Nota Introdutória:
Esta coleção de artigos pretende ser uma tentativa de conseguir, nas próximas semanas e meses, que seja publicado semanalmente uma crónica sobre veículos de duas rodas motorizados que tenham marcado uma (ou mais) gerações.
Por mera opção pessoal, será centrada em veículos das décadas de 70, 80 e 90, por serem exatamente aquelas que me fascinaram e representam, de certa forma, uma época de ouro para as motos em Portugal, independentemente da cilindrada, preço, potência…
Tentarei ser rigoroso, na medida do possível, e as falhas e imprecisões, que certamente vão existir, são da minha responsabilidade e peço antecipadamente desculpa por elas. Espero que compreendam também que será uma escrita mais apaixonada, não isenta e sem demasiados detalhes técnicos, mas as motos causam isso! Além disso, assumo que nem sempre consegui fotos da minha autoria no material publicado e tive que me socorrer da Internet.
Não é minha intenção, nem de perto nem de longe, ser um levantamento minimamente exaustivo. Só as 50 cc seriam às dezenas! É apenas a minha visão. Dito de outra forma, provavelmente, cada um dos nossos leitores/as faria uma lista diferente e ainda bem!
Um especial agradecimento à OldTimer Studio Lisboa por ter autorizado a utilização das suas fotos. Mostram bem o carinho, a paixão e a qualidade técnica do que se faz por esse país em matéria de restauros.
Iremos começar pelas pequenas 50 centímetros cúbicos (cinquentinhas) e, de forma gradual, subiremos de cilindrada. Irão coexistir veículos originais, recuperados, customizados, adulterados porque a diversidade é isso mesmo e a paixão manifesta-se de muitas formas.
Tentarei também que sejam sempre veículos de duas rodas com alguma representatividade no mercado nacional e não exemplares quase desconhecidos ou que sejam mais raros que uma agulha num palheiro, por exemplo, comercializados apenas noutros mercados ou vindos das ex-colónias.
Também se poderá dar o caso de ter de pedir ajuda aos Leitores/as para obter informação, nomeadamente fotografias ou mesmo um testdrive, de algum modelo específico para o qual tenha dificuldade em conseguir acesso.
Por último sintam-se à vontade para comentar na página da nossa Rede Social. Da vossa aceitação e comentários depende também a continuidade deste projeto, embora já tenha uma “estrutura mental” do mesmo e definidos, no global, os ciclomotores e motociclos que quero apresentar.
N.º 1: Yamaha DT 50
Tomei a liberdade de “entrar pela porta grande”, ou seja, abordar um ciclomotor muito comum, que criou uma legião de fãs e adeptos e que, mesmo agora, tem inúmeros apreciadores e uma aceitação incrível no mercado de usados, sobretudo no das “não nacionais”.O sucesso deste modelo, nas suas diferentes declinações, foi de tal ordem que apanhou de surpresa até os próprios japoneses! É caso para dizer que ficaram “de olhos em bico” com a aceitação que a DT 50 teve num mercado minúsculo como o nosso. Um verdadeiro caso de estudo!
A DT (Dual Terrain) veio ao mundo nos finais da década de 60, com diversas cilindradas e modelos, mas vamos focar-nos no início da década de 80’ em que apareceu como digna sucessora das Mini Enduro e da MR 50 e tinha tudo para dar certo, até na designação MX:
Um pequeno motor monocilíndrico a 2 tempos, refrigerado a ar, leve, ágil, precisa caixa de 5 velocidades e com algumas capacidades para a prática do fora de estrada, muito popular na época, no nosso país.
Face às produções nacionais da época tinha várias vantagens: monoamortecedor traseiro (conhecido por mono cross), mistura automática (vulgo autolube), instalação elétrica fiável, razoável altura ao solo, só para dar alguns exemplos.
