Apresentamos uma moto muito especial, à qual vamos apelidar de “Dona Disto Tudo”! Talvez possa parecer um exagero, mas quando chegou ao mercado, em 1972, fazia corar de inveja toda a concorrência, sobretudo porque as suas prestações estavam num patamar completamente diferente nas motos que o comum dos mortais podia adquirir.
POR: Pedro Pereira
FOTOS: Paulo Calisto
No final da década de 60, as marcas de motociclos (e também de automóveis) japonesas já se estavam a afirmar nos grandes mercados, nomeadamente na Europa e nos Estados Unidos. Coube à Honda o lançamento, em 1969, da primeira verdadeira superbike, com um motor de quatro cilindros em linha: a popular e ainda hoje muito apreciada Honda CB 750 Four.












O que alguns desconhecem é que a concorrente Kawasaki se preparava para fazer o mesmo, mas atrasou-se e decidiu adiar o lançamento. Não fazia sentido lançar um produto que pudesse ser ofuscado pelo modelo da asa dourada, como certamente iria suceder.
Secretamente, o projeto N600 teve de ser abortado. Tanegashima e toda a sua equipa tiveram de aceitar a derrota, enquanto pensavam em construir algo ainda melhor, mais potente e refinado que a CB 750 Four. A Kawasaki, que já anteriormente absorvera a Meguro, uma das marcas mais antigas no Japão de motos e especialista em motores a quatro tempos, tinha muito “know-how” sobretudo em motores a 2T, mas era preciso uma nova abordagem. Estes eram menos económicos e poluidores, além de implicarem uma condução mais empenhada e até arriscada. O futuro iria passar pelo ciclo 4T. Para garantir que tudo ia correr bem, um falhanço iria ter consequências catastróficas em termos de reputação, a marca submeteu a nova a moto a testes infindáveis, não apenas no Japão, mas também nos Estados Unidos. Conta-se que chegou ao ponto de colocar os seus motores em motos Honda CB 750 Hour para poder fazer testes de forma mais anónima e, ao mesmo, garantir que o seu produto não tinha rival à altura também em termos de fiabilidade.
Foram precisos quatro anos de avanços e recuos e só em 1972 o Projeto “New York Steak” viu a luz do dia e deixou o mundo perplexo quando foi apresentada no Salão de Colónia, em setembro desse ano.
A moto era um colosso, em todos os sentidos. Na estética, no motor, na potência, na facilidade de condução e até em competição, caso da vitória em Daytona. O seu motor de 903 cc podia ser facilmente “trabalhado” para potências da ordem dos 100 cv, sem grandes riscos em termos de fiabilidade, a que não era alheio o facto de usar uma taxa de compressão conservadora de apenas 8,5:1. Ao longo da sua carreira a marca produziu mais de 80 000 exemplares, número assombroso para a época. Veio depois a ser suplantada por outra Kawasaki, a Z1000, em 1977.
Uma pura superbike
Mesmo quem não é fã de motos clássicas e pouco se interessa pela sua história, dificilmente consegue ficar indiferente a esta verdadeira rainha da estrada e que a marca continua a homenagear com edições muito especiais, como aconteceu nos 50 anos do modelo. O seu aspeto imponente, com destaque para o volumoso motor, as quatro magníficas ponteiras de escape com saídas elevadas, o depósito com o formato de gota de água ou a traseira muito estilizada só reforçam isso mesmo e a profusão de cromados um pouco por toda a moto, ajuda ainda mais.
Não há como negar que o melhor está para vir, depois de se colocar em funcionamento, seja pelo motor de arranque ou pelo pedal que é escandalosamente fácil de usar, até com a mão.
Assim que o motor adquire alguma temperatura e é possível equilibrar a mistura de ar e gasolina admitida pelos quatro carburadores Mikuni VM 28 SC, é então que que a magia acontece, sendo que o ronronar do motor se torna mágico e a informação que consta das tampas laterais, “Double Overhead Canshaft” dá uma ajuda. Uma moto realmente peculiar com um motor único à época.
Sensações de condução
Conduzir esta moto, não há vergonha em o assumir, foi a concretização de um desejo antigo. Sentamo-nos comodamente instalados, numa posição vertical, com todos os comandos à mão de semear e preparamo-nos para arrancar. Este exemplar veio da Alemanha e está em estado de concurso, embora não totalmente original. É de 1973, mas por opção, aquando do restauro, tem a decoração de 1975, que consegue ser ainda mais impactante e até o quadro foi pintado.
Há nela muitos outros elementos que chamam a atenção: a moto original, além do fabuloso motor de 903 cc, que debitava 82 cv às 8500 rpm e tinha um binário de 73,5 Nm às 7000 rpm, era bastante pesada, cerca de 250 kg em ordem de marcha. Assim, era normal os seus proprietários “reduzirem” o peso não essencial: retirar o descanso central e fazer dos escapes “4 em 1” era logo menos um peso considerável! Nesta bela peça está lá tudo e, cereja no topo do bolo, vem com os dois discos de travão dianteiros, sendo que o segundo era um opcional e fazia muita falta. Um dos seus pontos mais débeis eram os amortecedores traseiros, sendo prática comum a troca por uns Koni da época, que esta também tem.
Engrenamos a primeira, embraiagem algo pesada, e arrancamos com uma suavidade ao nível de muitas motos atuais. À medida que vamos conhecendo um pouco a moto e ganhamos confiança, começamos a aproveitar mais a performance do motor e percebemos que a partir das 4000 rpm, aproximadamente, tudo começa a ocorrer de forma muito rápida. O som do motor e dos escapes torna-se mais gutural, a convidar-nos a acelerar sempre um pouco mais. O facto de marcar no odómetro 83 000 km mostra bem que não tem estado parada. O seu feliz proprietário, Octávio Sousa, assume que a usa com muita regularidade, confirmando que é uma moto muito fácil de conduzir, mesmo para os padrões do século XXI, tendo sempre presente as suas limitações principalmente em termos de quadro e suspensões, nomeadamente à frente, e que o amortecedor de direção, de série, apenas consegue minimizar.
Notas finais
Depois de testarmos esta moto, a nossa cultura motociclística ficou mais rica. Percebemos perfeitamente que está vários furos acima da fenomenal e sua antecessora Honda CB 750 Four, tal como a marca de Akashi se propusera. Pela primeira vez, que me recorde, tive mesmo dificuldade em devolver uma moto ao dono, tais as sensações que transmitiu…
Pontuação:
Estética | 5 |
Prestações | 4,5 |
Comportamento | 3,5 |
Suspensões | 4 |
Travões | 4 |
Consumo | 4 |
Ficha técnica:
Motor | Tetracilíndrico, refrigeração a ar |
Distribuição | Quatro tempos em linha, duas válvulas por cilindro e dupla árvores de cames (DOHC) |
Cilindrada | 903 cc |
Potência | 82 Cv às 8500 rpm |
Binário | 73,5 Nm às 7000 rpm |
Embraiagem | Multidisco em banho de óleo |
Final | Corrente (com oleador automático) |
Caixa | Cinco relações |
Arranque | Pedal e elétrico |
Quadro | Duplo berço em aço tubular |
Suspensão dianteira | Garfo hidráulico 146 mm de curso |
Suspensão traseira | Dois amortecedores, 85 mm de curso (substituídos por uns Koni) |
Travão dianteiro | Disco duplo de 296 mm, pinças de um pistão |
Travão traseiro | Tambor de 200 mm |
Pneu dianteiro | 3.25/19 |
Pneu traseiro | 4.00/18 |
Comprimento total | 2250 mm |
Largura total | 820 mm |
Altura total | 1175 mm |
Distância entre eixos | 1490 mm |
Altura do assento | 820 mm |
Peso | 258 Kg (ordem de marcha) |
Depósito | 18 litros |
Cores | Variáveis ao longo dos anos (este modelo tem a pintura de 1975, mas é de 1973) |
Importador | Kawasaki |