Nota Introdutória:
A semana passada, pela primeira vez, apresentámos nas crónicas uma motorização a 4 tempos e até podia ter sido antes, mas a verdade é que as prestações puras nas cilindradas mais baixas eram completamente dominadas por motores de ciclo a 2 tempos e, em alguns casos, com valores de potência muito elevados. É o caso da homenageada nesta crónica que, ainda hoje, faz suspirar muita gente só de ouvir falar nela.
Nesta altura as diferentes competições, seja ao nível da velocidade (nomeadamente nas categorias 125, 250, 350 e 500 cc), seja até no enduro e motocross eram dominadas por estas motorizações em que a simplicidade mecânica ou o reduzido peso contrastavam, de certa forma, com alguma brutalidade na entrega da potência. Acrescia ainda os consumos elevados e o correspondente óleo de mistura.
Aliás, foi nessa altura que as preocupações ambientais começaram a fazer mais sentido e basta, por exemplo, pensar que esses motores até atingirem a normal temperatura de funcionamento libertavam autênticas “nuvens” de fumo, resultantes da queima incompleta da mistura da gasolina e do óleo.
Mesmo já quando os motores estavam a uma temperatura normal, era (e continua a ser) fácil ver o “rasto azulado” a sair dos escapes e o cheiro que fica no ar. Convém ainda ter presente que a qualidade desse óleo melhorou muito nas décadas seguintes (óleos sintéticos) e as percentagens adicionadas à gasolina se foram reduzindo, adicionadas manualmente ou definidas pelos sistemas de débito (autolube) mas eram muito variáveis e que, na dúvida, era preferível aumentar a quantidade de óleo!
Como ainda hoje se diz e com alguma razão: um motor a 2 tempos com excesso de óleo de mistura pode isolar velas ou produzir muitos resíduos de carbonização, mas a falta dele leva a um “gripanço”. Qual das duas coisas é pior? Não preciso de escrever mais nada!
De qualquer modo, assim que se começa a conduzir uma moto com um motor a 2 tempos, mais ainda numa cilindrada relativamente elevada como a estrela desta semana, esquecemos tudo isso! Em baixas rotações, tipo até às 3 ou 4.000, o motor até pode ser relativamente anémico e enfadonho, mas à medida que a agulha no taquímetro vai subindo velozmente tudo começa a mudar. Então no momento em que as duas válvulas de escape “abrem” por completo temos um novo motor!
É uma verdadeira descarga de adrenalina e há uma parte de nós que só quer que as rotações andem nessa faixa e até a melodia dos escapes ajuda. É mesmo inebriante, quase viciante! A resposta brutal do acelerador às ordens da nossa mão direita faz com que fiquemos com pele de galinha ou pelo menos com um sorriso de orelha a orelha! Até me rio ao escrever isto!
Quando abordámos as motorizações 125, nomeadamente a Honda NSR ou a Yamaha DTR, essa sensação já era bem patente, mas agora aqui surge noutra dimensão! Imagine-se o que é tê-la em dose redobrada! É verdadeiramente surreal, ainda que o perigo esteja à espreita, já que a ciclística (suspensões, quadro, travões, pneus…) pode ter dificuldade em acompanhar esse ganho de performance.
Aliás, as motorizações a 2 tempos verdadeiramente perigosas e sedentas já vinham de trás, basta pensar na família da Kawasaki Mach (I a IV) ou até nas Yamaha RD (sobretudo na 250 e 350), que são as antecessoras da TZR 250.
N.º 12: Yamaha TZR 250
Corria o ano de 1986 quando a Yamaha TZR 250 (2MA) foi “apresentada” formalmente ao mundo e gerou logo uma grande expetativa, nomeadamente no mercado europeu onde se veio a tornar rapidamente muito popular e desejada.
A sua imagem de “Moto de Grande Prémio” e a performance muito elevada de um motor de dois cilindros fizeram dela um verdadeiro objeto de sonho, mesmo que não estivesse ao alcance de todos, seja por causa do elevado preço, seja porque, ainda que com homologação para circular na via pública, se aproximava bastante de uma moto de competição, mesmo sem o radicalismo de algumas concorrentes.
O exemplar que aqui vos apresento (muito obrigado ao N. Cabeça) é de 1989 (3 MA) e tem uma bonita decoração, alternando entre o branco e o vermelho, sendo muito similar nesse aspeto à 125. Aliás, numa visualização lateral em que se vê apenas um escape quase nos engana a ponto de pensar que é uma 125, o que não corresponde de todo à verdade.
Está num estado francamente aceitável, mas não se pode dizer que é um exemplar de concurso ou impecável. Aqui e acolá há umas marcas de uso e falta, por exemplo, o “miolo” em ambos os escapes. Por outro lado, o facto de marcar uns simpáticos 25.000 km’s no mostrador indica isso mesmo: que já rodou bastante e não foi apenas moto para usar em circuito ou estar guardada numa garagem! Imagino que tenha feito feliz mais que uma pessoa… e repetidas vezes!
Aliás, basta pegar na moto e sentarmo-nos na mesma para perceber que é relativamente amigável: a posição de condução não é excessivamente radical (diferente de ser cómoda) e o facto de ter um selim único e com uma razoável dose de espuma reforça que até o passageiro/a não foi esquecido, mas o melhor na moto é o que não se vê facilmente!
Um magnífico quadro do tipo deltabox, uma motorização com 2 cilindros em linha, refrigeração líquida, uma agradável caixa de 6 velocidades e capaz de nos oferecer cerca de 45 cv (foram variando ao longo das versões) e 140 kg em ordem de marcha. Já vinha com ignição por cdi, mas ainda mantinha um sistema de arranque por pedal (vulgo kick) e as válvulas de escape YPVS tinham parte da responsabilidade da resposta do motor ser vigorosa ali a partir das 6.000, chegando às 10.000 num instante, altura em que toda a cavalagem fica disponível.
Porém, nem tudo eram ou são rosas nesta moto e o seu dono é o primeiro a confirmar isso mesmo. Por exemplo, a travagem é manifestamente insuficiente (agudizada pelo facto de ser um motor 2 tempos sem efeito “travão-motor”), com um disco de 320 mm à frente (duplo pistão) e 220 mm atrás e que mal chega para as encomendas! Aliás, mais tarde foi adicionado um segundo disco de travão dianteiro. Ou seja, o assumir da marca que era mesmo uma debilidade.
Também ao nível das suspensões e não só, há por onde criticar, mas aqui temos que perceber o “meio termo” e há compromissos: é difícil conseguir circular, por exemplo em cidade, com um mínimo de conforto e, ao mesmo tempo, ir fazer umas curvas de forma inspirada numa estrada de montanha ou num track-day. Ainda assim, a marca acabou por fazer várias alterações ao longo da vida da TZR, tornando, por exemplo, a suspensão dianteira invertida a partir de 1990 ou aumentando a borracha do pneu traseiro que começou por ser 120/80-17 e acabou em 150/60-17.
Quando deixou de ser produzida, essencialmente por questões de natureza ambiental, em 1995, era já bastante diferente da versão apresentada 10 anos antes, sendo mais potente e mais segura, mas também mais radical, até para acompanhar a concorrência, mas sem incluir, por exemplo, um motor de arranque, algo que já era prática comum em alguma concorrência.
A própria motorização sofreu alterações profundas e o simpático 2 cilindros em linha acabou por ser substituído por um muito mais evoluído motor com uma arquitetura em V (3XV). Mesmo este motor teve pelo menos 8 variantes com diferentes pistões, carburadores, ignições, embraiagens…
Mostrou-se como uma digna sucessora da RD, tentando assim juntar numa única moto a RD 250 e a 350, sendo que esta última tinha ganho, com algum mérito, fama de viúva negra pela facilidade com que se “virava ao dono” e praticava não canibalismo sexual, mas antes o punha em sarilhos, fruto da performance mítica e ciclística algo limitada. Nunca experimentei nenhuma, nem mesmo na moto 4 Banshee, mas assumo que tenho alguma curiosidade!
TZR 250 ou TDR 250?
Esta foi uma pergunta que me “assaltou” bastante antes de iniciar esta crónica. Tive alguma dificuldade em escolher. Adaptando do cantor Marco Paulo: “tenho dois amores que em nada são iguais, mas não tenho a certeza de qual eu gosto mais!
A opção pela TZR em detrimento da TDR, talvez até mais popular no nosso país, deveu-se essencialmente a uma escolha lógica: esta chegou ao mercado um pouco mais tarde (1988) e saiu muito mais cedo, já que a sua produção acabou em 1993, não tendo sofrido alterações significativas durante a sua vida comercial. Ponto a favor da TZR.
Naturalmente que é uma opção discutível já que a TDR, mesmo tendo uma vida mais curta, ajudou a lançar uma nova linha de motos, capazes de circular em asfalto e fora dele, apoiada numa motorização potente, baixo peso e elevada altura ao solo, algo na linha das corridas de supermoto que decorrem parte em alcatrão e parte fora dele e se vieram a tornar muito populares. Ponto a favor da TDR.
Claro que a TZR será sempre uma moto mais rápida, nomeadamente em circuito ou em velocidade de ponta (mesmo a versão inicial chega com inusitada facilidade aos 180 km/h reais), fruto até da própria aerodinâmica, mas será isso o suficiente para a tornar a mais desejada e cobiçada? Qual a vossa opinião? Qual escolhiam se pudessem ter uma só?
A TDR responde com o facto de ter um caráter mais dual (chegou a ser denominada como a ultimate dual), uma posição de condução mais natural e menos exigente e aqueles dois volumosos “balões” de escape são um regalo para os sentidos e dão-lhe uma sonoridade única e viciante, talvez ainda mais agradável que na TZR.
Ainda com base nesta motorização chegou a existir uma outra moto cujo nome foi, muito mais tarde, adotada para outras desportivas da marca! A R1-Z! Não lhe vou dar grande destaque, fica apenas uma imagem para registo, porque creio que foi comercializada apenas no mercado japonês, o que não significa que não possam ter sido importadas, via mercado paralelo, até para Portugal, mas admito que nunca vi nenhuma!
Voltando à nossas duas “irmãs separadas à nascença” há uma decoração que resulta particularmente bem em ambas e, do que tenho observado em ambas, é a mais popular: azul e amarelo! Vejam as fotos da OldTimer Studio Lisboa, a quem agradeço a disponibilidade das mesmas, e é impossível não concordar que estão um verdadeiro espanto! Nem mesmo a decoração preto e amarelo, bastante comum na TDR, consegue, para mim, um encanto a este nível!
De qualquer modo, importa deixar bem claro que a TZR 250 (e, por inerência a TDR) não eram, nem são, isentas de problemas. O seu próprio proprietário refere, a título de exemplo, que se ficar algum tempo parada (semanas) se torna complicada de pôr a trabalhar, “afogando” facilmente, o que pode implicar ter que retirar as velas (e não é muito fácil lá chegar).
O chamado “cold start” implica rodar a torneira de gasolina, “puxar o ar” e só depois acionar o kick, sem tocar no acelerador. Quando a moto pegar, acionar ligeiramente o acelerador e deixar algum tempo antes de colocar a patilha do ar na sua posição normal. Convém sempre fazer este procedimento num espaço arejado por causa da nuvem de fumo de que já falámos antes. Sugere-se ainda não deixar a gasolina “envelhecer” no depósito ou tem tudo para correr mal.
De qualquer modo, ilustro uma fonte que aponta as principais falhas técnicas da TZR, nomeadamente ao nível do motor e respetivos periféricos, mas também de outros pontos menos conhecidos, caso de ao nível da travagem ou da implicação de baterias com pouca carga no “cérebro” da moto. A imagem que se apresenta, ainda que em língua inglesa, é sugestiva.
É o tipo de moto com a qual muitos de nós sonham e que gostavam de ter, mas pode facilmente ser um negócio ruinoso, para ser simpático. Por um lado, pode ter sido abusada (corridas, quedas, track-days…) ou sem a devida manutenção. Por outro, pode até estar com um aspeto imaculado, mas a mecânica não estar bem e a escassez de peças ou o seu custo complicarem tudo. A sugestão que deixo é obvia: antes de fechar negócio levar convosco alguém que conheça bem a moto e saber o historial!
Já agora, se tiver planos de adquirir uma, pense previamente porque o vai fazer, ou seja, qual o objetivo da compra? Valorização futura? Para ficar em exposição no centro da sala lá de casa? Para rodar com alguma regularidade? Participar com ela em algumas idas a circuito? Corridas de clássicas?
A resposta a estas questões pode ajudar a direcionar a sua compra e talvez até a mudar de ideia se, por exemplo, for uma moto para uso diário. Já agora, se for para usar apenas em circuito, pode até comprar uma que não tenha documentos (só declaração de venda), mas que venha com algum material adicional (jantes, escapes, cdi, pistões…).
Se tivesse uma, talvez até preferisse a TDR pela maior versatilidade e a bem das minhas costas, seria para andar com alguma regularidade, nem que fosse umas singelas voltinhas dominicais. A moto merece e é um facto que a vida útil da mecânica e demais periféricos, incluindo os pneus, acaba por sofrer também se estiver permanentemente parada.
As fontes de informação em português para este modelo são escassas e o que temos é sobretudo noutras línguas:
Timeless2wheels: descrição detalhada do modelo, incluindo historial;
TZRForum: O nome do fórum já diz quase tudo sobre a família TZR;
TDR250owners: Grupo do Facebook sobre este modelo em concreto;
Yamahaclub: para aficionados da marca, também para este modelo em concreto;
Motoclasicas80: Informação sobre o modelo em espanhol;
TZR3ma: Referência incontornável pela quantidade e diversidade de informação.
Para o próximo número vamos encerrar as nossas crónicas nas motos de um quarto de litro e será com uma moto a 2 tempos. Se a TZR 250 já se pode considerar com uma moto algo radical, sobretudo nas últimas gerações, acreditem que a próxima será ainda mais! Resta esperar até sexta-feira! Vai valer a pena!
Texto: Pedro Pereira