30 anos de vida.
Mas há mais elementos diferentes da origem: salta à vista as ponteiras de escape não originais. As que vinham com a moto têm tendência a apodrecer, são difíceis de encontrar e muito caras. Também a suspensão dianteira (ponto fraco do modelo) foi alvo de melhoria com a adoção de outras bainhas e molas progressivas, melhorando muito a segurança na condução de uma moto que tem na velocidade de ponta um argumento incrível. Mesmo a travagem é algo curta para tanta moto… e tanto peso!
Olhando com atenção, também se vê que o ecrã dianteiro é um pouco mais alto que o original, melhorando muito o conforto, sobretudo quando se anda mais depressa…
O motor tetracilíndrico, com refrigeração a água e a óleo, de 1052 cc debita cerca de 147 cv às 10.500 rpm e tem um binário máximo de 112 nm, obtido às 8.500 rpm. Ou seja, um verdadeiro colosso em todos os sentidos!
A moto, com todos os fluídos e depósito cheio (21 litros) é e sente-se pesada! São cerca de 270 kg! Um valor de respeito a que o sistema de travagem, dois discos dianteiros de 310 mm e 4 pistões e um traseiro de dois pistões de 250 mm têm alguma dificuldade em parar, sendo que não há ajudas eletrónicas. É a moto em estado puro e o condutor!
Falar de consumos, é algo relativo. Fruto do elevado binário, é possível com moderação consumos de 5 ou 6 litros, mas a média será mais acima, tipo 7 ou 8, sendo que entrar em valores de 2 dígitos não é difícil! Os 4 carburadores Keihin de 40 mm têm que saciar a besta!
O próprio equipamento pneumático tem dificuldade em lidar com tanto fulgor! Conta à frente com um pneu 120/70×17 e atrás um gordo 170/60×17 que numa condução mais agressiva desaparece rápido! Ao que consta, muito depressa, mesmo!
Ainda hoje continua a ser bastante apreciada, mas há cuidados a ter na aquisição de um exemplar, mesmo com bom aspeto. Logo para começar, são conhecidos muitos casos de consumo de óleo e há que estar atento. Outra caraterística desta primeira geração (letra C, sendo o 1C de 90, o 2C de 91 e o 3C de 92) é que o motor é “perigosamente” forte nos médios regimes, tipo 6.000 ou 7.000, algo que foi alterado na geração seguinte.
Também a posição de condução, para uma moto com algumas aspirações turísticas, é alvo de queixas, em especial a proteção aerodinâmica, mas quando rodamos a chave e começamos a conduzir… esquecemos tudo isso! Para um projeto com mais de 30 anos a moto é um estrondo e o motor continua a fazer-nos sorrir, mesmo quando a embraiagem tem dificuldade em lidar com tanta potência! Até o passageiro tem um lugar espaçoso e com um razoável nível de conforto!
Evolução da ZZ-R 1100 até ao final do milénio
Quando chegou ao mercado, no início do ano de 1990, rapidamente encontrou adeptos na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina ou no Canadá! As suas incríveis performances, o razoável conforto e capacidade de rolar quase sem limites (não considerando o depósito inicial de 21 litros que facilmente se torna curto para viajar) fizeram dela um objeto de desejo. Não era uma moto de circuito ou de track-days, mas para viajar muito rápido era uma escolha incontornável!
Atenta aos consumidores no ano de 1993 a marca efetuou a sua primeira profunda reformulação ao modelo. Até a designação da letra passou a ser diferente, tendo sido adotada a letra D. Em 1993 D1, em 94 D e assim por diante.
Uma das primeiras e notórias alterações foi a proteção aerodinâmica que foi bastante melhorada, mas foram feitas muitas outras alterações, sem chegar a ser uma moto nova. Aquela que talvez seja mais conhecida foi a adoção de um sistema de twin ram air, ou seja, indução de ar fresco no motor, com duas entradas por baixo do farol dianteiro, implicando também uma maior caixa de ar.
O objetivo não era ter mais potência, a ZZ-R já tinha de sobra, era tornar o motor mais linear, nomeadamente naquela faixa de potência que já mencionámos antes e objetivo acabou por ser atingido, sem que o motor perdesse o seu caráter e potência. Tornou-se mais amigável e igualmente potente, sendo até um pouco mais cheio ao longo das rotações.
Também os novos silenciosos do escape são completamente diferentes face ao modelo anterior e as duas ponteiras passaram a ser cromadas, dando um aspeto mais cuidado, quase premium, embora há quem prefira as do modelo original, por serem mais discretas.
Também a caixa de velocidades sofreu algumas alterações, incluindo um novo seletor, de modo a tornar o seu manuseio mais silencioso e preciso. Foi finalmente adicionada um prático indicador de combustível e o próprio depósito viu a sua capacidade aumentada para 24 litros.
Outra importante alteração foi a revisão do sistema de travagem, muito criticado na geração anterior. A adoção de uns discos de 320 mm e do tipo flutuante teve um efeito muito positivo na travagem e as alterações no quadro, nomeadamente uma maior distância entre eixos (1495mm em vez dos anteriores 1480mm), melhorou a estabilidade geral, mesmo reduzindo ligeiramente a agilidade.
As próprias suspensões dianteiras Kayaba de 43 mm de diâmetro foram alvo de melhoria e até o amortecedor traseiro foi modificado ao nível da mola de pré-carga, tornando a moto mais fácil e efetiva de conduzir, mesmo em situações mais próximas dos limites.
Para muitos fãs do modelo é, provavelmente, a geração mais apreciada, até por causa dos novos padrões de cores e a principal crítica é um indesejado aumento de peso, pelo menos mais 10 kg, mas não se pode ter tudo!
Daí para a frente as alterações, tirando as de natureza mais estética, não foram significativas. Mais pequenos melhoramentos, como um relógio digital em 1995, um ligeiro aumento de potência em 1997 para dar resposta à Honda XX e em 2001 a produção da ZZ-R 1100 cessa de todo e no ano seguinte surge um novo modelo (ZZ-R 1200), mas essa história ficará para outra vez.
Esta Kawasaki marcou indelevelmente a década de 90 e a própria história do motociclismo. A sua estética peculiar, a forma como conjugava desportividade com algum conforto e, sobretudo, o seu poderoso motor ainda hoje continuam a fazer suspirar muita gente!
A maior parte das fontes de informação não são portuguesas, embora o modelo tenha fãs em Portugal, apresentando-se agora alguns pontos de pesquisa.
Ontheblackwheel: análise para uma contextualização do modelo e da febre da velocidade;
jb-power.com: exemplo do que é possível fazer neste modelo para o melhorar;
ZZRBikes: fórum destinado aos fãs da ZZ-R;
Motorcyclenews: muita informação detalhada, incluindo testemunhos de proprietários;
Classicmotorbikes: análise e evolução detalhada do modelo;
Motorhead: manual que pode ser útil. Para modelos de 1993 em diante. É de livre acesso.
Para o próximo número vamos manter-nos cilindrada! A moto que vamos apresentar é uma sua concorrente direta, que chegou ao mercado mais tarde. Foram precisos alguns anos para preparar uma resposta à altura, que não deixasse dúvidas que estava no mercado uma moto de série ainda mais rápida e potente! Não é difícil perceber a que moto me refiro, pois não? Até sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira