Continuam as nossas crónicas e “o prometido é devido”, tal como canta Rui Veloso. Assim, esta semana temos alguém que junta política, a vida no mundo mais rural e os veículos de duas rodas.
Vitorino Francisco da Rocha e Silva ou mais simplesmente Tino de Rans, como ficou conhecido, é muito mais que um calceteiro, uma arte que corre sérios riscos de desaparecer, sobretudo com a qualidade e detalhe a que estávamos habituados a ver em muitas das nossas calçadas.
Tino nasceu a 19 de abril de 1971, vai a caminho dos 53 anos, e veio ao mundo na localidade de Rans, concelho de Penafiel. É graças a ele que esta pequena sede de freguesia saltou para a ribalta e um desconhecido calceteiro passou a ser conhecido de toda a gente.
Oriundo de uma família humilde, Tino tinha a ambição de “ser o melhor calceteiro do mundo” e começou na profissão quando tinha 15 anos, mas a partida precoce do irmão Neca mudou tudo! Este, na véspera de Natal antes de morrer, incentivou Tino a candidatar-se à Junta de Freguesia de Rans.
Até aí Tino não queria saber de política para nada, mas numa espécie de “homenagem póstuma ao irmão” mudou de planos e colocou Rans no mapa de Portugal, tal como previra o malogrado irmão.
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A ascensão meteórica
Em 1993, quando tinha apenas 22 anos e pouco depois de ter completado o Serviço Militar Obrigatório, foi eleito Presidente da Junta de Freguesia de Rans, a sua terra natal, sendo reeleito nas eleições autárquicas de 1997 com 66% dos votos. A primeira surpresa foi logo ser eleito pelo PS num tradicional bastião do PSD e muito jovem, a ponto de as pessoas lhe dizerem que era demasiado jovem para o cargo. Tino, na sua boa disposição e ar divertido respondia mais ou menos assim: – Não tenho culpa de ter nascido tão tarde!
Porém, o grande passo para a ribalta ocorreu em 1999, mais precisamente em fevereiro no 11.º Congresso do PS em que fez um acalorado discurso que terminou com um abraço a António Guterres. E nada mais foi como dantes!
As pessoas começaram a perguntar quem era Tino e de 2001 em diante, a convite da TVI que viu o seu potencial começou a participar regularmente em programas daquele canal, sendo que Noites Marcianas foi só o começo e Big Brother talvez o ponto mais alto.
Sem nunca abandonar por completo a política, em 2009 acaba com a filiação no PS e concorre como independente à presidência da autarquia de Valongo, de onde é originária a esposa. Fica apenas em terceiro lugar, mas até a forma divertida e original como conduz a sua campanha chama a atenção.
A maior surpresa chega em 2015 quando apresenta a sua candidatura à Presidência da República, tendo conseguido 152 mil votos, cerca de 3,28% dos eleitores votantes. Nestas eleições, realizadas a 14 de janeiro de 2016, saiu vitorioso Marcelo Rebelo de Sousa que conseguiu cerca de 52% dos votos.
Pode acusar-se Tino de muita coisa, mas não de falta de perseverança e logo no ano seguinte apresentou a sua a sua candidatura à Câmara Municipal, com a candidatura TINO DE RANS – PENAFIEL É TOP. Mais uma vez saiu derrotado, mas o seu ânimo não caiu.
Em 2021 o calceteiro volta a candidatar-se à presidência da República, voltou a ganhar novamente Marcelo Rebelo de Sousa, sendo que desta vez os resultados conseguidos foram inferiores aos que conseguira em 2016. Será que volta a concorrer no futuro? Teremos Tino naspresidenciais em 2026?
E as motos?
A vivência nas motos de Tino é sui generis, tal como toda a sua vida! Contado pelo próprio, ainda na década de 80, o jovem cheio de sonhos e ilusões, era grande apreciador das matinés de domingo à tarde e bailes de garagem, mas o seu sucesso junto do sexo feminino não era o desejado e não ter uma motorizada sua não ajudava nada!
Tomou uma decisão radical, mesmo sem sequer saber andar de moto, ter licença camarária e apesar do muito medo: comprar uma moto!
A eleita foi uma flamejante Aprilia Tuareg 50, uma marca jovem e irreverente, cheia de sucessos na competição e logo num modelo especial e vistoso. O resultado foi mais ou menos o esperado: a sua autoconfiança cresceu (era o que faltava e não a moto), aprendeu a andar apesar dos receios e veio a conhecer a futura esposa, Maria do Céu Rocha, também ela motociclista.
A Aprilia Tuareg, nome que ainda hoje a marca usa para alguns dos seus modelos ainda fez uns largos milhares de quilómetros daí para a frente, mas depois veio o automóvel e a verdade é que Tino, que se saiba, nunca mais voltou a andar regularmente de moto e faz muito mal!
Uma vez motociclista, sempre motociclista, dizemos nós. Ou seja, o espírito de liberdade e inconformismo que as motos nos dão está lá, talvez apenas adormecido e à espera de uma oportunidade para voltar a ver a luz do dia…
O amor à família e muito mais!
Tino é um homem de causas, que gosta de abraçar desafios, que não teme a derrota, mas o seu grande amor pela esposa e pela filha do casal, Catarina, são a sua marca de água e o seu porto de abrigo nos bons e nos maus momentos.
A forma divertida e pura, quase ingénua, como, por exemplo, fez os seus debates nas presidenciais de 2021 face aos outros candidatos faz-nos lembrar uma personagem de Gil Vicente e o seu lema no Auto da Barca do Inferno ridendo castigat mores, ou seja, a rir se denunciam os maus costumes!
Mesmo sendo calceteiro Tino nunca se conformou e decidiu, por sua iniciativa, voltar a estudar, sendo que em 2007 se matriculou no ISLA (Instituto Superior de Línguas e Administração) no curso de Ciências da Comunicação. Ao que consta, faltam algumas cadeiras para concluir, mas não há como negar que se forem cadeiras de natureza mais prática essa componente já está feita há muito tempo.
Mesmo na atualidade, agora já com a maturidade dos 52 e anos, Tino de Rans continua igual a si próprio, divertido e genuíno, a ser frequentemente convidado para eventos e a ter relações de proximidade com muitas das caras mais conhecidas do nosso país. Mostrou até outros talentos, tendo já publicado livros e tentou até uma carreira musical. Recordam-se?
Só fica mesmo a faltar um detalhe importante: voltar a andar de moto! Pode até começar por uma 50cc ou mesmo uma 125 cc que pode conduzir com a sua carta de automóvel, mas será ótimo que o faça!
Para a semana, penúltima crónica antes do Natal, temos de novo uma cara bem conhecida. Ele que liga as motos ao jornalismo e à gastronomia. Quem será?