A questão das IPOM tem sido uma verdadeira novela que se vai arrastando ao longo dos anos, de tal forma que a sua implementação tem vindo a ser sucessivamente adiada, havendo obviamente argumentos a favor e contra a realização das mesmas.
Ainda há pouco tempo a Federação Motociclismo de Portugal (FMP) foi recebida na Assembleia da República para expor os seus argumentos e mostrar que a relação de casualidade entre IPOM e acidentes rodoviários envolvendo motociclos não é tão evidente como se possa pensar.
Por outro lado, também já este ano os Centros de Inspeções estiveram na Assembleia da República para tentar mostrar a importância de avançar com as mesmas, além de que já foi feito um avultado investimento para dotar os Centros de condições para que as mesmas sejam efetuadas, previsivelmente, a partir do início do próximo ano, mas ainda sem certezas.
Veja também 10 argumentos para as IPO de Motociclos: cinco a favor, cinco contra
A questão muito sensível das motos customizadas
A customização, no sentido lato do termo, mas sempre na lógica das motos, é uma área muito abrangente, mas assente sempre na personalização e modificação das motos, seja por questões de gosto pessoal, natureza estética, melhoria do comportamento, da segurança ou qualquer outro motivo, podendo essas alterações serem ou não reversíveis.
Porém, no caso concreto da realidade portuguesa que não é uniforme (as motos dos Açoreanos já estão há vários anos sujeitos às IPOM) temos uma espécie de limbo legal e a informação do site do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) coloca-nos em situação difícil:
As transformações que impliquem alteração das características regulamentares dos veículos, nomeadamente no que se refere aos seus elementos de identificação ou classificação, que alterem sistemas componentes ou acessórios objeto de homologação ou possam constituir risco para a segurança rodoviária, só podem ser efectuadas mediante autorização prévia do IMT.
Ou seja, sendo mais papista que o papa, qualquer alteração que não esteja devidamente homologada pelo fabricante/Importador e, se for caso disso, averbada no Documento Único Automóvel (DUA), emitido pelo IMT está a ir contra a lei, podendo as autoridades competentes atuar (e aplicar contra-ordenações) nesse sentido.
Pode até implicar depois também uma futura Inspeção B, já para não mencionar as eventuais implicações em situações acidentes de viação por parte das companhias de seguro, quando tiverem de pagar indemnizações, se tomarem conhecimento de que as motos estão alteradas e conseguirem encontrar alguma relação causa e efeito no sinistro.
Indo um pouco mais ao cerne da questão, o que entendemos por “alterem sistemas componentes ou acessórios objeto de homologação”? A troca dos piscas é uma destas alterações, mesmo que homologados na União Europeia? Um escape artesanal cabe nesta categoria? E se for um homologado só na China e não estiver averbado no DUA, em que ficamos?
Se adicionar à minha moto um vidro mais alto da concorrência estou a cometer uma ilegalidade? E se for o homologado pelo fabricante já não? Se modificar o selim, aumentando ou diminuindo a sua altura, há problema? A minha moto avariou e na reparação vai ocorrer um ligeiro aumento de cilindrada. Posso estar sujeito a coima por causa disso? E apreensão do veículo? É possível haver controlo?
Tenho uma moto que estou a transformar em café racer e vai sofrer mudanças profundas em termos de geometria, suspensões, iluminação e até no sistema de travagem, poderá isso ser legal? Adquiri uma moto trail, mas quero usá-la de forma mais radical no off-road e vou trocar a roda traseira de 17 polegadas por uma de 18 que melhora o comportamento e alarga o leque de pneus disponíveis, o que me pode acontecer se as autoridades me controlarem ou a moto for inspecionada? E se lhe colocar uma proteção de cárter ou umas crash-bars? E umas proteções de mãos, que não traz de origem? E se for apenas uns autocolantes em vinil que mudem por completo a estética e cor da moto?
Estes são apenas alguns exemplos de questões mais ou menos fraturantes e nem sempre de resposta fácil em que a própria legislação não nos dá respostas claras. A este respeito sugere-se a consulta do Decreto-lei n.º 86-A/2010 de 15 de julho, que aprova o Regulamento Relativo a Determinados Elementos e Características dos Veículos a Motor de Duas e Três Rodas, ao transpor a Diretiva n.º 2009/108/CE, da Comissão, de 17 de Agosto, e que revogou o Decreto-Lei n.º 267-B/2000, de 20 de Outubro).
Uma possível solução
A atual proposta de IPOM enferma de vários vícios, sendo que há alguns que saltam logo à vista, como é o caso de não ser estendida aos veículos até 125 cc, que constituem uma fatia relevante do mercado e, no caso das 50 cc, muitas são verdadeiras relíquias, algumas herdadas de pais, tios ou avós, sendo possível existir modelos em que nem sequer existiu alguma vez número no quadro ou já se perdeu com a vertigem do tempo!
Como acontece tantas outras vezes, no nosso país teimamos em andar atrasados e não seguir os bons exemplos que nos chegam de outras nações e neste caso concreto sucede algo similar aos automóveis, bem exemplificado na célebre máxima “Tuning não é Crime, é Arte”!
Porque não opta o Estado por regulamentar de forma clara e objetiva aquilo que pode e não pode ser feito, sendo essa análise feita também em parceria com as partes interessadas, incluindo obviamente as empresas do ramo da transformação de motos e há várias em Portugal, até premiadas além-fronteiras.
Podia estar aqui uma importante fonte de receitas para o Estado e, ao mesmo tempo, uma forma de moralizar o sistema e dar mais tranquilidade a quem anda de moto, sendo que existem certamente casos de irregularidades graves, caso de números de chassis que não coincidem com o DUA e que configuram crimes graves que levam, pelo menos, à apreensão do veículo!
Naturalmente que esta decisão implicava custos e equipas de técnicos devidamente preparados, mas podia ser uma solução onde todos ficavam a ganhar. Até as próprias autoridades que passavam a deter mais informação sobre os veículos a controlar e os seus utilizadores mais segurança e confiança no uso dos mesmos, até porque há alguns que, certamente, não têm, de todo, condições para circular e são um “risco para a segurança rodoviária”.
Naturalmente que também teria de ser acautelada e devidamente ponderada a matéria dos veículos clássicos e redefinido o papel e importância de organizações como o Automóvel Clube de Portugal e do Museu do Caramulo na Certificação de Veículos de Interesse Histórico de duas ou mais rodas.
A situação atual é pouco sustentável
Como estamos atualmente é algo que não pode continuar por muito mais tempo e tem de ser encontrada uma solução que não passe apenas pelo trabalho mais ou menos atento das autoridades competentes e que também necessitam de mais formação e equipamento.
Todos sabemos que existem demasiadas motos que são um verdadeiro atentado público, nomeadamente em domínios como os do ruído (escapes que quase acordam um morto, a léguas de distância) ou sistemas de iluminação aftermarket e de qualidade e montagem duvidosa que são perigosos em especial para os outros utilizadores das vias, mas também até o conseguem ser para os condutores.
Avançar com as IPOM sem acautelar estas e outras questões vai significar também um maior descrédito do sistema. Vai ainda conduzir a situações em que vão existir IPOM fraudulentas (ao que consta, já existem nas outras categorias de veículos) ou então serão vários os motociclistas que vão tentar ir à inspeção com os seus veículos o mais de acordo possível com as regras para, logo de seguida, voltarem à situação anterior à IPOM. Ouvi dizer até que já existe um possível mercado de peças originais para alugar apenas para ir realizar as futuras IPOM!!!
Tudo somado, está aqui um verdadeiro imbróglio e que não vai ser fácil de resolver, com ou sem IPOM!
Qual a vossa opinião?