Nota Introdutória
Mantendo-me fiel ao planeado, vamos continuar mais alguns números pelas pequenas cilindradas, ou seja, as 50 cc. A semana passada a eleita foi oriunda do Sol Nascente, mas agora é chegada a altura de nos dedicarmos mais às produções nacionais, particularmente apreciadas, conhecidas e valorizadas no nosso país. Afinal de contas, o que é nacional é bom!
Naturalmente que irei apenas abordar algumas que considero representativas do global, tendo sempre presente as minhas preferências e gostos pessoais. Espero que compreendam que era completamente impossível, por falta de conhecimentos, de tempo, meios… abordar a globalidade do que foi feito em Portugal, mesmo considerando apenas as décadas de 70, 80 e 90.
De entre todas as marcas mais ou menos nacionais é incontornável não mencionar aquela que teve a maior dimensão (ao que consta, nos tempos áureos, chegou a ter mais de 1000 trabalhadores). Refiro-me obviamente à Metalurgia Casal (daqui para a frente simplesmente Casal), cuja “Casa Mãe” era ali pertinho de Aveiro, mais concretamente em Esgueira.
O seu Fundador, João Francisco do Casal, que nos deixou o ano passado com a bonita idade de 98 anos, era um homem “muito à frente do seu tempo” e foi ele o impulsionador deste grande projeto. Chegou até a receber do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em 2017, a condecoração de Grande Oficial da Ordem de Mérito Empresarial.
Contou-me alguém que conheceu a empresa nos seus tempos áureos (não tive esse privilégio) que era mesmo um colosso! Até tinha uma Divisão de Competição e um Centro de Formação Profissional próprio e além de tudo o que era relacionado aos ciclomotores e motociclos tinha também, por exemplo, alfaias agrícolas, como motosserras, atomizadores ou motores de rega (moto-bombas)!
Além disso, era uma importante exportadora, para vários países europeus (Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Suécia, Alemanha…), mas também para as nossas colónias (em especial Angola e Moçambique) e até para os Estados Unidos ou para o Canadá! De salientar que vários dos modelos “para exportação” não eram comercializados cá (ou tinham especificações inferiores), provavelmente devido ao nosso menor poder de compra.
N.º 2: Casal RZ 50
De entre a miríade de modelos Casal, que utilizou motores de construção própria, mas também em associação com a Zundapp, a HuVo ou a Villa. A RZ 50 (nome técnico Casal K554) é, para mim, um modelo incontornável e é o eleito para este número por várias razões que iremos detalhar mais à frente.
Sem certezas, presumo que o nome RZ é uma (merecida) homenagem ao Engenheiro Alemão Robert Zipprich. Este Alemão, que era diretor técnico na Zundapp alemã, acabou por vir para Portugal na altura em que a Casal perdeu o direito de comercialização/produção dos motores daquele fabricante e se viu “forçada” a desenvolver os seus para sobreviver…
Também há quem defenda que a origem do nome é uma “cópia descarada” da sua concorrente direta Yamaha RZ 50, mas como não tenho acesso a fontes de informação primárias ou completamente fiáveis, fico pela primeira possibilidade, embora reconheça que copiar era, tal como hoje, uma prática comum, embora reprovável.
Lançada em meados da década de 80’ era uma espécie de modelo “premium” da marca, destinada a um público mais jovem e já com alguma capacidade financeira, sendo que a preocupação com os detalhes, os acabamentos e o equipamento reforçam isso mesmo.
O motor (M105), com caixa de 6 velocidades, refrigeração líquida (numa primeira fase por sifão e não por bomba de água) tinha inegáveis semelhanças com o produzido pelos holandeses da HuVo, mas era francamente interessante e tinha uma performance capaz de ombrear com a concorrência, não apenas nacional, mas também exterior, caso da japonesa.
Além disso, tinha travão de disco dianteiro (tanto aparece do lado esquerdo como do direito da roda), fantásticas jantes de 7 braços e uma decoração muito apelativa, nomeadamente na versão preto/dourado com as cores da equipa de Formula 1 Lotus (muito popular à época), patrocinada pela John Player Special onde correu, por exemplo, Ayrton Senna.
Adotou, ao longo da sua carreira, vários padrões cromáticos, com a predominância do branco, do azul e do vermelho, como forma de se atualizar e responder às tendências do mercado, tentando sempre captar novos compradores.
Muito fácil de conduzir, relativamente estável e económica, chegou a ser comercializada durante uma década e tinha o fator distintivo de ter 6 velocidades, embora nem sempre precisas e com um escalonamento questionável, caso da primeira muito longa. Infelizmente, com o passar dos anos, não se foi modernizando e acabou por ser ultrapassada, além de que não foram sendo corrigidas algumas das suas principais falhas.
Uma delas, bem conhecida, foi nunca ter sido adicionada a mistura automática (autolube), algo vulgar nas japonesas há décadas! Por outro lado, tinha falhas óbvias, como uma chave de arranque decente para afastar os amigos do alheio ou uns manómetros mais elegantes e completos (incluindo um taquímetro ou conta-rotações), já para não mencionar a instalação elétrica deficitária e a iluminação insuficiente.
Aquela que apresento, com um agradecimento muito especial ao meu amigo Esteves, é das primeiras, tal como mostra a decoração, tendo na “chapinha” a indicação do ano de construção: 1987 e está ali um trabalho soberbo de recuperação, mesmo não sendo completamente fiel ao original.
O facto de não estar completamente “restaurada” não lhe retira o encanto e a áurea. Afinal de contas, há magia nas completamente restauradas, nas personalizadas, nas alteradas ou nas que nunca sofreram qualquer modificação e estão quase como vieram ao mundo! Mesmo nos encontros de “Chapa amarela” é vulgar existirem prémios para as várias categorias.
Basta um olhar atento para perceber que não tem os piscas, os manómetros são oriundos de uma Casal Boss ou que falta, à volta do farol, a pequena carenagem que era exclusiva dos modelos com farol quadradão, não constando das equipadas com farol circular e que a bomba de travão não tem o habitual depósito de óleo cilíndrico.
Também lá falta, por exemplo, a indicação na tampa lateral esquerda do radiador “Utilizar no radiador somente água destilada e anticongelante” e tenho dúvidas sobre a originalidade dos amortecedores, mesmo sabendo que as marcas nacionais, a Casal não era exceção, aproveitavam o que havia disponível no momento de fornecedores nacionais, espanhóis, franceses, italianos, alemães, holandeses…
Quanto à cilindrada real do motor é sempre uma questão difícil e, muitas vezes, dada a cada vez maior escassez de material original (nomeadamente cilindros, pistões, bielas…) leva a que a solução seja partir para opções de recurso e, também por isso, aumentos de cilindrada sejam quase inevitáveis.
Por outro lado, muitos dos seus utilizadores, agora na casa dos 40 ou 50 anos, pesam substancialmente mais que quando tinham 20 e um aumento de cilindrada é a melhor forma de compensar o aumento de peso, mantendo a relação peso/potência mais equilibrada! De salientar que coexistem motores com o pedal de arranque (vulgo kick) à esquerda e à direita.
Só já numa fase posterior, diria que demasiado tarde, a marca tentou uma atualização do modelo, lançando a Casal Magnum (como o gelado ou o calibre de revólver). Já vinha equipada com autolube e até arranque elétrico, mas não chegou a tempo para salvar a histórica marca que acabou na falência, já no início do milénio.
Existiu ainda um modelo RZ 125 (nunca vi nenhum ao vivo), mas mesmo que tenha chegado ao mercado foi em número perfeitamente irrelevante, sobretudo se comparado com outras produções de 125 cc da marca de que falaremos num número mais à frente. De notar as semelhanças evidentes com a Honda NS 125.
A Veículos Casal chegou também a ser importadora da marca Suzuki em Portugal. Foi pena não se ter associado ao fabricante nipónico de modo a poder ter acesso a tecnologias, métodos produtivos, motores completos… que lhe poderiam ter assegurado um futuro. Talvez já tenha sido num momento em que a marca estava condenada.
Temo ainda que não tenham sido preservados, para memória futura, pelo menos parte dos seus acervos documentais e arquivísticos. Ali estava uma parte importante da história de Portugal da segunda metade do século XX em termos industriais, mas também de formação profissional e até desportivos, na velocidade (foi seu o record de velocidade máxima numa 50 cc muitos anos), no motocross e até nos kartings!
A RZ 50 e a concorrência
Enquanto esteve no mercado, as outras marcas tinham muitas alternativas, nomeadamente nacionais. Refiro-me, por exemplo, à XF-17 (depois às 21 e 25), à V5 (nas suas diferentes declinações) ou às motorizações Minarelli P6R.
Porém, era inegável que algumas das maiores ameaças vinham de fora, sobretudo do país do Sol Nascente e também de Itália (Aprilia, Cagiva…).
A Yamaha RZ 50 (já mencionada antes neste artigo) era, provavelmente, a concorrente mais forte. Estava no mercado desde o início da década de 80 e o seu motor era, basicamente, o mesmo da DT 50 lc, de que falámos no número anterior. Curiosamente, tal como a DT 50, a Casal RZ 50 também chegou a equipar várias esquadras da PSP.
Até as semelhanças estéticas entre as duas RZ são muitas, mas a qualidade de construção e o equipamento faziam toda a diferença e nem mesmo a diferença enorme de preço (em 1984 uma RZ nacional custava cerca de 104 contos e a RZ japonesa 196) chegavam para equilibrar a balança.
De origem a Casal até podia ser um pouco mais rápida (já para não falar nas que se encontravam a 80 cc) e tinha espaço decente no selim para o passageiro (falha nunca colmatada na nipónica, quem andou à pendura sabe a que me refiro), mas no global estava uns furos abaixo da japonesa em matérias como suspensões, quadro, caixa, sistema elétrico… e prestígio!
Algo similar acontecia com a Honda NSR 50 que chegou ao mercado também no meado da década de 80. Apoiada em cores vistosas, numa ligação clara à competição e com carenagens muito completas, também fazia as delícias dos jovens que com ela sonhavam.
Outra concorrente, que chegou já um pouco mais tarde, foi a Suzuki Wolf 50. Tendo por base a motorização da TS 50, era bastante apreciada em algumas regiões do país e apesar de algo espartana na dotação de equipamento, o facto é que era muito compacta e divertida. A sua principal limitação era mesmo o exíguo selim que tinha sido desenhado para uma só pessoa e dificilmente conseguia levar duas, mesmo se fossem dois jovens nos seus anoréticos 16 ou 17 anos!
Voltando à “nossa” RZ é relativamente comum de ser encontrada num qualquer encontro (podem chamar-lhe concentração) de veículos de chapa amarela, clássicas ou qualquer outra designação, mas o valor de uma em estado impecável ou mesmo de concurso é elevado (que pode ser bem diferente do valor da venda real) e reflete isso mesmo.
É um veículo sobre o qual há imensa informação disponível pelo deixo algumas fontes de informação:
Revista Motos Clássicas e Vintage (MCV): n.º 24, de junho de 2012, artigo dedicado à RZ 50;
Revista Só Clássicas: n.º 27, artigo dedicado à Casal em geral;
Clube Casaleiro: fórum “especializado” na Casal. O Admin (FNunes) é um profundo conhecedor;
SóClássicas: blog incontornável pela qualidade, quantidade e diversidade da informação;
Motorizadas 50: mais um ponto de acesso para informação sobre a RZ 50 e não só;
Casal RZ: grupo dedicado ao modelo na rede social Facebook;
Rodas de Viriato. Blog com imensa informação sobre todas as nacionais.
Para o próximo número vamos debruçar-nos sobre mais uma das várias 50 nacionais que fez e faz furor. Só posso adiantar que A Moto É Linda! Esperem pela próxima sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira