Nota Introdutória:
Como previsto, a semana passada a nossa atenção recaiu sobre uma moto criada com um objetivo claro: ser a moto, de série, mais rápida do mundo! O objetivo foi atingido e mantido durante vários anos pela Kawasaki ZZ-R 1100, mas a concorrência acabou por reagir e subir ainda mais a fasquia. A resposta veio da concorrente Honda que, de certa forma, seguiu o mesmo conceito para lançar uma moto ainda mais potente e rápida e ainda mais direcionada para o sport touring, em versão hiper sport! É ela a homenageada desta semana!
Estamos mesmo no final do ano. O Natal está quase aí e pouco depois o fim de 2022. A nossa viagem pelas décadas de 70, 80 e 90 aproxima-se do fim a passos largos, mas as derradeiras motos são realmente especiais e todas elas têm muitos seguidores por esse mundo fora. No caso concreto da XX encontra-se com muita facilidade em Portugal e a preços relativamente contidos, sendo que é destinada a um utilizador muito concreto.
Aliás, neste momento é possível adquirir uma Super Blackird em bom estado, com uma quilometragem relativamente baixa, tipo até 50.000 km, de carburadores ou de injeção, ao preço de uma utilitária recente e a explicação é simples: esta Honda é fiável, robusta, relativamente cómoda, mas não deixa de ser uma moto pesada, volumosa, hiper potente e que convida a andar velozmente, talvez até demasiado depressa!
Recordam-se de, na semana passada, abordarmos a ZZ-R 1100 e a forma como “revolucionou” as motos com mais de 1 litro de cilindrada sendo, ao mesmo tempo, muito rápida, potente e até com um nível de conforto aceitável para condutor, passageiro e capacidade de bagagem? Pois a Honda quis ir ainda um pouco mais longe, sobretudo em números de potência e velocidade. Fazendo a analogia com os Jogos Olímpicos: Citius, Altius, Fortius ou “mais rápido, mais alto, mais forte”!
A XX foi apresentada ao mundo em setembro de 1996 e causou um impacto tremendo! Recordo-me perfeitamente de como os motards e a comunicação social, à época, falavam da moto, da estética inconfundível e da mítica capacidade de atingir os 300 km/h stock, pelo menos no indicador da velocidade, mesmo que a real ficasse um pouco abaixo dessa cifra, a rondar os 290 km/h!
A Honda levou o seu tempo para dar uma resposta contundente. Estudou bem a sua temível adversária, fez apurados estudos em túnel de vento, criou um motor muito potente, mas também redondo e amigável, menos bruto que o da marca da Akashi e nada foi deixado ao acaso! Até o nome do modelo!
A sigla CBR era óbvia, mas o resto vinha da aeronáutica: do Lockheed SR-71 Blackbird, um avião de reconhecimento estratégico, o mais veloz de sua época, capaz de voar a Mach 3, ou seja, 3 vezes mais rápido que a velocidade do som, algo como cerca de 3.500 km/h de velocidade de ponta!
A XX era suposto fazer algo parecido, mas no solo! E fazia mesmo! Numa extensa reta, com bom piso e sem vento, o condutor/piloto, bem protegido pela carenagem, conseguia e continua a conseguir ver o ponteiro a atingir a marca dos 300 km/h, algo que deixou perplexo o mundo das motos! Estava encontrada a nova rainha da potência/velocidade que qualquer um podia comprar!
Não que a moto fosse particularmente barata. Para se ter uma noção, no nosso país em 1997 custava 2150 contos e a ZZ-R 1100 custava ainda mais, ou seja, 2235 contos. Claro que era imenso dinheiro, mas era também a forma de poder ter uma moto com um estatuto que mais nenhuma moto de série tinha e com uma boa dose de conforto e capacidade de viajar, bem longe de algumas propostas radicais como a Suzuki GSX-R 1100, a Yamaha FZR 1000 ou a Ducati 996.
Vamos agora centrar a nossa análise neste modelo. O vídeo abaixo conta um pouco da história do modelo, cuja produção começou em 1996 e se prolongou até 2007.
N.º 37: Honda CBR 1100 XX Super Blackbird
Os números do “pássaro negro” impressionavam e de que maneira e não era apenas no papel! Num rápido olhar para a moto até podia parecer um cordeirinho, envolto numas bonitas carenagens, mas era só a pele! O lobo estava e continua por debaixo, mas vamos agora focar-nos nas suas especificações para perceber melhor isso!
O tetracilíndrico com duas árvores de cames e 16 válvulas tinha uma cilindrada de 1137 cc (mais 82 cc que ZZ-R 1100) e declarava uma potência estonteante de 160 cv, obtidos às 9.500 rpm, além de um binário máximo de 124 nm, obtido às 7.250 rpm.
Estes valores, para um moto atual, são obviamente elevados, mas não se podem considerar estratosféricos como na época, mas não nos podemos esquecer do óbvio: a tecnologia evoluiu imenso nestes anos, nomeadamente no que à segurança diz respeito.
A XX não tinha sistemas como o ABS ou o controlo de tração e muito menos modos de condução ou um sistema de medição de inércia de 6 vias! Apenas tinha travagem combinada (Dual CBS), uma invenção que ajudou a popularizar, mas era bem mais antiga. Vinha do tempo da Moto Guzzi da década de 70, tal como já falámos na apresentação da 750 S.
A que vos apresento esta semana é um magnífico exemplar de 1997, propriedade do António, a quem agradeço a disponibilidade, simpatia e conhecimento do modelo em causa. Aliás, é tão fã do modelo que até tem uma mais recente, já de injeção, o que lhe permite poder comparar na primeira pessoa as virtudes e defeitos do modelo com estes dois sistemas de alimentação bastante distintos e tudo o que isso implica.
Aliás, ele é o primeiro assumir que as diferenças são mais do que possa parecer, sendo que a versão carburada tem um comportamento mais bruto e viciante, além de que aquece bastante menos. Destaca também que os consumos da versão injetada são ligeiramente menores (a marca anunciava uma redução de 8%), mas falar em consumos nesta moto faz sentido se houver moderação no uso do punho direito. Caso contrário os 22 litros da geração 96-98 (carburada) vão-se num ápice! Torna-se uma moto muito sedenta com inusitada facilidade. Haja mãos e coração para o fazer!
Foram também ligeiramente alteradas as duas ponteiras dos escapes. O resultado é que se torna um pouco mais ruidosa e ainda mais viciante. Não é um pássaro, um avião ou mesmo o super-homem! É uma XX em que deixaram o som um pouco mais gutural, com tudo o que isso tem de bom e de mau!
Em 1999, com a segunda geração, já de injeção, foi aumentada a capacidade para 24 litros o que reforçou a capacidade turística da modelo, mas vamos focar-nos na primeira geração e em especial neste bonito modelo.
77.000 km já é um valor de respeito, mas para um motor desta cubicagem não é muito significativo, o que não invalida que não sejam necessários cuidados, até porque é uma moto bastante fiável, mas depende bastante da forma como foi usada e mantida. Reforço algo que afirmei várias vezes ao longo das crónicas: tirando um ou outro verdadeiro “limão”, a generalidade das motos depende muito do trato e do cuidado com que são tratadas, mas são globalmente fiáveis.
Por exemplo, a sincronização dos carburadores deve ser feita de forma cuidadosa, o tensor da corrente de distribuição pode não ser muito durável e se começar a fazer ruído é trocar imediatamente. Há alguns casos de algum consumo de óleo, a suspensão dianteira (43 mm, não ajustável), sobretudo nas gerações iniciais, justifica umas melhorias, também são vulgares ocorrências ao nível da parte elétrica, incluindo o alternador deixar de carregar a bateria ou mesmo ao nível do retificador de corrente, mas nada de muito grave!
O pneu dianteiro é um 120/70/17, mas a tarefa de transferir toda a potência e binário ao solo cabe ao pneu 180/55/17, índice de velocidade (W), diferente de apenas W, que representa até 270km/h. O (W) é para além de 270 km/h e está tudo dito! De qualquer modo, mesmo com tanta borracha, continua a ser difícil colocar toda a cavalaria no asfalto, sobretudo se usarmos de forma intensa o punho direito e vemos o pneu a desaparecer, tal como o combustível no depósito! Sobre os pontos da Carta de Condução nem me manifesto!
É aquela moto em que nos sentamos, olhamos para os manómetros e ver lá um valor de 320 e ainda mais um traço (correspondente aos 330) já impõe respeito, mas quando a começamos a conduzir e vemos que é dócil a baixa rotação, que apesar do peso a cheio de cerca de 250 kg se consegue conduzir com facilidade… somos facilmente conquistados! A potência e o binário são tantos que quase nos tornamos preguiçosos! É apontar e acelerar, mas cuidado com as curvas que surgem muito depressa e a XX não tem a agilidade de uma 600 e isso nota-se até a travar!
Não que os travões sejam maus, pelo contrário! Porém, os discos dianteiros Nissin de 310 mm com 3 pistões e o traseiro de 256 mm, também Nissin e de 3 pistões, acabam por ter alguma dificuldade em ligar com a performance da máquina, mais ainda se for passageiro e carga, algo com que a XX lida muito bem, sendo que o lugar do passageiro/a é bom e o conforto acima da média! Não é difícil fazer longas tiradas em duo, muito pelo contrário!
Evolução da XX 1100 até ao final do milénio
Na sua primeira geração, de 1996 até 1998, não existiram alterações significativas, apenas pequenos pormenores aqui e acolá, além das inevitáveis mudanças cromáticas, algumas bastante felizes. De salientar que as matriculadas em 1996 têm uma vantagem óbvia face às dos anos seguintes: a diferença de IUC é avassaladora: pagam 65,85€ de IUC em vez de 134,26€!
Pode até nem parecer muito, mas imagine-se uma pessoa que comprou uma XX em 1996 e ainda a mantém. Aos valores do IUC para 2023 (mais ou menos atualizados com a inflação, ano após ano), nestes 26 anos poupou quase 1800€ face a um modelo igual de 1997! Assim já não parece uma quantia tão insignificante, pois não? Algo como 68,41*26= 1778,66 Euros!!!
A grande (r)evolução dá-se em 1999! Por pressão das normas ambientais a XX abandona os 4 fiéis carburadores Keihin de 42 mm e acaba por se render à injeção, ao sistema PGM FI e a mudança é grande, até porque a marca aproveita para refrescar o modelo.
Altera-se o som caraterístico da admissão (para pior, ao que consta), a moto aumenta ligeiramente de peso (4 ou 5 kg), cortesia também do depósito maior, são adotados 2 catalisadores e o motor perde um pouco da sua explosividade em altas! Diz-se que perdeu alguma capacidade de tocar a barreira dos 300 km/h no ponteiro, mas não fiz a experiência para o confirmar!
Também adota, para combater os amigos do alheio, uma codificação na chave, o (HISS) ou Honda Ignition Security System, vulgo imobilizador, que deu tantas dores de cabeça a vários proprietários deste e de outros modelos da marca ao longo dos anos. O sistema era inovador e veio a afirmar-se, mas numa fase inicial nem sempre correu bem em diversos modelos…
Em 2002 a XX é alvo de nova atualização, mas essa data já vai para além do limite temporal destas crónicas, além de que as vendas teimavam em definhar de forma gradual e a própria potência do motor caiu significativamente para cerca de 152 cv uma vez que as normas de ruído e controlo de poluição foram sendo cada vez mais exigentes.
Destaco-a apenas porque foi quando introduziu um muito interessante painel digital, completamente diferente do anterior analógico e que se manteve até 2007. Vejam as diferenças entre ambos e fica a pergunta: qual gostam, mais? Eu digo já que sou da velha guarda e gosto de sistemas híbridos que conjuguem analógico e digital!
Vamos ficar por aqui sobre a Super Blackbird. Uma moto icónica e que continua a merecer o carinho e respeito de milhares de motociclistas, em particular daqueles que gostam de andar depressa e valorizam os espaços abertos, as boas estradas e querem viajar com conforto e alguma segurança, sem ter que gastar grandes somas numa moto mais tecnológica e atual.
Tirando alguns aspetos, como a iluminação ou a segurança, a XX consegue permanecer uma moto atual e capaz de satisfazer os gostos, mesmo de motociclistas bastante exigentes e conhecedores. Não é à toa que, de vez em quando, surgem rumores sobre o relançamento do mito!
De salientar ainda que, por vezes, aparecem alterações ao modelo feitas com grande originalidade e resultados que, ao que corre, vão além das melhores expetativas. No nosso país nem quero imaginar como será dor de cabeça para legalizar um modelo destes, mas pelo menos em termos estéticos o resultado é estupendo!
A maior parte das fontes de informação não são portuguesas, embora o modelo tenha fãs em Portugal e muita informação no Forum CBRPortugal, apresentando-se agora alguns pontos de pesquisa.
Motofomo: Excelente “guia de compra” para interessados no modelo;
Motostatz: artigo sobre a performance do motor, com vários gráficos ilustrativos
Cycleworld: muita informação sobre o modelo, com diversos detalhes;
CBRXX: fórum destinado aos fãs do modelo, nas suas diferentes evoluções;
CBR1100XX: uma alternativa ao anterior, mas dentro do mesmo género;
CBRPortugal: fórum nacional sobre a família CBR, com informação sobre a XX;
Motorhead: manual que pode ser útil. Para modelos de 1993 em diante. É de livre acesso.
Para o próximo número vamos escalar novamente de cilindrada! A moto que vos trago é uma espécie de “moto improvável”! De tal forma que, quando chegou ao mercado, nem sequer estava prevista a sua comercialização na europa, o que seria uma pena! Esta cruiser com o seu V4 tem lugar cativo no mundo das motos. Já sabem a que moto me refiro? Até sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira