Apresentamos uma das motos mais marcantes do final do século passado na categoria das 125 cc. A Cagiva Mito CRC 125 com genes de moto de competição e, no caso concreto deste exemplar de 1995, com uma estética praticamente decalcada da fenomenal Ducati 916, que lhe serviu de modelo inspirador.
Por: Pedro Pereira
Fotos: Paulo Calisto

Quando o engenheiro e criador italiano Massimo Tamburini desenhou aquela que é considerada por muitos como a moto mais bela do século passado, era de prever que o Grupo Cagiva, que também detinha a Ducati, pudesse fazer algo similar. Talvez até em ponto mais pequeno e para ser comercializado por preços mais ao alcance do comum dos mortais, em especial dos mais jovens. Aliás, se forem colocadas lado a lado, a Ducati 916 e esta Cagiva Mito 125 nota-se de imediato que são irmãs, ainda que não gémeas.
Ao longo da sua longa carreira, que durou de 1989 quando foi apresentada como sucessora da Freccia (em português, seta) até 2009, conheceu uma série de versões e evoluções, mas 1995 é, por um conjunto de razões que apresentamos de seguida, provavelmente o ano mais emblemático de toda a sua carreira. Além da estética avassaladora de uma verdadeira race replica tem também performances estonteantes que, nos modelos dos anos seguintes e de forma gradual, foram severamente amputadas.

Uma história rica
A Cagiva, que resulta da junção do acrónimo Castiglione Giovanni e Varese, nasceu formalmente em 1978 com a compra da Aermacchi-HD, numa fase em que a Harley-Davidson decidira abandonar o seu projeto europeu e focar-se no seu mercado e produto tradicional.
Daí para a frente o Grupo Cagiva passou por vários altos e baixos e chegou a ter sob o seu comando e liderança um conjunto muito diversificado de marcas, sendo que a própria marca acabou por desaparecer do mercado no início deste século. Por lá passaram marcas como a Ducati, Moto Morini, Husqvarna, Bimota, MV Agusta, CZ e até o Mini Moke, que chegou a ser produzido em Portugal, até 1993!

Com muitos altos e baixos o Império Cagiva, durante muitos anos sob a liderança dos Irmãos Castiglione, cuja sede era em Varese, lançou no mercado muitas motos que se vieram a tornar verdadeiros ícones e enquanto o dinheiro o permitiu teve uma forte aposta na competição e com excelentes resultados.
Destaque para a vitória no Rali Paris-Dakar em 1990 por Edi Orioli com a Lucky Explorer Cagiva Elefant 900ie (o logo da marca tem um elefante desenhado, daí o nome do modelo), a participação no mundial de velocidade com a Cagiva 500 (John Kocinski ganhou várias provas, mas nunca o campeonato) ou os sucessivos campeonatos em Superbike com as Ducati bicilíndricas, ainda sob a alçada do Grupo Cagiva.

De entre as muitas motos icónicas do Grupo, a Cagiva 125 Mito, como o próprio nome indica, merece um destaque especial e nos dias de hoje está praticamente a tornar-se uma moto de culto, em especial nas edições especiais que foi lançando ao longo dos anos, desde a sua apresentação em 1989. É o caso da Racing Lucky Explorer, da Denim, da Lawson Replica, da Lucky Strike ou da SP, só para citar algumas.
Como se não bastasse, a Cagiva 125 Mito foi líder de vendas em Itália vários anos e foi nela que um certo Valentino Rossi, “Il Dottore”, ganhou o seu primeiro campeonato de velocidade em Itália, em 1994. Depois abandonou a marca e venceu nove campeonatos mundiais de velocidade em 125 cc, 250 cc, 500 cc e depois nas motos de 1000 cc (MotoGP), quando as motos a dois tempos foram banidas da competição.

Prioridade à Performance
Esta Cagiva Mito CRC 125 transpira a moto de competição por todos os poros. Até o logo CRC (Centro Ricerche Cagiva) nas laterais reforça esse facto e mostra bem que a marca italiana apostava neste modelo todas as suas fichas e tinha nela uma moto verdadeiramente ganhadora nas pistas e também nas vendas.
Numa fase em que as marcas japonesas começavam já a apostar menos nesta cilindrada, apesar de ainda existirem modelos como a Suzuki RGV 125 ou a Yamaha TZR 125, a Mito tinha a sua mais forte oposição também de um fabricante transalpino: a Aprilia com a sua fabulosa Aprilia RS 125.

Toda a Mito é compacta e nada foi deixado ao acaso estando praticamente pronta, de série, para ir competir. Basta, quando muito, montar um conjunto de pneumáticos mais radicais, aumentar a rigidez das suspensões e está pronta para entrar em pista. Não há grandes concessões ao conforto e o lugar do passageiro é meramente simbólico e existe apenas por questões de homologação. Mais que dois minutos sentado lá, só por amor ou necessidade!
Sensações de condução
Um obrigado muito especial ao David Carvalho que tem nesta moto algo verdadeiramente especial e faz questão de a ter o mais próximo do original, embora se perceba que há por ali uns pequenos detalhes, caso do ecrã dianteiro que já foi trocado (o original degradou-se com o tempo e não se encontra à venda) ou os autocolantes que já foram substituídos.

Nada disso retira magia e encanto a este ícone dos anos 90 que fez as maravilhas de muitos jovens, mesmo aqueles que nunca chegaram a ter uma, até porque o seu preço se aproximava do proibitivo no nosso país. Tomando por referência o ano de 1995 uma moto destas custava cerca de 900 contos, algo como 4500 Euros, e o salário mínimo rondava os 52 contos (260 Euros).
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Ainda que matriculada em 1998 trata-se de um modelo de 1995, marca cerca de 16 000 km e a sua condução é sublime. Chave na ignição ligada, roda-se a torneira de gasolina para a posição de aberto, aciona-se o botão de enriquecedor de mistura se o motor estiver frio (choke), prime-se o botão mágico e o motor acorda para a vida com o típico sibilar de abelha.

Tentamos depois acomodar-nos no minúsculo cockpit da moto e percebemos que está lá tudo, com destaque para o taquímetro, mas em posição algo minimalista e temos de nos encaixar na moto. Quando tinha menos 30 anos era muito mais fácil, mas também pesava menos 25 kg!
É crucial deixar o motor aquecer um pouco antes de iniciar a marcha. Parte das queixas da reduzida duração dos componentes mecânicos advém do mau uso. Aproveitar a mecânica apenas com o motor bem quente e usar produtos de máxima qualidade, caso do óleo de mistura, são a chave para uma maior durabilidade, nomeadamente do pistão/segmentos e do próprio cilindro.

Depois do motor atingir alguma temperatura começa a diversão! Para um motor de oitavo de litro a moto anda que se desunha! Passadas as 6000 rpm a energia começa a surgir de forma inebriante, à medida que vamos passando rapidamente de caixa até chegarmos à sétima velocidade! Sim, são mesmo sete velocidades! Um importante argumento de venda e a própria caixa é rápida e suave, sendo que apenas o neutral pode ser algo temperamental.
O quadro é rígido, os travões mais que suficientes e as suspensões cumprem com brilhantismo, sobretudo se o asfalto ajudar, já que em mau piso vamos sofrer bastante. Até a sonoridade do escape vicia a leva-nos a querer usar a parte superior do taquímetro sendo que a zona vermelha chega por volta das 11000 rpm, altura em que os 35 cv se mostram em todo o seu esplendor, mas não convém abusar.
Notas finais
Na Europa, em 1996, por causa das emissões e das mais exigentes regras para a obtenção da Carta de Condução, a Cagiva Mito, de forma gradual e consoante os mercados, foi literalmente amansada, ainda que continuamente melhorada em aspetos como a ciclística e a estética atualizada.
Perdeu-se a sétima velocidade, o carburador de 35 mm deu lugar a um politicamente correto de 28 mm, o regime da potência máxima foi reduzido, o escape tornou-se mais restritivo e a Mito foi sendo mais domesticada, mas o seu lugar no Olimpo das Motos já estava garantido!








Pontuação:
Estética | 5 |
Prestações | 4,5 |
Comportamento | 4 |
Suspensões | 4 |
Travões | 4,5 |
Consumo | 3 |
Ficha técnica:
Motor | Monocilíndrico a dois tempos, refrigeração líquida |
Distribuição | Gasolina com mistura (autolube) e válvula de escape |
Cilindrada | 124,6 cc |
Potência | 35 cv às 12000 rpm |
Binário | 23 Nm às 1100 rpm |
Embraiagem | Manual, acionada por cabo |
Final | Corrente |
Caixa | 7 velocidades |
Arranque | Elétrico |
Quadro | Perimetal em alumínio |
Suspensão dianteira | Forquilha invertida, regulável, de 40 mm e 120 mm de curso |
Suspensão traseira | Mono amortecedor, regulável |
Travão dianteiro | Disco de 320 mm, duplo pistão |
Travão traseiro | Disco de 230 mm, único pistão |
Pneu dianteiro | 110/70-17 |
Pneu traseiro | 150/70-17 |
Comprimento total | 1980 mm |
Largura total | 710 mm |
Altura total | 1100 mm |
Distância entre eixos | 1375 mm |
Altura do assento | 760 mm |
Peso | 129 Kg (a seco) |
Depósito | 14 litros |
Cores | Variáveis ao longo da sua produção (1989-2009) |
Preço | Cerca de 900 contos (4500€, em 1995) |
Importador | Cagiva |
Equipamento usado:
Capacete: Schuberth
Blusão: RSW
Calças: Alpinestars
Luvas: Vquattro
Botas: TCX