Nota Introdutória:
Como previsto, a semana passada abordámos a minha única escolha na categoria 800 e logo uma moto muito especial como foi e continua a ser a BMW R80G/S. Vamos agora trepar para a categoria de 900 cc, sendo que vamos regressar ao Japão com muita alegria porque a CBR 900RR, também conhecida como Fire Blade (lâmina de fogo) veio “incendiar” o mercado das motos desportivas, ficando a meio caminho das 750 e das 1000 cc, acabando por competir com ambas as cilindradas e tinha bons argumentos para isso!
Para percebermos a importância e o caráter inovador da “Lâmina de fogo” vamos fazer, como em muitos outros casos, uma contextualização que nos vai ajudar a perceber esta jogada de mestre e o papel do genial Tadao e a forma brilhante como aceitou o desafio de lançar uma RR (race replica) diferente de tudo o que existia e o futuro veio mostrar que a Honda tinha razão!
No final da década de 80 as SBK estavam a ser cada vez mais populares e radicais, incluindo a Honda com a sua RVF750 (RC45) mas o limite da cilindrada (750 cc) dava vantagem às bicilíndricas italianas que podiam ir fazendo aumentos graduais na cilindrada… e quase cilindrar as tetracilíndricas japonesas, sobretudo nos baixos e médios regimes!
Por outro lado, na categoria acima, de 1000 cc ou mesmo mais, as motos eram muito radicais, potentes, pesadas e caras, de tal modo que estavam praticamente fora do alcance da maior parte dos consumidores e a luta por cada vez mais potência implicava mais custos, menos agilidade e os consumidores procuravam algo diferente.
A Honda teve uma ideia arrojada e que acabou por implementar, depois de a amadurecer: lançar para o mercado uma moto ligeiramente diferente do que existia, subindo de cilindrada face às 750, mas não chegando aos exageros das 1000 cc!
Foi em novembro de 1991 que no Salão de Milão a marca da asa dourada apresentou a sua nova superdesportiva, mas com um peso pluma de apenas 185 kg a seco e uma distância entre eixos de apenas 1.405 mm, ou seja, o equivalente a uma 600 cc, mas com 893 cc!
As ondas de choque não se fizeram esperar! A concorrência tinha sido apanhada de surpresa! A Honda acabava de fazer algo similar ao que a Suzuki com a sua GSX-R 750 tinha feito na década anterior! Uma moto hiper compacta, potente, leve e se é verdade que os seus 123 cv não eram recordistas… basta perceber que dividir 185 por 123 lhe dá uma relação peso potência espetacular de 1,5 kg/cv!
A própria velocidade de ponta, ajudada por uma posição de condução muito radical, com o peso muito colocado à frente e escondidos atrás da carenagem permitia valores reais a rondar os 260 km/h o que fazia dela uma moto muito especial, conseguindo jogar em ligar diferentes: a das 750 cc e a das 1000, o que se revelou um grande feito de vendas, também em Portugal.
De tal modo que a concorrência teve pensar na melhor estratégia para fazer frente à espetacular lâmina de fogo e as futuras evoluções do modelo seguiram a mesma linha de orientação da original de 1992, como se pode ver no vídeo seguinte:
Até 2020:
N.º 32: Honda CBR 900RR
Recordo-me ainda com relativa nitidez da primeira vez que vi uma e fiquei boquiaberto! A moto era toda ela compacta e mais parecia uma CBR 600 com esteroides! Não fora o facto de ter 2 faróis dianteiros e mais alguns detalhes, como as suspensões ou as carenagens perfuradas (em cima e em baixo) quase se podia dizer que eram falsas gémeas!
Só mais tarde a pude experimentar e fiquei rendido, mais ainda se comparada com a minha CBR 600 da altura. A 900 era mais compacta, mais exigente na filosofia, na posição de condução e no comportamento, mas o motor, associado à leveza e maneabilidade de todo o conjunto, faziam dela uma moto de sonho, sobretudo para quem conseguia andar mesmo rápido, mas não era o meu caso, até porque a CBR 900 RR era uma moto bastante egoísta e com poucas cedências ao conforto, sendo que o lugar do passageiro é meramente simbólico.
A que vos apresento esta semana, obrigado ao Cláudio e a toda equipa da Art on Wheels Garage, é um espetacular exemplar matriculado em 1993 e está num estado de colecionador, mas por uma razão óbvia: foi desmontada até ao ínfimo parafuso!
É uma daquelas motos que teve a sorte de ganhar uma vida nova, quase ao nível de como quando saiu da casa mãe! A maior parte das motos não tem esta sorte e nem precisa, mas um trabalho bem feito consegue garantir que a moto pode, facilmente, durar outro tanto tempo e redobrar as alegrias que já deu nestes 40.000 km!
Perguntei, por brincadeira, qual o valor da venda deste magnífico exemplar e a resposta foi a esperada: esta moto é vendável, mas para um cliente específico! Que sabe exatamente o que procura e que está disposto a pagar por isso, mesmo sabendo que lhe pode custar o dobro de um exemplar num estado normal!
Quando foi adquirida acabou por ser alvo de um restauro profundo a todos os níveis, mecânico incluído e há de facto peças em que é complicado encontrar material, caso da panela de escape/silenciador que custou uma pequena fortuna, mas já não se encontra na marca. Afinal de contas, passaram cerca de 30 anos!
A moto parece praticamente nova! Tirando um ou outro pequeno pormenor, não se vê qualquer marca de desgaste ou utilização e sabemos que, em condições normais, o próprio motor está com as tolerâncias de fábrica e pronto… para a rodagem!
Uma pessoa mais alta, ao sentar-se no cockpit, vai sentir-se algo acanhada, mas é mesmo assim! Tudo foi pensado para que esta superdesportiva fosse compacta, incluindo, por exemplo, os mostradores de pequena dimensão em que a velocidade máxima indicada é de 300 km/h (sim, vejam bem) e a zona vermelha começa só às 11.000.
Ainda sobre a performance da moto, a sua potência máxima de cerca de 123 cv era atingida às 10.500 rpm e o pico de binário 88 nm surgia às 8.000 rpm, ou seja, apesar de ser um motor relativamente “grande” e com um curso de 70 x 58 mm adorava as rotações mais elevadas e aí os 4 Kehin de 38 mm tinham que se esforçar para satisfazer o apetite voraz do motor.
Para o comum dos mortais, se esquecermos que é uma moto bastante radical, consegue-se conduzir até com relativa facilidade, sendo que o motor é até bastante amigável e disponível logo a rotações mais baixas, tipo 5.000 ou 6.000, mas o facto é que é no último terço do taquímetro que tudo acontece e há detalhes, caso das suspensões dianteiras, ainda sem regulação, que podem não estar à altura do resto do conjunto.
Evolução sumária da 900 RR até ao fim do milénio
Depois de 2 anos em que as vendas foram francamente positivas na Europa e nos Estados Unidos a Honda percebeu que tinha que fazer evoluir o modelo, mais que não fosse para conseguir manter o protagonismo que ganhara com a geração anterior, mesmo sabendo que o preço não era praticamente uma pechincha.
Em Portugal, em 1994, já com a nova geração, uma CBR 600F custava 1670 contos, uma CBR 1000F custava 2120 contos e a 900 RR conseguia ser ainda mais cara: 2200 contos, de preço de tabela!
Assim, a nova geração vem agora com suspensões dianteiras reguláveis e as óticas são diferentes, ganhando agora a alcunha de “olhos de tigre” e deixando de ser completamente separadas como na primeira geração. A obsessão pelo peso continua usando mais alumínio e magnésio.
A concorrência podia ter demorado algum tempo a despertar para a categoria 900, mas chegou lá! Que o diga a importante concorrente Kawasaki ZX-9R! Não tinha o peso-pluma e agilidade da 900 RR, pesando mais quase 30 kg, mas também tinha um motor bastante mais potente, debitando mais cerca de 20 cv. O preço também não as diferenciava grandemente, sendo a Kawasaki mais cara ao apresentar um preço final de 2390 contos.
Ou seja, a segunda geração recuperava grande parte dos predicados da anterior: não nos interessa ter a moto mais potente do segmento, a mais confortável ou a mais versátil! O que queremos é que seja a superbike mais leve na categoria das 900 e que tenha uma geometria e agilidade que nenhuma das suas concorrentes seja capaz de ultrapassar.
Assim, chegados a 1996 a marca fez o óbvio e evoluiu uma vez mais a sua 900 RR, sendo que nesta terceira geração as mudanças foram mais sentidas, indo muito para além dos padrões estéticos dos caraterísticos “olhos de tigre” e da panela de escape em inox que manteve nas gerações seguintes.
A alteração mais “palpável” acabou por ser um ligeiro aumento de cilindrada para 918 cc, passando a relação curso/diâmetro agora a ser de 71x 58 mm, o que levou a potência a aumentar para cerca de 128 cv, ao mesmo tempo que se mantinha o controlo apertado no peso, passando agora o valor declarado a ser de apenas 184 kg, ou seja, aumentou a cilindrada, mas reduziu-se o peso!
A última geração antes do fim do milénio, a quarta, surgiu em 1998. Manteve-se a mesma cilindrada do motor, mas com alterações internas a potência subiu para os 130 cv, ao mesmo tempo que foi possível baixar o peso a seco para uns inacreditáveis 179 kg!
Vamos ficar por aqui. A CBR 900 RR continuou a sua senda de sucesso e um lugar na história, mas a barreira do ano 2000 é para cumprir…
A maior parte das fontes de informação não são portuguesas, mas há exceções, caso do Fórum CBR Portugal ou da Revista n.º 17 da Motos Clássicas & Vintage que um extenso artigo sobre os 20 anos do modelo. De qualquer modo, a maioria da oferta sobre o modelo é noutras línguas, apresentando-se agora alguns pontos de pesquisa.
CBRPortugal: fórum nacional e bom ponto de partida sobre a família CBR, no global;
CBR1000RR: história do modelo em imagens desde o início, em alemão;
Motorcyclespecs: descrição detalhada da primeira geração;
Motorcyclenews: historial detalhado dos primeiros 25 anos do modelo;
CBRForum: fórum para todos os entusiastas da família CBR. Muita informação sobre a 900;
Fireblades.org: mais um fórum, mas dedicado em exclusivo às fireblade;
Para o próximo número vamos continuar nesta cilindrada, mas voltamos à europa e logo para as ilhas britânicas, onde ainda não fomos! Vou apresentar-vos uma marca muito especial e com um historial riquíssimo. O modelo que vamos destacar representa, de certa forma, o ressuscitar da marca e o seu motor foi usado em diversos modelos da marca. Fazem ideia de que moto estou a falar?! Até sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira