Nota Introdutória:
Saímos de Portugal. Despedimo-nos definitivamente das produções nacionais e rumamos ao país do Sol Nascente. Composto por cerca de 6000 ilhas e que no final da Segunda Guerra Mundial estava completamente arrasado, mas em poucas décadas praticamente veio a dominar o panorama mundial da indústria de motociclos.
Numa primeira fase começaram por copiar algumas produções, sobretudo europeias, mas rapidamente deram o salto e as 4 principais marcas japonesas de motos (Honda, Yamaha, Suzuki e Kawasaki) ainda hoje são referências incontornáveis quando se fala de motos, incluindo ao nível da competição, em que todas têm um palmarés invejável.
O sucesso da indústria motociclística japonesa deve-se a um conjunto diversificado de razões, entre as quais destaco algumas: grande capacidade de produção, custos relativamente controlados, métodos de produção com um apertado controlo de qualidade, fiabilidade elevada, facilidade de adaptação a novos contextos e gostos dos consumidores, investimento elevado em publicidade e marketing, nomeadamente na competição.
De alguma desconfiança inicial por parte dos consumidores, nomeadamente no mercado europeu e americano, o sucesso chegou rapidamente, nem que para isso os japoneses tenham recorrido a práticas mais duvidosas, como o dumping (venda abaixo do preço de custo), “subsidiada” pelo próprio Estado japonês, como forma de enfraquecer a concorrência e conquistar mercado…
Os japoneses rapidamente perceberam que era importante chegar a diferentes leques de consumidores e que as baixas cilindradas, mesmo que não fossem as mais rentáveis, eram a porta de entrada para as vendas, mais ainda porque quem comprava uma 50 ou 125 japonesa… mais tarde poderia vir a comprar uma 750 ou uma 900!
Uma das marcas que mais interiorizou essa noção foi a Honda, de tal maneira que teve sempre uma grande aposta nas cilindradas mais baixas, sendo que as 125 foram um verdadeiro filão para a marca e uma aposta ganha, mais ainda quando era possível “conciliar” economias de escala em que, por exemplo, um mesmo motor podia servir motos completamente distintas, como é o caso da escolhida para esta semana.
Mesmo na atualidade a sigla NSR faz vibrar mais alto o coração de muita gente, boa parte deles já “jovens” na casa dos 40, 50 ou 60 anos de idade! Seja porque tiveram uma (em particular as NSR 50 ou 125) ou porque acompanharam a carreira vitoriosa destes modelos a 2 tempos (nomeadamente as NSR 500) com nomes que fazem parte do Olimpo das Motos de Corrida, casos de Freddie Spencer, Michael Doohan ou Valentino Rossi.
Aliás, a família NSR dava para escrever um extenso livro, até porque existiu com várias cilindradas (50, 80, 125, 150, 250, 400, 500…) e distintas arquiteturas e número de cilindros (1, 2, 3 e 4 em linha, em V), mas sempre com motores a 2 tempos e um forte apelo à competição, mas ia muito para além do que pretendemos, pelo que escolhemos só a NSR 125 como estrela deste número.
N.º 9: Honda NSR 125
A NSR 125 foi a “herdeira” da bem-sucedida NS 125F, que era uma simpática 125, de apelo jovem e desportivo, bastante popular no nosso país, sendo que na atualidade se estão a tornar raras. Começou a ser vendida em 1985 e a sua comercialização prolongou-se até 1988, data em que deu lugar à NSR 125, que começou a ser vendida no ano seguinte. Ainda sobre a NS, há a destacar que, na mesma lógica das suas principais concorrentes, não tinha arranque elétrico ou disco traseiro de travão. Essas e outras inovações ficaram para a geração seguinte, mas já lá vamos!
Cedo os Japoneses perceberam que diferentes mercados tinham também especificidades próprias, além de regras de importação e taxas que poderiam complicar a venda de dados modelos em alguns mercados. Por outro lado, O Japão tinha escassez de matérias-primas e fazia sentido produzir motos fora do Japão, mais ainda em países com forte know-how e mão de obra qualificada.
Terão sido estas algumas das coordenadas a ajudar na decisão de construir a NSR 125 em Itália. Aliás, a sua apresentação ao mundo ocorreu no Salão de Bolonha em 1988 e a comercialização no ano seguinte, com produção na Honda Italia Industriale S.p.A., em Roma, recorrendo a vários parceiros italianos, caso da Girardoni, a Grimeca, a Dell’Orto ou a Marzocchi, só para citar alguns.
A moto rapidamente foi aceite pelos consumidores e as fotos da que partilho (obrigado J. Fernandes) ilustram isso mesmo! Declarando cerca de 31 cv (valor algo otimista uma vez que o real rondava os 28, obtidos bem lá acima, às 10.000 rpm). Tinha uma estética espetacular, com cores chamativas e muitas novidades, incluindo arranque elétrico, travão de disco traseiro ou um vistoso taquímetro, de fundo branco, em posição central, com a zona vermelha a começar apenas às 11.000 rpm!
Além disso, indicava uns otimistas 180 no conta kms, mas a verdade é que era (e é) bastante rápida, sobretudo quando a válvula de escape (RC Valve) começava a “abrir” ali por volta das 6.000. Aí o motor ganha um novo fôlego e dispara velozmente em direção à zona vermelha das rotações, acompanhado de uma sonoridade muito agradável, mesmo com o escape original. Chega e sobra para fazer “voar pontos” na carta de condução!
Este exemplar que partilho é uma verdadeira clássica, sendo matriculada em 1989 (versão JC20), logo da primeira fornada. Está ainda bastante original (coisa rara neste modelo) e se é verdade que necessita de alguns mimos (pintura, carenagens, manete do travão…) e que, por exemplo, a pintura das jantes em preto não agrada a todos, o facto é que continua a respirar saúde e a dar alegrias ao seu dono, não tendo tido intervenções de fundo nos seus cerca de 32.500 km e 33 anos. Cerca de 1000 km por ano!
Se fosse minha era o que iria fazer agora mesmo: desmontagem completa e depois ter um bom fundo de maneio para substituir tudo o que fosse necessário, incluindo um pistão novo e segmentos e a inevitável substituição de uma série “peças e pecinhas” que sempre ocorre. As carenagens teriam que ser algo a avaliar bem porque estão francamente boas e uma pintura e autocolantes novos seria algo a ponderar. Complicado seria encontrar todo o material necessário.
Não é das motos mais agradáveis de conduzir em trânsito urbano, muito por culpa de alguma apatia do motor em baixas rotações (normal nestas motos), mas a posição de condução não é demasiada racing e vamos bem encaixados na moto, incluindo o pendura que tem espaço para se sentar com facilidade e até um suporte adequado para segurar as mãos. Os consumos são aceitáveis, desde que não se caia na tentação de andar sempre “em altas” (eu sei que é tentador).
O facto de ter um quadro em alumínio (alcast) num bonito tom dourado, feito pela Grimeca, com a união de duas peças, iguais, dá-lhe um ar especial e tem uma vantagem adicional: torna-a praticamente imune ao problema da ferrugem, ajudando assim à conservação da mesma durante mais tempo.
Para os mais puristas a Honda foi mais longe e além desta versão R, lançou também uma versão F, completamente despida de carenagens, onde se pode ver toda a beleza do quadro e perceber melhor a qualidade dos acabamentos. É praticamente igual à versão R, tirando obviamente parte da instrumentação que teve de ser “recolocada”.
Esta versão que nunca chegou a ter, pelo menos no nosso mercado, a popularidade da versão carenada, tinha ainda mais vantagens importantes: pesava menos (fator sempre importante nestes pequenos e rotativos motores), custava um pouco menos e, em caso de queda, sempre se evitava uma eventual avultada despesa. Aliás, era/é vulgar após queda as versões R “transformarem-se” em F, por força das circunstâncias!
Contavam as más-línguas que, efetivamente, uma NSR 125 custava um bocado menos que uma CBR 600 (da qual iremos falar mais à frente e que chegou ao mercado em 1987), mas em caso de queda… o preço de um conjunto novo de carenagens (às quais acrescia os autocolantes) era mais ou menos o mesmo! Já agora, por exemplo em 1994, uma NSR 125 custava 720 contos e uma CBR 600 1670 contos!!!
Numa lógica de contenção de custos e aumento de sinergias, o próprio motor foi aproveitado também para equipar a Honda CRM 125, bonita trail e que deu grandes alegrias à marca e com inegáveis semelhanças à Honda CR 125, apesar de nunca conseguir no nosso país o sucesso da Yamaha DT 125R, de que falaremos em breve…
Em 1994 teve uma “reformulação” profunda (JC22), ganhou um visual renovado, incluindo uns faróis do tipo “olhos de raposa” e “ares” de NR 750 e a sua comercialização foi-se prolongado até aos primeiros anos já deste século, sendo sempre um verdadeiro best-seller da marca, mesmo em comparação com propostas mais radicais da concorrência.
Um aspeto que a caraterizou logo no início, pela positiva, foi a estabilidade de todo o conjunto. Uma muito razoável suspensão convencional de 35 mm à frente da Marzocchi e um monoamortecedor traseiro (Prolink) com regulação da pré-carga. Além disso, já vinha com um enorme disco dianteiro de 316 mm (bomba de duplo pistão) e traseiro de 220mm, mais que suficientes para uma moto que pesava cerca de 130 kg, com o depósito cheio.
A Honda NSR face às suas concorrentes
Os motores com a cilindrada de 125 cc, a 2 tempos, sempre tiveram na Europa um mercado muito apetecível e as marcas faziam de tudo para conseguir oferecer aos europeus motos que se destacassem da restante oferta e a NSR tinha muita concorrência para enfrentar, incluindo do próprio Japão!
A Kawasaki tinha a sua AR 125 (tive uma) que se caraterizava por aguentar muito bem altas rotações (admissão por válvula rotativa diretamente ao cárter), mas não a fez evoluir e acabou por deixar precocemente o mercado. A minha deixou-me saudades. Fiz muitos km’s a fundo, sempre com a agulha bem dentro da zona vermelha, mas a fraca suspensão dianteira tornava-a muito perigosa!
A Suzuki tinha a sua RG (Gamma) e era uma adversária temível, sobretudo nas últimas versões, de 1992 em diante, em que era uma verdadeira desportiva, sem grandes concessões e uma estética inconfundível. Uma autêntica “competição-cliente”, tal como a 250 cc, mas mais leve, barata e, obviamente, menos potente.
A Yamaha tinha a sua TZR. Chegou a ter versão carenada e despida, que também foi evoluindo gradualmente, embora tenha saído do mercado antes do meio da década de 90. Ainda vão aparecendo no mercado de vez em quando, mas costumam estar algo maltratadas ou em estado quase de concurso e com preço a condizer.
Falta agora apresentar as suas concorrentes europeias, mais concretamente as oriundas de Itália e eram várias!
A Gilera tinha a sua KK que depois evoluiu para Krono (lançada também em 1989), chegou a ter versões ainda mais radicais, caso da SP1 e SP2 e até uma moto “muito à frente no seu tempo”, a CX, com monobraço à frente e atrás! Como eu desejei ter uma! Hoje são uma raridade! Aliás, foram poucas as produzidas e o conceito de monobraço em ambas as rodas não resultou. Se um dia escrever crónicas sobre flops, esta terá um lugar garantido!
A casa de Noale, ou seja, a Aprilia, também não podia ficar fora desta disputa e foi lançando vários modelos, como a Sintesi ou a Futura, mas o grande salto foi quando lançou a RS (também em 250) que era uma arma terrível no seio das 125 e se manteve à venda até ao novo milénio. O sucesso foi de tal ordem que a marca aproveitou o nome e agora comercializa uma versão atual com motor 125 a 4 tempos. As performances do motor é que não são comparáveis…
Por último tínhamos que falar da Cagiva. Primeiro a Freccia (podemos traduzir por seta), com inegáveis semelhanças com a Ducati Paso, mas sobretudo depois com a Mito! Este modelo, lançado no mercado em 1990, teve o desenho do génio Massimo Tamburini e o seu principal argumento era a caixa de 7 velocidades (a última mudança era puro overdrive). Em 1994 “evoluiu”, inspirada pela Ducati 916 e representa, provavelmente, o auge das 125! Ainda hoje continua a ser… um mito e tem uma legião de admiradores!
Aliás, tomando por referência o modelo de 1994, existia em duas versões: a 125 EV que custava cerca de 875 contos (mais 150 que a NSR) e a Mito Racing, apenas disponível por encomenda e com um preço certamente a condizer, mas que nem sequer é indicado na revista que me serviu de fonte de informação!!!
A todas estas concorrentes, mais ou menos fortes, a NSR tinha que fazer frente. Não era a mais rápida, a mais vistosa, nem tinha os últimos gritos da tecnologia ou o apelo à competição que fazia sonhar muitos jovens. Direi mesmo que o seu maior triunfo era a homogeneidade. Um produto maduro, fiável, equilibrado e bastante competitivo, mesmo que já um bocado afastado de propostas mais radicais e picantes.
Consoante os mercados onde se vendia, em especial na Europa, existiam diferente regras para a condução de motociclos consoante a potência e eram comercializadas versões descafeinadas, sobretudo a partir de 1998, sendo geralmente o processo reversível e até apetecível. Podia ser um restritor na caixa do filtro de ar, um escape “obstruído” ou mesmo no próprio cdi, mas a ideia-chave dos donos/as era sempre a mesma: melhorar a performance da moto, sobretudo em países onde não existiam controlos sobre essa matéria!
Mesmo na atualidade continua a existir material dedicado a este motor que lhe permite um significativo incremento da performance, caso deste kit da Malossi que “transforma” este motor a 170 cc. Naturalmente que implica também alterar a admissão de ar, carburação, débito de óleo na bomba de autolube (ou mesmo o anular da mesma) e até no escape para o tornar menos restritivo. Os resultados são convincentes, mas podem prejudicar a fiabilidade, numa condução mais agressiva.
Começam a escassear as fontes de informação em português, tirando alguma revista especializada, pelo que as referências são sobretudo estrangeiras:
NSR World: um dos maiores recursos com informação sobre toda a família NSR;
125cc sportbikes: Bom ponto de partida, com muita informação sobre as 125 desportivas;
ClubHondaNSR125: Página em espanhol da Rede Facebook;
NSR Forum: mais um fórum com muita informação;
Amigos Japonesas Antigas: fórum nacional com informação sobre motos e carros japoneses no geral;
WeBike: Site japonês. Por vezes conseguem-se peças que não há em mais lado nenhum.
Para o próximo número vamos continuar nas “oitavo de litro” e sem deixar o Sol Nascente. Será a última crónica dedicada a esta cilindrada e vamos dedicar-nos à “Rainha” das 125, tal como a sua irmã mais pequena, que abordámos no n.º 1, o foi das pequenas 50 cc. Só falta uma semana!
Texto: Pedro Pereira