A primeira das três etapas do 19.º Portugal de Lés-a-Lés aproveitou o dia de feriado consagrado ao Corpo de Deus para ligar Vila Pouca de Aguiar ao Fundão, em viagem onde nem a intensa canícula ‘derreteu’ o prazer de rolar por duas das mais reputadas estradas nacionais, bem conhecidas além-fronteiras.
Da autoproclamada Capital do Granito à reconhecida Capital da Cereja, mais de 1800 motociclistas cumpriram 349 quilómetros repletos dos mais importantes ingredientes mototurísticos: paisagens de eleição, descoberta histórica, contacto com as gentes e, não menos importante, o prazer de condução. Servido em doses ‘industriais’ desde a partida em terras aguiarenses, começando pela estrada património N2, prosseguindo depois pela N222, cujo troço entre o Peso da Régua e o Pinhão foi considerada a World Best Driving Road, com momentâneas escapadas para descobrir pontos de enorme beleza.
Mesmo com o acrescento de mais um dia para cumprir a ligação entre os dois extremos do mapa nacional, madrugar é imperioso para ganhar tempo de descoberta, com mais tempo para conhecer novos locais e, a meio de enorme vaga de calor, para aproveitar o fresco da manhã para cumprir os primeiros quilómetros. Que, desta feita, N2 ‘abaixo’, levou a caravana até à Régua, não sem antes recordar as corridas do Circuito Internacional de Vila Real, com passagem pela bancada que mantém viva a chama da velocidade transmontana, e parar em Santa Marta de Penaguião, para ‘sui generis’ café à moda antiga, feitos em potes de ferro. E acompanhado por reforçado pequeno-almoço e cantares tradicionais que logo despertaram os mais sonolentos.
Que muitas eram as curvas ainda pela frente, rumo à Barragem do Bagaúste, a montante da Régua, e depois, passando pela Ervedosa, até São João da Pesqueira. Onde a paragem no moderno Museu do Vinho ajudou a absorver melhor o manancial de fortes emoções visuais, em cenário imponente, sublinhado pelo trabalho de homens e mulheres que, ao longo de séculos, moldaram a paisagem da mais antiga região demarcada do Mundo. Berço do Vinho do Porto, degustado juntamente com bolo de amêndoa naquele espaço museológico, de arquitetura tão espetacular quanto a vista que oferece desde o ponto mais alto.
Com a temperatura a subir, atirando para um qualquer recanto das memórias a frescura com que os primeiros largaram de Vila Pouca de Aguiar, lá desceu o enorme e colorido pelotão de novo até às margens do Douro, onde colaboradores da Antero, o concessionário da BMW, Yamaha e Suzuki nos Carvalhos, criaram um Oásis na desativada Estação Ferroviária da Ferradosa.
Vista deslumbrante (mais uma!) para degustar mais algumas doçarias, acompanhadas da muita água exigida pela temperatura em crescendo, preparando subida íngreme até São Xisto, onde as casas fazem jus ao nome da aldeia. E daí para Freixo de Numão, vila de marcada importância histórica, e Vila Nova de Foz Côa. Onde a envolvência de mais uma autarquia e do Motard Clube Bonelli Foz Côa Riders (nome que homenageia a célebre e bem característica e rara águia de Bonelli) ‘obrigou’ a mais uma paragem para um petisco. Que isto de andar de moto abre o apetite e o melhor mesmo é ir comendo com frequência e pouco de cada vez, rolando de forma mais desperta e ligeira.
‘Ainda’ com os termómetros pouco acima dos 30º, tempo para descobrir o Museu do Côa onde os elementos de Moto Clube do Prado – bem longe de casa! – e da Nexx, o maior e mais importante fabricante nacional de capacetes, picavam a tarjeta que assinala os 18 controlos do percurso e proporcionavam água fresca e fruta. Além de oferecerem um capacete a quem acertasse num alvo com uma pistoleta de brincar… Parece que regressaram todos para a fábrica em Anadia!
A pequena e rudimentar fortaleza de Castelo Melhor, a monumental vila histórica de Almendra e a sua Igreja Matriz prepararam os participantes para a abordagem à imponente e áspera paisagem de entrada na Beira Alta, com direito a conhecer a primeira Reserva Privada de Portugal, a Reserva Natural da Faia Brava que, nos 850 hectares já adquiridos pela Associação Transumância e Natureza, dá abrigo a espécies ameaçadas como o abutre-do-egipto e onde até as pessoas podem pernoitar em agradáveis bungalows.
Também a bem recuperada aldeia de Cidadelhe surpreendeu a caravana, sobretudo os participantes de outras latitudes, da Nova Zelândia e Austrália ao México e Chile, de Angola a Macau, da Polónia à Suíça, da Alemanha à Suécia, da França ao Luxemburgo e, claro está, a todas as províncias da vizinha Espanha. Tanto mais que a recepção preparada pelos elementos do MC Conquistadores, de Guimarães, em jeito de animada Última Ceia, ajudou os mais apressados a relaxar enquanto cumpriam tempo para ‘picar’ na hora certa. Que o Lés-a-Lés é uma passeata e nunca uma corrida. Por isso quem tenta ganhar tempo na estrada, ‘perde-o’ à espera da hora ideal de controlo! O mesmo aconteceu a outros motociclistas numa das mais antigas cidades de Portugal, Pinhel, mostrada em pormenor no interessante circuito turístico traçado pelos elementos do Moto Clube Falcões da Estrada, antes do lanche servido no centro, depois de refrescante passagem pela Fonte Cibernética.
Mais quente foi a visita a Sabugal e ao seu castelo de 5 lados, e a Sortelha onde mais um lanchinho foi acompanhado por carrascos medievais que insistiam em ‘decapitar’ todos os que estivessem adiantados em relação à sua hora ideal. Pantomina levada a cabo pelos elementos do Moto Clube do Porto e que terá deixado muitos a pensar que o melhor é mesmo cumprir os horários de forma mais certinha, aproveitando antes o tempo para mototurismo de qualidade, sem correr ‘riscos’ desnecessários. Com menos história mas nem por isso menos interessante, a viagem até ao Fundão mostrou giras estradinhas, de condução trabalhosa é certo, mas onde a tranquilidade e a surpresa paisagística ajudaram a superar as temperaturas que, em muitos locais, estiveram para cima dos 40.º. Caloraça amenizada na hora de subida ao palanque graças às mais frescas e deliciosas cerejas do País, oferecidas em jeito de delicioso prémio, ou não estivéssemos na ‘sua’ capital. Frescura que muita falta fará na ligação até Elvas, com ‘apenas’ 318 quilómetros pintalgados de imensos motivos de interesse, com novidades no Vale do Zêzere e também a sul do Tejo, no dia de entrada no Alentejo, com previsões de temperaturas bem para lá dos 40 graus centígrados.