A estética era dominada pelo grande farol dianteiro (com uma mica a toda à volta) e um perfil bastante esguio. Existiram, pelo menos 4 cores dominantes no modelo, sendo o vermelho o mais comum. A grande revolução dá-se, no meado dessa década com a vinda da versão LC (liquid cooled). O pequeno veículo foi profundamente atualizado em todos os níveis. Ganhou mais potência, refrigeração líquida, uma caixa de 6 velocidades, conta rotações, manómetro da temperatura…
O sucesso foi imediato! Em pouco tempo a “nova” DT tornou-se objeto de desejo (ou de consumo, se preferirem) em especial para os/as jovens que tinham ou desejavam ter a sua “Licença de Condução de Velocípedes”, sinónimo de liberdade e independência! Podemos dizer que era uma espécie de IPhone da época e ser dono de uma representava um certo status, junto dos amigos (e das amigas), de tal forma que tinha uma posição que todas as concorrentes (e eram muitas) ambicionavam ter. Era uma verdadeira definidora da tendência do mercado. Bastava passar à porta de qualquer Escola Secundária para perceber isso.
De entre as suas muitas qualidades, a sua robustez e fiabilidade, sobretudo estando stock, permitiu a muitos jovens darem também os primeiros passos na competição ou, pelo menos, aventurarem-se fora da estrada! Apesar das rodas de pequena dimensão (17 e 19 polegadas, respetivamente), suspensões limitadas, travões apenas suficientes… era o bastante para grandes aventuras!
Já na década de 90’ surge nova atualização, mas menos profunda, sendo corrigida uma importante falha: a limitada capacidade de travagem dianteira. A DT LC, ganhou um D (disk) e a capacidade de travagem um simpático upgrade.
Mais tarde foram ainda lançadas novas versões, caso da DT 50X (verdadeira mini supermotard), com rodas a condizer e travão de disco à frente e atrás ou da LCDE (eletric), mas o sucesso foi decaindo, seja por mérito da concorrência, seja por causa da pressão ambiental ou da mudança de hábitos dos consumidores. Foi definitivamente descontinuada já neste século, mas continua bem viva.
O sucesso era de tal forma significativo que a marca lançou uma edição denominada Cabo da Roca (ponto mais ocidental da Europa Continental), tendo a mesma sido apresentada nesse local pelo “Sr. Yamaha Portugal”, ou seja, o João Pissarra, que nos deixou fisicamente há 2 anos, com a bonita idade de 92 anos e foi durante vários anos a face visível da importação da marca no nosso país.
A própria PSP adquiriu várias para as suas esquadras por esse país fora e as suas qualidades são ainda hoje reconhecidas por muitos agentes que a consideram como, passo a citar, “a melhor cinquenta que passou pela esquadra”!
Principais modificações/alterações/personalizações
Nos dias de hoje já não é fácil encontrar uma DT 50 que esteja num estado próximo do original, tirando se tiver sido alvo de um restauro mais ou menos aprofundado e mesmo assim há peças que é complicado obter ou surgem a preços quase pornográficos.
Consoante os anos, a marca teve o cuidado de ir lançando novas cores e grafismos o que lhe dá uma heterogeneidade incrível e entre amarelos, rosa, azuis, verdes, vermelhos, roxos… há um pouco de tudo!
A maior parte delas, fora as mais ou menos frequentes quedas, foram alvo de infindáveis modificações: muitas vezes começava com remover apenas os espelhos, os piscas, suporte longo da matrícula, as tampas laterais (demasiado fáceis de roubar) ou o pequeno prolongamento da ponteira de escape (vulgo pilinha).
Daí para a frente era um mundo de alterações possíveis: mica dianteira e respetivo farol, poisa-pés para o pendura, retirar o suporte traseiro de bagagem (vulgo porta-couves), os manómetros, o guiador… até chegar ao motor!
As alterações ao motor e respetivos periféricos (carburador, radiador, escape, caixa e filtro de ar) davam para escrever um tratado com centenas de páginas! Imagino as risadas de alguns leitores/as pois sabem perfeitamente a que me estou a referir!
A expressão “kitar” o motor ganhou um significado e dimensão incríveis, à medida que surgia cada vez mais material (algum produzido em Portugal) para melhorar a performance do motor e o equiparar mais à concorrência que também não dormia, muito pelo contrário!
Mesmo na atualidade continuam a ser feitas preparações que fazem corar de inveja muita gente! Era giro mostrar aos engenheiros japoneses o que se continua a fazer por cá nesse sentido!
Aliás, com a autorização do meu amigo P. Oliveira, deixo o destaque da DT 50lc de que é orgulhoso proprietário, sendo ele o primeiro a admitir que de original mecanicamente já não tem muito! Ao menos foi consciente o bastante para melhorar também o sistema de travagem dianteiro! Na génese temos uma DT 50 LC, matriculada no final da década de 80, em que a cilindrada não chegava aos 50 cc, mas na realidade temos muito mais! Aqui vai uma pequena lista, sem ser exaustiva ou com grandes detalhes, mas a performance pura aproxima-a de uma DTR 125 stock (sobre a qual iremos falar num número mais à frente), ajudada pelo facto de ser pequena e muito leve.
A partir do meio do acelerador (diria, talvez, ali por volta das 6.000 rpm) esta pequena DT transfigura-se por completo e até a roda da frente teima em querer descolar do asfalto, mesmo em mudanças mais altas! É um pequeno míssil e o motor alonga imenso! Bem mais que de origem, sempre acompanhado pela melodia do escape!
Motor profundamente trabalhado: (basta olhar para as fotos) sendo que a cilindrada deve ser aproximadamente o dobro da original. Cambota, biela, pistão, cilindro, cremalheira de embraiagem de dentes direitos, bomba de água e tubos de radiador… tudo é diferente do original;
Parte elétrica alterada, o carburador é um Oko gigante, o radiado é proveniente de uma DTR 125, foi retirado o sistema de autolube…
Em termos estéticos temos um farol dianteiro que nada tem a ver com o original, depósito é de uma versão Cabo da Roca, vários autocolantes (alguns são réplicas dos originais), manetes reversíveis, outro guiador, um enorme disco de travão à frente, aros coloridos, sem manómetros. Por opção a traseira permanece mais próxima do original, tal como o sistema de travão traseiro.
Especial destaque para o sistema de escape (ignorem o autocolante). Este em concreto veio do Algarve e é um escape completamente artesanal, sendo que existem alguns especialistas nacionais na criação dos mesmos, feitos à medida dos gostos do cliente e do veículo em causa.
Quanto a preços não vale a pena falar disso, mais ainda porque um projeto desta natureza dificilmente está acabado e há sempre novos upgrades que podem ser feitos, basta haver vontade e fundos para tal! O céu é o limite!
Os consumos também são um bocado tabu, dado o preço atual da gasolina, mas numa condução descontraída não diferem muito de uma DT em estado original. Em condução mais empenhada… esqueçam!
Há até modificações bem mais radicais que esta e não apenas em termos de estética! Por exemplo, quem faça um swap integral do motor, colocando lá o de uma Yamaha DT 80 (comum na vizinha Espanha) ou de uma Yz 80, no qual será depois necessária nova alteração na parte elétrica (rotor) para gerar corrente para a iluminação. Há até quem “adapte” diretamente o motor de uma 125, em especial o da DTR 125.
A fiabilidade é um tema sensível, sobretudo se for para andar a fazer arranques e “picanços”, mas com o uso um pouco mais regrado é possível que o motor até faça alguns milhares de km’s sem necessitar de grandes intervenções. É também essencial usar produtos da máxima qualidade, nomeadamente o óleo de mistura, evitar grandes abusos com o motor frio e um bom radiador (há quem opte por dois) capaz de dissipar a elevada carga térmica gerada.
É um veículo sobre o qual há imensa informação disponível, mas deixo algumas fontes de informação, sendo que muita está em grupos restritos do Telegram ou do Whatsapp:
Clube DTR: apesar da designação, tem também imensa informação sobre a pequena DT 50;
Clube DT LC de Lisboa: um dos vários grupos nas redes sociais, especializado em compras e vendas;
Clube Português de Motociclismo: vários tópicos sobre a DT;
Yamaha DT 50mx: especificamente sobre a DT 50 MX;
CMSNL.com: para quem procura peças originais. Sedeado na Holanda. Também compram material.
Para o próximo número vamos debruçar-nos sobre uma das várias 50 de fabrico nacional, bastante apreciada na época, tal como hoje. Esperem pela próxima sexta-feira!
Texto: Pedro Pereira