Nota Introdutória:
Agora que chegamos às 250 cc, ou um quarto de litro, é inevitável começarmos também a abordar os motores a quatro tempos, tendencialmente mais económicos, ainda que com uma performance inferior, mas já bastante comuns nas últimas décadas do século passado, sobretudo em motos utilitárias ou mesmo de aventura, mas sem demasiadas ambições em desempenho puro.
Naturalmente que as motorizações a 4 tempos também podiam ter sido logo apresentadas nas 125 ou mesmo nas 50, mas considerei que eram relativamente pouco representativas da realidade nacional e decidi esperar pelas 250, sendo que à medida que formos subindo de cilindrada vamos ter o fenómeno oposto: a predominância das 4 tempos e o desaparecimento de motores a 2 tempos.
Da minha parte posso parecer suspeito e até ter um certo “fraquinho” pelos motores de ciclo mais simples, com menos peças móveis e muito fáceis de reparar. Porém, sou o primeiro admitir que as motorizações de válvulas vieram para ficar e os japoneses deram um importante contributo, nomeadamente a Honda, que já detinha um profundo domínio deste tipo de motorização quando lançou o modelo desta crónica.
Naturalmente que num pequeno monocilíndrico de 250 cc de ciclo 4 tempos (admissão, compressão, explosão e escape) não iremos encontrar prestações de referência. No mundo real, uma 125 de perfil mais ou menos aventureiro, como a DTR que apresentámos a semana passada, consegue um desempenho de motor ao mesmo nível ou até um pouco superior com metade da cilindrada e um motor de construção muito simples e com bem menos peças!
Aliás, a própria Honda comercializou, ao mesmo tempo da NX 250 a CRM 125 que é capaz de prestações muito interessantes do seu explosivo motor, menos peso e até o preço de aquisição era bastante menor. Naturalmente que ao nível dos consumos a realidade é completamente diferente, mas essa é uma caraterística intrínseca dos motores que geram potência a cada volta completa da cambota, acabando por consumir mais do precioso néctar.
Porém, a diferença de preços era notória. A fazer fé nas revistas da época, em 1995 a CRM 125 custava 595 contos e a NX 250 980 contos, ou seja, a caminhar para próximo do dobro!
Gosto bastante desta cilindrada nas 4 tempos: são motos, em regra, dóceis, muito fáceis de conduzir, estão isentas de IUC, mesmo as mais recentes. Por outro lado, há uma razão antiga que aproveito para partilhar, contando mais uma história na primeira pessoa:
Quando fui fazer o exame de condução à então Direção-Geral de Viação (DGV) a escola tinha para os exames uma vetusta BMW R27 de 250 cc que nunca tinha visto. Só achei estranho o arranque (a pedal) ser transversal ao motor, mas nada de grave. Já quase no final da prova, num entroncamento que não conhecia, parei porque havia uma estrada à direita e com um carro lá também. Mesmo não tendo “stop” quis cumprir a regra da prioridade, mas o outro carro (de instrução) não avançava, nem eu!
Depois de algum compasso de espera foi o examinador que gritou do carro bem alto, algo deste género:
– Arranca ó fdp! O outro carro tem um “stop”!
Fiz o regresso à DGV sempre na “esgalha”, mais que convencido de que ia chumbar e logo eu que conduzia em duas rodas há muito tempo! Quando o examinador me entregou a folha/guia com um carimbo azul até suspirei de alívio, mas levei nova reprimenda, tal como tinha levado anos antes e já contei na crónica da Casal Boss:
– Não tenho dúvidas que sabes andar de moto, mas espero que conduzas mais devagar no futuro!
Passados todos estes anos, muitos, assumo que a idade é boa conselheira e como muitos de vós, continuo a gostar imenso de andar de moto, independentemente do estilo ou da cilindrada. Tento não levar as coisas demasiado a sério e a resguardar-me mais até porque quando andamos de moto, seja a conduzir ou à pendura, estamos bastante expostos e eu, como muitos de vós, já tenho alguns ossos fraturados e mazelas para toda a vida. Gosto de lhe chamar vivências…
N.º 11: Honda NX 250
A Honda NX 250 (Dominator) chegou ao mercado no final da década de 80, mais precisamente em 1988 e foi muito bem recebida pelo público, incluindo em Portugal, sendo que mesmo na atualidade é ainda bastante comum e até vulgar. A comercialização prolongou-se por vários anos, mas a produção da pequena nipónica acabou em 1994, embora existem motos matriculadas bem depois dessa data, como esta.
O facto de ter sido muito usada por estafetas é indicador de várias coisas: que eram realmente robustas, fiáveis e económicas (os consumos são mesmo de passarinho), mas também contribui para que apareçam exemplares de elevada quilometragem ou que haja queixas da falta de fiabilidade quando na realidade os km’s são diferentes dos declarados ou a manutenção foi descurada e aí não há milagres…
Era uma espécie de “Irmã do meio” entre a pequena NX 125 (Transcity) ou a gigante NX 650 Dominator. Curiosamente, a 250, desde o início da sua comercialização, sempre veio com motor de arranque (algo que não aconteceu na fase inicial da 650) e os japoneses não se limitaram a “aproveitar” o motor da XR 250. Foram as 3 lançadas na mesma altura, mas foi a 650 que esteve mais tempo no mercado, chegando a ser produzida até ao início deste século.
Aquela que apresento neste número é um bonito exemplar matriculado em 1995 e tem uma decoração bastante discreta, sendo que, ao longo da sua vida, existiram muitas opções cromáticas distintas que vão desde as conservadoras, azuis, brancas ou vermelhas até umas bem mais flamejantes onde se inclui a cor roxa e a fúcsia!
Esta nunca foi alvo de nenhum restauro e mesmo os autocolantes que restam são os originais, mas, por exemplo, a proteção plástica (parece metal, mas não é) do cárter/motor já foi pintada. O facto de ter, como se vê na foto, pouco mais de 35.000 km e uma vida fácil também ajuda ao bom aspeto geral. Também salta à vista o suporte do topcase, que o selim já foi estofado e se perdeu o bonito logo Honda a vermelho nas laterais e os autocolantes das tampas laterais/malas.
Pode considerar-se como uma verdadeira crossover ou dual-sport (bem antes do sucesso dos SUV nos automóveis), talvez numa lógica de 80% asfalto e 20% fora dele, mas não se pode exigir demais da mesma fora da estrada, até porque o curso das suspensões é relativamente reduzido e o guarda-lamas dianteiro é uma “ratoeira” para a terra batida…
Ao contrário das suas irmãs, na 250 a Honda foi mais generosa e, por comparação, tem refrigeração líquida, é multiválvulas (“respira” melhor nas rotações mais elevadas), tem uma excelente caixa de 6 velocidades e arranque elétrico. Até em termos de instrumentação é relativamente generosa e inclui um pequeno indicador luminoso para a temperatura. Porém, se alguma vez o mesmo acender, é natural que seja tarde demais e tenha ocorrido um problema grave.
Ainda que tendo apenas uns 25 CV (obtidos por volta das 8000 rpm) e um valor de binário quase igual e possam parecer números modestos, o facto é que a sua velocidade de ponta é simpática, na casa dos 130 km/h. Se associarmos os baixos consumos (na casa dos 3 litros numa condução descontraída), o reduzido peso (cerca de 130 kg com o depósito cheio) e um bom nível de conforto, temos os ingredientes para uma boa companheira, ideal para quem procura uma “motinha” muito fácil de conduzir económica e com uma estética que não desilude.
Por falar em estética, para o melhor ou para o pior, é muito comum que este modelo seja aproveitado para muitas personalizações, nomeadamente para a criação de scramblers em que a base é interessante e o motor robusto. Relativamente às (hipotéticas) futuras inspeções… não faço ideia! Apenas sugiro que antes destas alterações ponderem se as mesmas são reversíveis e tentem guardar as peças originais… se existirem!
De destacar que existiu uma versão para o mercado doméstico e Austrália chamada AX-1 com 3 grandes diferenças: dois faróis dianteiros, rodas com braços em vez de raios e a mais importante de todas: travão traseiro de disco, algo que seria muito bem recebido na NX normal e nunca chegou, infelizmente!
Nem tudo são rosas na NX 250…
Posso não ser isento na apreciação que faço desta moto. Em rigor, não sou, nem quero ser isento em nenhuma das minhas crónicas já que são sobretudo de divulgação, partilha de experiências e não tanto centradas em descrições técnicas mais ou menos rigorosas. Ou seja, mais emoção e menos razão. Além disso, são sempre escolhas pessoais, podendo não ser as mais representativas do mercado ou as mais valorizadas. Espero que percebam que são as minhas escolhas!
Porém, não posso deixar de destacar que na simpática NX existem alguns aspetos menos positivos para os quais importa estar atento, mais ainda se alguém estiver a ponderar a aquisição de uma ou já a possuir e não estiver alerta. Não pretendo assustar ninguém, mas é minha obrigação moral partilhar convosco algumas ideias sobre este modelo com o qual convivi de muito perto e bastante tempo.
A primeira questão tem mesmo a ver com o guarda-lamas dianteiro. Nem que seja apenas para fazer umas pistas mais fáceis é preferível colocar um que tenha uma maior altura ao solo. Basta “entrar” uma pedra ou um arbusto entre o guarda-lamas e o pneu para resultar numa queda. Também pode ser conveniente para um uso mais radical retirar preventivamente os piscas, bem como os espelhos retrovisores, como é óbvio.
Por falar em indicadores de mudança de direção (ou simplesmente piscas) os originais são de uma fragilidade extrema e como são rígidos… pior ainda! Parece que se partem quase que só com o pensamento! Aliás, a NX que vos trago hoje tem uns minúsculos (o efeito carbono é de gosto questionável) por isso mesmo, além de que encontrar originais não é fácil e talvez nem seja muito recomendável.
Outra singularidade da NX são os pneus. As medidas são “uma carga dos trabalhos” e a oferta pouca. Aliás, à frente não é assim tão complicado (100/90-19) agora na roda traseira o caso é outro. A medida da jante é 120/90-16 e existem poucas marcas a disponibilizar pneus dessa medida e, goste-se ou não, os Bridgestone Trail Wing acabam por ser uma escolha quase incontornável.
É comum os escapes desta época, ao nível das ponteiras, não serem muito duradouros e acabarem por “apodrecer”. Aliás, numa das fotos vê-se a moto com um escape que ali tinha sido “adaptado” (de uma Gilera, creio). Encontrar um novo é quase impensável pela dificuldade e eventual preço. A melhor opção, para quem pretender manter algo mais original, passa por recorrer ao apoio de uma casa especializada para “reconstruir” o escape original, mantendo até a pequena proteção térmica.
Convém ter presente que estas motos, já não tão jovens, podem necessitar de “mimos” a qualquer altura e partir dos 20 anos após o fim da comercialização pode começar a ser problemático conseguir algumas peças. Um exemplo é o tensor de distribuição que foi necessário trocar e teve que vir “do outro lado do mundo”. Foi adquirido numa concessão da marca, mas demorou bastante tempo.
Porém, o mais delicado em toda a NX 250 (e noutras motos da época Honda e não só) é outra coisa: chama-se CDI (capacitor discharge ignition ou ignição por descarga capacitiva). Esta pequena “caixa negra” costuma ser o Calcanhar de Aquiles deste modelo e uma fonte indesejada de problemas que, em casos mais graves, levam a que moto simplesmente deixe de funcionar.
A sua reparação é praticamente impossível, embora haja tentativas nesse sentido. Por outro lado, as ofertas que existem vindas da China costumam ser lixo e mesmo que sejam baratas acabam por ser caras por não resultar. No Japão chegou a ser produzido uma versão melhorada pela Shindengen, mas a produção acabou há muitos anos e são também escassos.
Resumindo, se tiver uma NX e o funcionamento se tornar irregular pode ser essa a origem. Se tiver oportunidade, de comprar um de outra moto, por exemplo de uma que foi desmantelada e o preço for razoável, não perca a oportunidade, mas antes avalie o bom estado do mesmo para não correr o risco de comprar “gato por lebre”.
Ou faz o teste com um multímetro ou toma uma opção mais radical e igualmente segura: simplesmente leva consigo a moto, alguma ferramenta e desmonta o da sua moto e coloca lá o outro. Depois logo vê o resultado. Não basta ver se a moto funciona ao dar rodar o motor de arranque. É fundamental andar um bocado para ter mais certezas.
Aparte estes detalhes e os habituais cuidados em termos de manutenção preventiva e de desgaste, a Honda NX continua a ser uma excelente opção para quem procura uma moto de baixa cilindrada que dificilmente o/a deixará ficar mal e a prova disso é que se encontra facilmente em muitos outros países por esse mundo fora.
As fontes de informação em português para este modelo são escassas e o que temos é sobretudo noutras línguas:
NXForum: referência incontornável. Site alemão, mas com muita informação em Inglês;
AdvRider: Este fórum tem um tópico com quase 800 páginas (!) sobre a NX 250;
TrailAventura: tem um tópico com várias páginas sobre este modelo;
CMSNL: site holandês, especializado na venda de peças, também para este modelo;
Bikez.com: tópico com uma série de perguntas e respostas sobre este modelo;
Motostrail: fórum espanhol com informação útil sobre a NX 250.
Para o próximo número vamos continuar nas motos de um quarto de litro, mas regressamos às motorizações de ciclo a 2 tempos. Rápida, nervosa e até algo perigosa, assim será a nossa próxima escolha. Resta esperar pela próxima sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira