Gostaríamos desde já de assumir que este não é um comparativo. Se efectivamente a volumetria dos 450 cc é comum a estas três motos, as suas personalidades são bastante diferentes. E porque elas estão cheias de certezas nas suas capacidades, serve este teste conjunto só para vos ajudar a refinar as vossas preferências e definir que tipo de aventureiros é que vocês são. De nada!

POR Pedro Alpiarça
Fotos Paulo Calisto
Com a colaboração de Domingos Janeiro e João Fragoso
Pisar terrenos onde o asfalto não existe para podermos chegar ao lado B do mundo, é cada vez mais um desejo partilhado por muitos. Hoje em dia o marketing deu-lhe o nome de “Aventura”, e finalmente começamos a assistir uma aproximação das marcas na tentativa de encurtar o espaço que existia entre as motos de enduro e as grandes trail. Estes quase 100 kg de diferença, exacerbados nas formas e volumes, começam a ser esbatidos com máquinas que apresentam motores de menor capacidade, mas que entregam uma acessibilidade que ajuda a descomplicar o desafio de rolarmos em pisos irregulares. A sua capacidade estradista também não foi descurada, até porque é fundamental não deixar cair por terra o conceito de viagem/exploração. Na zona de conforto de utilização destes três modelos existem claramente dois extremos, em que a Kove 450 Rally personifica o aspirante a piloto de Rally e a Himalayan o “gajo cool” que gosta de ir sujo para o Gentleman ‘s Ride. No meio estará a virtuosa CFMOTO 450 MT, que pretende jogar em todos os tabuleiros. Mas acreditem que existem algumas surpresas escondidas…

CFMOTO 450 MT
Sob a promessa de entregar uma trail de aventura de baixa cilindrada capaz de ser uma alternativa às maxi-trail mais vendidas do mercado, a CFMOTO serviu-se do seu bicilíndrico de 450 cc (visto pela primeira vez na desportiva SR) para dar voz a um projecto assumidamente ambicioso. Os puristas pedem sempre menos peso (e não necessariamente mais potência) e mais acessibilidade, e se a primeira premissa foi timidamente atingida, a segunda rebentou a escala do que era considerado razoável. Expliquemos melhor o fenómeno. A CFMOTO conseguiu entregar ao público um produto que se assemelha a uma maxi-trail por um valor imbatível, assumindo claramente uma postura de tomba-gigantes.
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Temos tecnologia, resposta motriz, electrónica e um “look” que consegue enganar o mais distraído dos “conhecedores”. Nunca lhe tiram a pinta de “quatro-e-meio”, e este engano frequente assenta-lhe como um rasgado elogio.

Podendo parecer mais intimidante do que é, na realidade a facilidade de utilização é o mote que define a sua personalidade. A baixa altura do assento ao solo (820 mm) faz com estejamos bem encaixados na estrutura da moto, e os braços bem abertos casam na perfeição com a sensação de estarmos aos comandos de uma típica trail. Não fosse a posição dos pousa-pés ser demasiado elevada (talvez para ganhar margem de tolerância em ângulos de inclinação mais corajosos em estrada) e não teríamos absolutamente nada a apontar. De resto, existem pormenores que revelam o cuidado da marca em dar propósito às suas máquinas, tais como os espelhos rebatíveis, as protecções de punho ou as manetes ajustáveis. Todo o conjunto revela solidez e qualidade na sua construção, nada que indique existir alguma contenção para baixar o seu valor final. Continuando neste paradigma, o TFT deixa transparecer toda a tecnologia que está ao nosso dispor (mapas de condução com electrónica dedicada, navegação espelhada e acesso ao telemóvel, etc).

E como nunca ninguém disse gostar de tudo numa moto menos do seu motor, a unidade motriz tem obrigatoriamente que estar à altura dos acontecimentos. O bicilíndrico de cambota desfasada a 270º (com 449 cc, debitando 42 cv às 8500 rpm e 42 Nm às 6500 rpm) serve-se de uma fantástica nota de escape para nos obrigar a puxar por ele sempre que possível. E aqui começa o festival das passagens de caixa, porque esta 450 MT tem umas relações bastante curtas (ao ponto de acharmos a sexta velocidade quase redundante…), transformando a experiência de condução numa permanente (e frenética) subida de regime. Não é defeito, é feitio, já dizia o outro, mas gostaríamos de conseguir fazer uma AE com bom ritmo, sem estarmos a morder o red-line…

Até porque a CFMOTO revela um extraordinário equilíbrio em todos os cenários que lhe apresentamos, seja pelo comportamento das suspensões (umas KYB totalmente ajustáveis em ambos os eixos, com 200 mm de curso), seja pela boa distribuição de massas que lhe favorece a agilidade. Por falar em peso…embora os 192 kg a cheio para uma trail com 450 cc não serem um motivo de orgulho, tem todo o mérito de os conseguir camuflar de modo convincente.

Kove 450 Rally
Esta moto, embora partilhe a mesma volumetria motriz das outras duas, está noutro patamar dinâmico. Nascida com o fito do fora de estrada puro e duro, os seus modelos de pré produção (segundo a marca, em tudo semelhantes ao produto de venda ao público) já cumpriram – e completaram – dois Rally Dakar. Se mais provas fossem necessárias para demonstrar o compromisso da Kove em oferecer ao público uma máquina competitiva a um preço canhão, o facto de existir um “pack performance” que liberta todo seu potencial (por mais cerca de 1000€ altera-se linha de escape, filtro de rendimento e centralina) é apanágio de uma atitude aguerrida. Para nosso gáudio, o modelo ensaiado estava equipado com o mesmo (são cerca de 10 cv a mais que se soltam, qualquer coisa como um aumento de 25% de potência), o que nos fez pensar muito sobre o quão restritivas são as normas europeias de ruído e poluição nos actuais motores térmicos.

Existem muitos modelos “adventure” que ostentam a palavra “Rally” no seu nome, e de certa forma o que se espera de radical, banalizou-se ou tornou-se demasiado exclusivo. Pois bem senhoras e senhores, esta é a moto de Rally (com verdadeira capacidade de fazer raides logo à saída do stand) mais barata do mercado. Fazemos esta afirmação baseados no facto de existirem três depósitos de combustível (totalizando 29 litros), uma torre minimalista pronta para ser carregada com toda a parafernália de navegação, suspensões com cursos superiores a 250 mm (de marca chinesa) e apenas 145 kg a seco. Alegrem-se os pilotos de fim de semana, porque chegou o unicórnio que fará de vocês o Peterhansel da Vidigueira. É impossível não ficarmos entusiasmados na sua presença, ponto final…

De um modo expectável, não existem grandes concessões no que toca à experiência de condução da Kove 450 Rally. Alta, rija e bruta, é tudo aquilo que se espera de uma moto de enduro. O monocilindrico (com 449 cc, debita 42,1 cv às 8500 rpm e 35 Nm às 6500 rpm) não é de todo uma unidade subtil, sobretudo nesta versão “deslimitada”. Temos a sorte de termos um simpático TFT que nos indica o quão rápido estamos a rodar por maus caminhos e um redundante conta-rotações, tal não é a sinfonia que emana do sistema de escape. Os vizinhos adoram…
A sua eficácia no fora de estrada é proporcional à sua deselegância no asfalto, mas a culpa é de quem a coloca fora do seu elemento. Quanto mais velocidade carregamos, quanto mais exigente for o piso, e principalmente, quanto mais assertivos formos aos seus comandos, melhor ela se comporta.

Royal Enfield Himalayan 450
Esta é a terceira geração da pequena aventureira (mas a sua maior evolução) indiana com inspiração inglesa. A sua postura neoclássica ganhou mais tecnologia, mais potência e capacidade ciclística, tudo isto sem perder o seu carácter tão próprio. A Himalayan sempre soube conquistar um público que prefere ter um estilo muito próprio de aventura, com uma parcimónia e bonomia típicas de quem sabe que o que interessa é a viagem, e não necessariamente a pressa de chegar ao destino. O design está bastante mais fluido e moderno, mas as formas que a caracterizam continuam presentes, desde as icónicas “crash-bars” superiores à jante 21” dianteira. Não querendo correr o risco de parecer faccioso, esta Royal Enfield criou uma espécie de culto à sua volta, e os seus donos faziam questão de fazer as coisas de maneira diferente. O trabalho da marca em fazer evoluir o modelo era hercúleo, mas consegui-o com distinção.

Aos seus comandos seguimos confortavelmente sentados (825 mm de altura do assento ao solo), com uma postura meio híbrida, um misto de naked e trail, ou uma scrambler com muito metal à vista, se quiserem. Todos os comandos são estilizados para evocarem um certo respeito pela história da marca, e este espírito percorre toda a moto nos mais diversos acabamentos. O generoso (e diferente) TFT circular não só apresenta toda a informação de forma elegante, como demonstra ter a capacidade de navegação e acesso ao telemóvel (através de uma app dedicada). Atenção que não falamos de umas simples setas com marcadores de distância, mas sim da capacidade de poder espelhar o Google Maps (a CFMOTO também o consegue), uma grande adição para todos aqueles que não se querem perder a caminho do Nepal…ou do Marquês de Pombal!
Servindo-se de uma caixa de velocidades precisa mas algo longa nas suas relações, o motor (um monocilíndrico com 452 cc, debitando 40 cv às 8000 rpm e 40 Nm às 5500 rpm) tem uma entrega muito progressiva e linear, sem grandes vibrações ou “engasgos” no curso inicial. Bastante redondo, é uma unidade motriz competente e solícita, e quando testado lado-a-lado com a CFMOTO (já lá vamos), ficamos com curiosidade de perceber como seria a sua entrega com uma relação ligeiramente mais curta….
A eletrónica existente resume-se a dois mapas de condução, um mais frugal (ECO de seu nome), e um mais entusiasta “Performance” onde conseguimos desactivar o ABS traseiro. E ainda bem, porque a Himalayan consegue fazer uns brilharetes fora de estrada. As suspensões Showa (forquilha invertida dianteira e 200 mm de curso em ambos os eixos) mantêm a postura inabalável que já tinham mostrado no asfalto, galvanizando o condutor a testar alguns limites. Este comportamento tão saudável é deveras surpreendente numa moto em que a agilidade (com um peso em ordem de marcha a rondar os 200 kg) não é o seu ponto forte.
Resumo
Tal como descrito nos parágrafos anteriores, as diferentes cores e humores destas três motos, são relativamente fáceis de pintar. Num contexto puramente fora de estrada, o maior valor pedido pela KOVE (quase o dobro da MT e da Himalayan), fica absolutamente justificado quando a comparamos com outras “rally réplicas” do segmento (que quase duplicam o valor pedido pela moto chinesa). A sua agressividade e exclusividade dinâmica, são vendidas de uma forma descomplicada, e não é à toa que o seu sucesso nos grupos dos aventureiros mais experientes se faz sentir. Tal como ficamos excitados com as promoções de ferramentas naquele supermercado de nome germânico, ninguém vai ao engano, percebe-se perfeitamente o seu real valor, com a certeza de estarmos a fazer um bom negócio. E sem sombra de dúvida de que precisávamos desta clarividência no mercado!

No outro lado do espectro temos aquele piso asfaltado que circula pela civilização, em que podemos observar estas máquinas de aventura a galgarem quilómetros em busca do próximo desafio. Nesta realidade, a Royal Enfield e a CFMOTO revelam-se mais confortáveis, mais preparadas e especialmente, mais acessíveis. A proteção aerodinâmica da MT (graças ao ecrã defletor ajustável e às proteções de punhos) dá-lhe alguma vantagem, mas a relação de caixa demasiado curta não nos deixa “relaxar”. Claramente que a solução ideal seria um meio termo entre as duas, até porque a Himalayan acaba por parecer algo lenta com o seu “rapport”.
Com respostas distintas, estes motores (um bi e um mono) assumem uma capacidade de entrega semelhante, e são ambos muito capazes de arrancar sorrisos aos seus donos. A posição de condução da Royal Enfield é mais natural, mas será sempre uma moto mais física.
CONCLUSÃO
A verdadeira polivalência vende muito, é um facto, e a analogia que se segue resume o enquadramento que lhes daríamos. Para a CFMOTO 450 MT comprávamos uns pneus 50/50, para a Royal Enfield uns 70/30 e para a Kove 450 Rally uns cardados com mousses. E se pudéssemos, as três na garagem, obviamente.