Nota Introdutória:
Na medida do possível, cumpro as minhas promessas. Antes de subirmos um novo degrau em termos de cilindrada vamos despedir-nos das 250 cc com uma moto que consegue ser ainda mais radical que a TZR 250 da semana passada.
É a primeira vez que vamos abordar diretamente um modelo da casa da Hamamatsu, mas posso garantir que não será o último e vamos ter mais motos deste grande construtor japonês nas próximas crónicas.
Tudo começou há mais de um século, mais precisamente em 1909, quando Michio Suzuki iniciou a produção de teares industriais, fundando a empresa Suzuki Loom Company, em Hamamatsu, cidade costeira, situada na ilha de Honshu, que é a maior do Japão.
A produção de motos chegou bem mais tarde! Só mesmo depois da segunda guerra mundial! Como já perceberam, não foi caso o único, mesmo fora do Japão! Recordam-se da história da Vespa, que nasceu no pós-guerra? Aqui temos mais um caso similar!
As primeiras motos foram construídas ainda na década de 50, mas é na década seguinte que a Suzuki ganha notoriedade, sobretudo após começar a utilizar tecnologia europeia (mais concretamente da República Democrática Alemã) da MZ, que lhe permitiu ganhar o mundial de 500 de velocidade em 1962. Aliás, a história da fuga do piloto Ernst Degner da RDA para a RFA e depois para o Japão com os planos do novo e revolucionário motor a 2 tempos é fantástica, mas tem um fim triste!
A partir daí o sucesso foi imparável, tal como as vendas. Até ao início da década de 70 sempre com motorizações a 2 tempos, incluindo a gigante tricilíndrica GT 750, hoje cada vez mais rara e cobiçada. Até já tinha refrigeração líquida e tudo que era uma enorme inovação! Deve ser um colosso!
Foi necessário chegar a 1976 para que a marca japonesa apresentasse a sua primeira moto a 4 tempos: a Suzuki GS750, espetacular tetracilíndrica, com refrigeração a ar e uma estética muito atraente que ainda hoje é muito apreciada.
A competição sempre fez parte do ADN da marca e as motorizações a 2 tempos nunca foram esquecidas, sendo que no ano de 1983 lança a sua primeira verdadeira “Race Replica”, a RG 250 (Gamma) que, de certa forma, é a mentora da eleita para a crónica desta semana. Já era uma pura moto de corridas em que as luzes e demais “apetrechos” do género serviam apenas para efeitos de homologação.
Entre 1983 e 1996, ano da moto que agora vamos apresentar, vão menos de 15 anos, mas a evolução foi tremenda, como veremos de seguida, mas a ideia chave manteve-se sempre fiel à original: no seu ADN está uma moto de corridas! A performance é a ideia-chave de toda a moto! Sobrepõe-se ao conforto, à economia, ao preço ou à facilidade de condução! O que realmente interessa é ter uma moto destinada a vencer nas pistas, a ser a primeira a ver a bandeira xadrez!
N.º 13: Suzuki RGV 250
Por mera coincidência, esta crónica é a número 13, sendo que este número é muitas vezes considerado como o número do azar. Há várias explicações para esse facto, incluindo a Última Ceia de Cristo com os 12 Apóstolos (incluindo Judas, o traidor), mas neste caso o número é mágico e representa sorte!
Aliás, a primeira sorte é a do seu proprietário N. Cabeça, a quem muito agradeço a disponibilidade. Reforço a palavra sorte por ser o feliz proprietário de uma moto verdadeiramente especial, quase mágica. Escrevo até, por graça, que não me importava nada de trocar a minha mesa do centro da sala pela RGV, mesmo sabendo que corria o risco de ter as malas à porta de casa!
Um pouco mais a sério, esta RGV, versão J23, matriculada em 1996, é uma moto esplendorosa! Não interessa o ângulo ou a distância a que for observada! A moto é “gira e boa” e dificilmente alguém lhe consegue ficar indiferente! Quase que me atrevo a dizer que é mais uma obra de arte que apenas uma moto!
Ainda por cima, está aqui um exemplar mint, verdadeiramente impecável, pronta para participar num qualquer concurso de beleza motociclística. Como se não bastasse, a decoração Lucky Strike dá-lhe um toque ainda mais exótico e reforça a pureza das suas linhas e o seu carisma.
Nunca fumei, nem tenho planos de começar agora, mas reconheço que as marcas de tabaco (além desta também a Marlboro, a Gauloises, a Rothmans ou a John Player Special), antes da proibição da publicidade ao tabaco em 2000, investiram imenso no desporto automóvel, nomeadamente nas motos, com decorações de nos fazer “cair o queixo”!
Ao olhar para esta moto penso imediatamente no piloto norte-americano Kevin Schwanz que, em 1993, ganhou o mundial numa RGV 500 com uma decoração muito similar. Apesar de ser um “lingrinhas”, era um piloto genial e procurava a vitória do primeiro ao último segundo, sem concessões ou margem para hesitações! Que memórias me trouxe esta RGV!
Voltando um pouco mais à moto, facilmente se percebe que não está completamente original: basta olhar para se perceber que os escapes não são os de origem (pequeno truque para melhorar, ainda mais, a performance da besta) ou as manetes, mas há mais aspetos que mostram que é mesmo uma versão de topo: tem já vários mapas de ignição (sim, já existiam no século passado embora só nos últimos anos se estejam a generalizar) e não tem qualquer limitador. Ou seja, o limite temos que ser nós!
O conta rotações, com grande destaque e um fundo branco, em que a agulha do taquímetro atinge a zona proibida apenas às 12.500 rpm reforça que é mesmo uma moto muito especial. Na TZR da semana passada a zona vermelha começava às 10.000 e terminava às 12.000. Esta começa 500 rpm acima e vai até às 14.000 rpm!
Quanto à real potência da moto é, para mim, uma questão pouco relevante até porque tem ali uns “pozinhos”, mas se consideramos um valor anunciado de 70 cv (imagino que seja mais) então dá mesmo que pensar e se fizermos a conversão habitual para um litro (1000 cc) significa que a relação será de 280 cv/litro, algo que mesmo na atualidade é um valor incrível!
Não tive oportunidade de a testar até porque tinha a bateria descarregada e não tem kick (ficará para uma próxima vez), mas toda a moto é pequena e esguia e quando nos sentamos é como se passássemos a fazer parte da moto, ficando integrados na mesma. Imagino que seja bastante radical na condução e até exigente, mas o seu dono diz que não. Segundo ele, para uma pura desportiva, até que consegue ser relativamente fácil de conduzir, sobretudo se o piso ajudar.
Falando um pouco mais sobre a moto, as evoluções que sofreu ao longo da sua vida foram imensas e sempre com o mesmo objetivo: melhorar a performance do motor e da ciclística, como se a RGV lutasse contra si própria todos os anos, para bater os seus próprios recordes!
Para mais detalhes, podem sempre ver este vídeo:
Deixou de ser oficialmente produzida em 1997 e nessa altura, tal como neste espetacular exemplar, o motor já era a derradeira evolução com uma arquitetura do tipo VTwin, mas com os cilindros num ângulo de 70º e não de 90º, como no motor anterior. Ironicamente, nunca ganhou uma temporada de MotoGP, ou seja, apesar de todo o seu rico historial a RGV 250, ao contrário da 500, nunca conseguiu o cetro da vitória numa temporada das 250 cc, mas o seu motor sim, mas já lá vamos!
A RGV e a concorrência
Mesmo na década de 80 a RGV 250 já era uma moto muito especial e cobiçada, mas foi sobretudo a partir do início dos anos 90 que o seu estatuto cresceu até ao Olimpo das motos, chegando até a ser relativamente popular no nosso país, apesar do preço. Além disso, a sua estética e escolha de cores muito feliz ajudavam a que fosse muito desejada e eu próprio quis ter uma, mas sabia perfeitamente que era algo impensável ter uma “competição cliente”.
Afinal de contas, além do preço (em 1995 a versão “normal” da RGV 250 custava 1400 contos e uma RF 600 custava 1650 contos), era desconfortável para lidar com ela diariamente, consumia gasolina de forma louca, tal como óleo de mistura, a mecânica era muito sensível e exigente, sendo uma opção nada racional naquela altura, pelo menos para mim, infelizmente.
De qualquer modo, a Suzuki não estava sozinha neste nicho de mercado que podia não representar grande volume de vendas, mas vendia imagem e prestígio o que, mais cedo ou mais tarde, acaba por trazer dividendos na comercialização de motos mais terrenas, que a marca também tinha.
A Kawasaki KR-1(S), quase desconhecida no nosso país, era um adversário temível. Aliava uma estética de corridas a um motor muito forte, mas na essência não diferia muito das suas adversárias: bicilíndrica, 2 tempos e muita tecnologia associada. Pena ter abandonado o mercado logo em 1992, ou seja, esteve no mercado apenas 4 anos e foi “beber” muito às motorizações antigas da marca, ganhadoras do mundial 250 de 1978 a 1981.
A TZR 250 dispensa mais comentários e apreciações. Foi ela a estreia da crónica anterior e uma dinamizadora das vendas neste nicho de mercado, tendo ganho o mundial na categoria em 1986, 1990 e 1993.
A Honda NSR 250 é uma moto muito especial, como todas as NSR. Já lhe dedicámos uma crónica nas 125, sendo que venceu o mundial em 1991, 1992 e 1997. A foto da que apresentamos aqui é uma Sport Production (SP), também de 1996, sendo que a sua comercialização se prolongou até 1999. Mais uma vez, ainda que matriculada, com luzes, espelhos, piscas… é uma pura moto de competição e até o selim e pousa-pés para o pendura são simples enfeites.
De salientar que já vinha com amortecedor de direção e com um cartão, indispensável para a colocar em funcionamento, algo que se veio a vulgarizar nos automóveis mais tarde e que, nas motos, só agora começa a ser quase um standard de mercado. Curiosamente, ainda tem kick, talvez com o intuito de poupar algumas grama, embora pareça pouco razoável já que a RGV adotou o motor de arranque nesta versão VJ23, sem aumentar o peso da moto.
Guardámos o melhor para o fim, como se costuma dizer. Cheguei até a ponderar fazer uma crónica só para ela e certamente que a merecia, mas as crónicas são em número limitado e vamos mesmo subir de cilindrada para a semana, mas não sem antes dedicar alguma atenção a uma das grandes animadoras nesta categoria, dentro e fora das pistas.
A Aprilia é uma marca sobre a qual iremos falar numa crónica futura, mas não a mencionar nas 250 cc era uma pura heresia até porque tem um palmarés desportivo incrível! Venceu os campeonatos de 94, 95 e 96 pelas mãos de Max Biaggi, que em 97, se mudou para a Honda voltando novamente a ganhar com esta. Em 98 e 99 o cetro voltou às mãos da Aprilia, com destaque para este último ano em que o vencedor foi Valentino Rossi.
A pequena marca italiana apostava (quase) tudo na competição e os resultados apareciam naturalmente, mas como o desenvolvimento de um motor era algo com custos proibitivos, a “aliança” com a Suzuki fazia todo o sentido! Assim, ironia do destino, as temíveis Aprilia RS 250 vinham equipadas com motores da concorrente Suzuki RGV 250!
Chegou ao mercado em 1994 (sendo que a versão RSV 250R já custava à data mais de 8000 contos) e conseguiu matricular motos até 2004, numa altura em que as normas anti-poluição lhe ditaram o destino fatal. O motor vinha do Japão, mas a roupagem (quadro, suspensões, parta da eletrónica, travões…) ficava a cargo dos italianos e o resultado era brilhante nos circuitos ou fora deles.
Apesar da Suzuki ter parado de comercializar a sua RGV em 1997 (mais uma vez podem aparecer matriculadas mais tarde) a Aprilia manteve-se bem depois disso, ao ponto de chegar a ser verdadeiramente a única “competição cliente” disponível no mercado, mesmo que a preços de venda loucos e da popularidade das 2 tempos andar já pelas ruas da amargura.
Regressando à “nossa” RGV é uma moto que vai continuar a espalhar charme por onde passar. Este magnífico exemplar, provavelmente, nunca irá ver uma pista de corridas “a sério” e é pena porque é esse o seu ambiente natural, mas o risco é demasiado grande! Uma simples queda ou uma falha mecânica grave, que pode perfeitamente acontecer, serão suficientes para a imobilizar meses ou anos, tal a dificuldade em conseguir algumas peças ou materiais para esta versão de topo.
Muito francamente, não é a moto para mim. Espero um dia ter a oportunidade de a conduzir, mas sei perfeitamente que não conseguirei ir completamente descontraído a ponto de “explorar o motor” em regimes mais altos, tipo para lá das 10.000 rpm, onde tudo acontece. O risco omnipresente de acontecer algo inesperado é demasiado grande e quando isso acontece dificilmente conseguimos disfrutar verdadeiramente do que temos à disposição e como quero as motos é para andar com elas…
As fontes de informação para este modelo são só mesmo todas noutras línguas e não se pode negar que é uma moto muito particular:
Motorcyclespecs: descrição das grandes 250 cc a 2 tempos;
Forum RGV: O nome do fórum já diz tudo. Muita informação sobre este modelo e não só;
SuzukiCycles.org: Todo o historial do modelo, com muitas fotos e descrições;
MCNews: aqui a página do site específica sobre o modelo;
MotoriderUniverse: Apreciação específica sobre a versão VJ23;
Fischerkfz: Soluções de tuning nomeadamente para a RGV 250 e RS 250.
Para o próximo número vamos subir um pouco de cilindrada e vamos fazer uma visita a um país europeu encantador, quase todo dominado pelos Alpes. A cilindrada da moto em causa ainda hoje se mantém viva, é um caso sério de longevidade e logo a 2 tempos, algo impensável há poucos anos atrás, altura em que se afirmava que os motores a 2 tempos iriam sair de circulação por completo! Aguardemos pela próxima sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira