Nota Introdutória:
Como previsto, a semana passada deixámos as 650 com a Aprilia Pegaso 650 e voltámos a subir de cilindrada, regressando ao Japão. A moto que nos espera, até apesar de ter sido alcunhada de “marreca”, foi e continua a ser uma moto verdadeiramente especial, apreciada em muitos países e uma percussora da competição na resistência e nas superbikes.
Podemos até dizer que com esta moto a casa da Hamamatsu criou uma moto e um nome que se veio a transformar quase numa lenda, a ponto de a designação ainda se continuar a utilizar na atualidade, apesar de já se terem passado mais de 3 décadas.
É mais um bom exemplo de uma moto pioneira. Um daqueles casos em que podemos afirmar que existiu “um antes e um depois”, tal o seu caráter inovador e distintivo face a tudo o que a concorrência tinha para oferecer à data.
Como se não bastasse, esta moto teve ainda outro grande mérito: a sua vinda para o mercado representava uma “adaptação” muito próxima da versão de competição na velocidade, mas com possibilidade de circular na via pública. Era uma competição cliente, o que aumentou ainda mais o encanto e o desejo de ter uma a tantos fãs deste género de moto. Como se não bastasse, veio depois a ter uma série de declinações em várias cilindradas e modelos, sendo que a sua história é riquíssima, inclusive ao nível da competição.
A verdadeira “batalha campal” nas tetracilíndricas japonesas de altas performances tinha começado ainda no final da década de 60 com a CB Four 750, que já apresentámos aquando da CB 500 Four. Poucos anos depois a Kawasaki destronou-a com a sua fantástica Z1 e, alguns anos mais tarde, a Suzuki entrou nessa luta com a sua GS 1000, mas não estava verdadeiramente satisfeita com o resultado!
Era crucial lançar no mercado algo mais atual, mais irreverente e modernista, se possível com menos cilindrada e, muito importante, mais leve! Oferecer uma moto mais performante do que já existia que pesasse menos e tivesse ainda melhor desempenho foi o desafio lançado ao jovem engenheiro Etsuo Yokouchi (deixou-nos o ano passado com a bonita idade de 87 anos).
Etsuo já trabalhava na marca há vários anos e tinha no seu portfolio motos emblemáticas, caso da Suzuki X6 Hustler Twin, da Suzuki RG500 GP e também a liderança do projeto da Suzuki Katana, entre outras. Porém, certamente que foi o projeto da GSX-R que o lançou para o estrelato e representou o seu maior desafio!
A ele se deve a ideia genial, mas que já não era nova (foi buscar inspiração aos aviões da II Guerra Mundial) de usar um sistema de refrigeração que usava ar e óleo e que ficou depois conhecido por SACS: Suzuki Advanced Cooling System e que era apenas uma das muitas inovações que vinha na nova GSX-R 750, apresentada no Salão de Colónia em 1984 e posta à venda no ano seguinte.
A novíssima GSX-R 750 vinha com um valor “estratosférico” de 100 cv do seu motor de 750 cc e um dos seus “problemas” era garantir que a dificuldade na dissipação de calor não punha em causa a fiabilidade do motor e é aí que o sistema SACS se mostra genial. Refrigerar as partes mais quentes do motor, nomeadamente os cilindros e respetivas cabeças, com óleo do motor era a solução perfeita e parte da razão do seu futuro sucesso, mas já lá vamos.
N.º 26: Suzuki GSX-R 750
Além da potência incrível não inferior a 100 cv, obtidas às 10.500 rpm, para um motor com tão baixa cilindrada (749cc) e uma relação curso/diâmetro de 70X48,7 mm, havia outro aspeto marcante na nova moto e que fez parte do caderno de encargos apresentado a Yokouchi e que deve ter representado um desafio enorme: a moto pesava apenas uns anoréticos 175 kg a seco! Um peso ridiculamente baixo para a época e mesmo interessante para os dias de hoje! O minimalista quadro tubular em alumínio deu uma boa ajuda e o resultado deixou meio mundo de boca aberta!
A ideia de reduzir o peso ao máximo já vinha de trás, em especial da indústria automóvel e da competição, caso da F1, sendo que faz todo o sentido um merecido destaque para o nome de Colin Chapman. É o genial nome por detrás da Lotus e que, entre outras criações, esteve na génese das estruturas monocoque do chassis e da redução do peso usando para isso várias ligas metálicas com resultados brilhantes.
Até a estreia na competição da GSX-R correu muito bem, com o primeiro e segundo lugares nas 24 Horas de Le Mans, prova do Campeonato do Mundo de Resistência da FIM. Ou seja, a moto era muito potente, leve, rápida e fiável! Tinha tudo para dar certo… e deu! De tal forma que logo em 1986 a marca lançou a sua novíssima GSX-R 1100 e deixou a concorrência ainda mais preocupada… e não era para menos!
Focando agora a nossa abordagem na GSX-R 750, um especial agradecimento ao L. Sousa pela disponibilidade e simpatia, o espetacular modelo que vos apresento é de 1986 e está em estado que pode ser considerada de coleção. Foi restaurada há cerca de 10 anos e pouco andou daí para a frente, sendo que é um verdadeiro regalo para os sentidos.
Sentar-se aos comandos desta moto é uma viagem no tempo. É como se tivéssemos um botão que nos permitisse recuar mais de 30 anos e é um prazer sublime ouvir o “roncar” do seu motor ou olhar para os mostradores de fundo branco, com especial destaque para o taquímetro em que a zona proibida começa às 11.000 rpm e se prolonga até às 13.000. já agora, o binário máximo de 73 nm também é obtido lá bem acima, por volta das 10.000 rpm!
A posição de condução é algo radical, com bastante peso na dianteira e obrigando-nos a adotar uma postura que nos pode causar uma marreca, mas tudo isso passa quando arrancamos! A moto conduz-se bem, mesmo para os padrões atuais e tudo funciona lindamente, além de que o som emanado pelo escape é viciante (as normas de ruído eram muito diferentes do que são hoje).
Tem até um lugar para o passageiro/a que sem um primor de conforto, acreditem que não é, também não é um local apenas para enfeite! Imagino qual não seria a sensação de circular à pendura num foguete daqueles há 35 anos atrás! As sensações deviam ser tão ou mais incríveis como as sentidas pelo condutor/a! A própria velocidade de ponta (real) acima dos 235 km/h era uma pura alucinação!
Vinha equipada com jantes de 18 (sim, leram bem) e calçava uns 110/80-18 à frente e 140/70-18 atrás, o que para o padrão atual é impensável, mas era excelente para a época. O mesmo sucede com o sistema de travagem: à frente tinha 2 discos de 300 mm, mordidos por pinças de duplo pistão e atrás um disco de 240 mm, mordido por uma pinça simples. Talvez pouco para o padrão atual, mas à frente do que a concorrência costumava oferecer na época.
A nível de suspensões é, possivelmente, uma das áreas onde se nota mais a evolução: ainda que tendo regulação, a frente vinha com bainhas de 41 mm e um pequeno depósito para a regulação ar/óleo. Atrás já tinha o seu sistema Full Floater em que o monoamortecedor também permitia regulação por meio de um sistema hidráulico. Algo bastante à frente no seu tempo, ainda que datado para os padrões atuais.
A inspiração na competição era de tal ordem que até o próprio depósito de combustível, com a capacidade de 18,5 litros, largo e a exigir uma posição de condução mais radical, vinha com uma “protuberância” do lado direito, diretamente inspirada nas motos de competição de resistência, onde o processo de enchimento do depósito tem que ser rápido. Consumos aqui não é algo muito relevante, mas deve ficar claro que os pequenos quatro carburadores Mikuni de 29mm têm que alimentar o motor e 18,5 litros podem ser razoáveis, mas facilmente também podem ser pouco.
Toda a moto é compacta, minimalista e tem um peso pluma, mas veio com outro elemento que se tornou uma imagem de marca e ainda hoje a torna facilmente identificável, mesmo à distância: os inconfundíveis 2 faróis dianteiros redondos, ao lado um do outro! Além da boa iluminação garantem uma assinatura estética inconfundível!
Evolução da família GSX-R até ao fim do milénio
Os primeiros esforços a sério para o lançamento desta moto genial começaram no início da década de 80, sendo que o primeiro modelo, como já vimos, foi apresentado em 1984 e a comercialização iniciou-se no ano seguinte com a GSX-R 750, mas logo a marca percebeu que podia ir mais longe e rentabilizar o projeto inicial.
A ideia não era nova e tinha várias vantagens que se podem resumir numa ideia-chave a que podemos dar o nome de lucro! Este conceito mais pragmático sempre esteve arreigado à visão dos 4 construtores nipónicos e foi parte da estratégia para lhes garantir a sobrevivência ao longo destes anos, sendo que muitas marcas, nomeadamente europeias, foram desaparecendo ou mudando de mãos, algo que nunca sucedeu com as japonesas!
Logo em 1986 fez chegar ao mercado “à imagem e semelhança” da GSX-R 750 a sua novíssima GSX-R 1100 que mal se distinguia da 750, se não fosse pelas inscrições na lateral da moto, nos respetivos autocolantes!
Se a 750, verdadeiramente pioneira, já fez imenso furor, a 1100 teve um efeito parecido! A base mecânica já existia e era usada, por exemplo na GSX Katana 1100 e que, vários anos antes, deteve durante algum tempo o título de moto de produção mais rápida do mundo, mas a marca queria mais!
A novíssima GSX-R 1100 bebia os ensinamentos da sua irmã mais pequena e ia muito mais longe: mantendo a mesma estrutura de motor de 4 cilindros, cada uma com 4 válvulas, dupla árvore de cames, refrigeração mista ar/óleo a cilindrada subiu para 1052 cc. Agora o motor produzia cerca de 125 cv, obtidos a um regime mais baixo (9.500 rpm) e o binário subia para os 103 nm, obtidos logo às 8.000 rpm!
Estava aqui um verdadeiro “míssil com duas rodas”! Como se não bastasse, a ciclística acompanhava minimamente o resto do conjunto e o peso do conjunto, pronto a conduzir (ou pilotar) pouco aí além dos 200 kg o que era um novo feito para a marca e deve ter feito disparar alarmes nas outras marcas, nomeadamente as japonesas! Até a velocidade de ponta, cerca de 250 km/h reais, ajudavam a que o míssil azul e branco ou vermelho e branco (as duas únicas cores disponíveis) causasse ainda mais impacto!
Ainda antes, logo em 1984, a marca lançou o primeiro modelo da família GSX-R (GK71b), mas não lhe vamos dedicar grande atenção por ser uma moto com 400 cc, dedicada essencialmente ao mercado doméstico. Presumo até que a GSX-R 400 desta geração nunca tenha sido comercializada no nosso país! Tinha 399 cc e quase 60 cv, obtidos às 11.000 rpm e era uma verdadeira “race replica”.
Era “water cooled” e esteve na génese da popular GSXF Bandit 400, muito conhecida e até apreciada no nosso país, que chegou cá no início da década seguinte. Assim, esta foi verdadeiramente a primeira, mas ficou sempre à sombra da 750.
Continuando a nossa viagem no tempo, depois surge a GSX-R mais pequena de todas: a 250! Uma incrível moto com 4 cilindros (sim, eram mesmo 4) e apenas 248 cc, capaz de produzir quase 48 cv a um regime incrível de 14.00 rpm! Uma verdadeira loucura! Esta joia de engenharia também viveu sempre na sombra das irmãs maiores, mas o seu motor, pela capacidade de fazer rotação, era uma verdadeira mostra da tecnologia e poder nipónico.
Vamos continuar a focar-nos na 750 por ser a escolhida para a nossa crónica e também por ser de uma cilindrada intermédia muito popular na competição e na estrada, naquela altura e daí para a frente, incluindo na atualidade.
Claro que a concorrência, apanhada numa primeira fase “de olhos em bico” não ia deixar a GSX-R 750 sozinha muito tempo. A Honda lançou a sua “exótica” RC30 e a Yamaha fez algo similar com a sua OW-01 pelo que a concorrente mais “terrena” e acessível veio de Akashi com a Kawasaki ZXR 750. Era esta a sua principal adversária ao nível de mercado. Tinha performances similares e mesmo o preço de venda não diferia muito.
Em 1988 a Suzuki lança a segunda geração, agora com um quadro redesenhado e várias melhorias ao nível técnico, incluindo um motor com 112 cv, mas perdeu um atributo que tinha inicialmente: O peso subira bastante, pesando agora cerca de 195 kg a seco, o que a deixava numa posição mais delicada face à feroz concorrência!
Mesmo nessa segunda geração modelo foi sofrendo algumas modificações, essencialmente com o objetivo de lhe melhorar a performance, mas foi apenas em 1992 que chegou a nova geração e com grandes diferenças de todas as anteriores, na forma e no conteúdo!
Ainda que o visual fosse muito similar à versão de 1991, a principal diferença era outra e percebia-se logo na designação do modelo: GSX-R750W (sendo que a última letra era abreviatura de Water). Ou seja, a marca abandonou o sistema de refrigeração ar/óleo e acabou por se render também à refrigeração líquida, embora o peso da moto teimasse em aumentar para 208 kg a seco! Para piorar, a Honda tinha aprendido bem a lição e lançava a sua magrinha Fireblade 900 sobre a qual falaremos mais à frente!
Melhor correu a situação com a novíssima GSX-R 600 que dos seus 599 cc conseguia extrair algo como 106 cv e tornar-se uma moto bastante interessante e competitiva, capaz de fazer frente à concorrência, nomeadamente à CBR 600, de que já falámos antes.
Em 1996 lança a sua nova GSX-R 750 SRAD (Suzuki Ram Air Direct) cuja grande inovação não era essa, mas antes o novo quadro de alumínio, diretamente importado da competição. Em 1998 chegou a injeção e até 2000 não ocorreu mais nenhuma alteração digna de monta, mas o mais importante de tudo continua o mesmo: a GSX-R 750 de 1985 foi uma moto pioneira e marcante em toda a história do motociclismo, trazendo uma série de inovações que ainda hoje são relevantes.
Como vai sendo habitual, as principais fontes de informação são em outras línguas, mas a informação disponível é abundante.
VisorDown: apreciação detalhada ao modelo original;
RoadRacingWorld: história da família GSXR, com homenagem a Etsuo Yokouchi;
Webarchive.org: história detalhada das primeiras GSXR;
Classicmotorbikes: muito do que há sobre o modelo pode ser encontrado aqui;
GSXR.Com: fórum para todos os fãs do modelo nas suas diferentes declinações;
Gixxer.com: uma alternativa ao anterior. Acabam por se completar.
Para o próximo número vamos continuar por esta cilindrada. Aliás, é uma cilindrada muito rica e com imensas motos por onde escolher, de tal modo que vamos ter 5 crónicas nas 750 cc. A da próxima semana é de uma feroz concorrente da GSX-R 750, também ela muito apreciada. Até sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira